Jornal Estado de Minas

Vídeo 360 graus: por dentro do laboratório da UFMG contra o coronavírus

 

A peste negra, uma das mais devastadoras pandemias da história humana, se alastrou quando as fronteiras entre os países foram superadas por viajantes no século 14, em plena Idade Média. O período ficou conhecido como Idade das Trevas pelo obscurantismo. Na época, havia grande controle e perseguição da igreja ao conhecimento científico. No século 21, outra pandemia volta a assustar a humanidade e para que não voltemos ao obscurantismo medieval que quase levou à dizimação da humanidade, só há um caminho: a ciência.





O Estado de Minas fez levantamento sobre as frentes de pesquisa das maiores instituições do país: Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Federal de Goiás (UFG). Nesta primeira reportagem, apresentamos os esforços da UFMG.

 

 

 

Para demonstrar o trabalho de pesquisadores, que mesmo com cortes no orçamento trabalham incansavelmente para obtenção de testes rápidos para diagnóstico e sequenciamento do genoma do vírus, o EM produziu reportagem em 360 graus no Laboratório de Vírus do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG. A atuação dos cientistas, ainda mais neste momento, salvará a vida de muitas pessoas no mundo. Em Minas, a pesquisa de ponta ocorre no câmpus na Pampulha e os resultados já são vistos em ações concretas para barrar o avanço do novo coronavírus. Ao todo, a universidade já faz 300 testes por dia – número que deve aumentar.


Apesar da missão hercúlea diante da complexidade do novo vírus, a universidade pública passa pelo maior estrangulamento de recursos da história brasileira. Só para se ter ideia, a maior universidade mineira terá um corte de R$ 7 milhões no orçamento de 2020 em comparação ao de 2019.



 O Programa de Pós-graduação em Microbiologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), que lida diretamente com a microbiologia, área do conhecimento fundamental para o desenvolvimento de vacinas, testes e medicamentos, perdeu nove bolsas de doutorado e seis de mestrado do ano passado pra cá. Vale lembrar que é um programa de excelência com nota máxima na Capes. Os cortes foram anunciados em 18 de março. “Olha o contrassenso que estamos vivendo: numa crise causada por um micro-organismo, o coronavírus, a Capes, à surdina, na calada da noite, subtrai nove bolsas de doutorado e seis de mestrado de um programa com nota máxima”, diz o coordenador do programa, professor Flávio da Fonseca.


Mesmo nesse cenário adverso para a pesquisa e, às vezes, tendo que tirar dinheiro do próprio bolso para continuar, os cientistas mineiros não param e se engajam num esforço mundial para derrotar o novo coronavírus.

 

Victória Fulgêncio Queiroz, bióloga e estudante de doutorado: "É importante estar nessa posição. Sinto que é meu dever como bióloga formada em uma universidade federal, pública, e como pesquisadora em doutorado" (foto: Fred Bottrel/EM/D.A Press)

 

 “É importante estar nessa posição. Sinto que é meu dever como bióloga formada em uma universidade federal, pública, e como pesquisadora em doutorado. Tenho a noção de que isso vai contribuir muito com o estudo nos números de caso e acompanhamento do vírus no Brasil. E, ao mesmo tempo, é muito desafiador, porque é um vírus perigoso, lidaremos com amostras clínicas e temos de seguir protocolos corretos de biossegurança e trabalhar em equipe”, diz Victória Fulgêncio Queiroz, bióloga e estudante de doutorado no laboratório.





No Brasil, as pesquisas científicas são feitas em grande parte nas universidades públicas e em instituições mantidas pelo estado, como FioCruz, Petrobras e Embrapa. A ciência corre contra o tempo para dar resposta à pandemia do coronavírus. No Brasil, a resposta tem que ser ainda mais rápida: é gigantesco o número de casos suspeitos, mas o processo de diagnóstico ainda é bem lento. Como não há vacinas para a COVID-19, é preciso identificar as pessoas contaminadas para que possam receber o tratamento e tomar os cuidados para não transmitir o vírus para outras pessoas. Nesse sentido, a testagem é fundamental para barrar o avanço da doença.

Multidisciplinar

Na última semana, mais de 30 cientistas da UFMG, incluindo pesquisadores das faculdades de Farmácia e Medicina, da Veterinária e do Instituto de Ciências Biológicas, entre outras unidades, reuniram-se em videoconferência com o objetivo de traçar estratégias de apoio ao governo estadual no diagnóstico de casos suspeitos da infecção pelo novo coronavírus. “A UFMG tem se mobilizado para ajudar. Foi uma demanda da Secretaria de Estado da Saúde. A Funed, que é nosso laboratório oficial, não está dando conta da demanda e nos pediu ajuda. A UFMG está se mobilizando para fazer uma frente única e ajudar o estado”, afirma o professor Jonatas Abrahão, coordenador do Laboratório de Vírus. Devem contribuir para a testagem os laboratórios do Instituto de Ciências Biológicas, Escola de Veterinária e Faculdade de Farmácia.


A estimativa é, quando todos estiverem trabalhando com a autorização da Anvisa, sejam feitos 300 testes por dia. A universidade também estuda parcerias com a Fundação Ezequiel Dias (Funed) para ampliar o número de testes. “Somos um laboratório de pesquisa de 60 anos. É um laboratório grande, com cinco professores, alunos de graduação e pós-graduação são 45 pessoas. Nosso laboratório foi modificado, as salas, a ordem dos equipamentos, o fluxo para fazer diagnóstico da COVID-19. A equipe atual foi direcionada para o diagnóstico, professores e 12 alunos fazendo diagnóstico”, afirma Jonatas.





Outra ação importante é a realização de pesquisas para o desenvolvimento de testes rápidos, que podem fazer o diagnóstico em menos tempo. A tecnologia que hoje o país dispõe permite resultados em 48 horas, mas há uma demora em fazer o número de casos suspeitos, que cresce a cada dia.
Em médio e longo prazo, a tarefa urgente para os cientistas é o desenvolvimento de uma vacina, uma busca realizada por cientistas de todo o mundo. O primeiro passo é conhecer com precisão o vírus que circula no Brasil. Nessa direção, os pesquisadores da UFMG, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC) sequenciaram os primeiros 19 genomas da doença em pacientes de cinco estados: Minas, São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Goiás. Pesquisa de ponta, a ação amplia a cobertura nacional da vigilância genômica viral. “Os pesquisadores fizeram o sequenciamento em tempo recorde, em 48 horas”, informou a reitora da UFMG, Sandra Goulart Almeida.

Respiradores  

A UFMG  ainda integra a Rede Vírus, composta por pesquisadores dos Ministérios da Saúde (MS) e da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). Docentes do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) e da Faculdade de Farmácia da UFMG estão entre os pesquisadores convocados pelos ministérios.  Outra ação é a produção de respiradores, equipamento hospitalar essencial para o tratamento de pacientes com a COVID-19, que desenvolveram a síndrome respiratória e precisam da ajuda de equipamentos para respirar. A reitora informou que a universidade está em diálogo com a Fiemg para a produção em escala dos equipamentos. A universidade também deverá produzir, em grande escala, máscaras com a utilização da tecnologia de impressão 3D.



Trabalho árduo em hospitais

Muita gente não sabe, mas a atuação da universidade pública tem uma face muito visível no dia a dia das pessoas. A UFMG gerencia três grandes centros hospitalares, que atendem milhares de pessoas no estado: Hospital das Clínicas, Hospital Risoleta Neves e a UPA Centro-Sul. Neste momento, além das ações já em andamento, a Faculdade de Farmácia e a Escola de Veterinária produzem álcool em gel para os três hospitais gerenciados pela universidade. “Já começamos a produção e pretendemos mandar o máximo possível para os hospitais”, informou a reitora. A universidade também realiza campanha nacional para arrecadação de recursos para manutenção desses hospitais.


A campanha de financiamento coletivo é uma parceria da universidade com o Instituto dos Advogados de Minas Gerais (IAMG) e a Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa (Fundep). Iniciada em 24 de março, tem o propósito de arrecadar recursos para aquisição de medicamentos, insumos, equipamentos e contratação de serviços destinados aos hospitais. Entre os materiais, estão luvas, aventais, protetores faciais, máscaras cirúrgicas, suportes de soro e materiais de limpeza, como desinfetantes, álcool gel, papel toalha e medicamentos.