Comparado a uma terça-feira comum do período em que o coronavírus não era uma ameaça, o movimento pelas ruas do Centro de Belo Horizonte caiu drasticamente. O silêncio, a ausência da costumeira horda de pessoas caminhando nas calçadas e uma grande facilidade para atravessar as ruas davam o tom da nova cara de uma região central nada nervosa. Basta uma volta para se espantar também com a quantidade enorme de farmácias que há na cidade. Com a determinação de fechamento dos estabelecimentos comerciais que não prestam serviços essenciais à população, a grande maioria das lojas que está de portas abertas é formada por drogarias.
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Doenças prévias, data da internação e protocolo: hospital detalha segunda morte por COVID-19 em MinasEsperança: vendedor de balas tenta sobreviver em meio à pandemiaO drama de uma mãe de preso em Minas em tempos de coronavírusCom dois casos confirmados e 195 suspeitos, Sete Lagoas altera decreto e vai permitir funcionamento do comércioApós Maia cobrar agilidade do governo por 'coronavoucher', Guedes pede colaboração do congressoE mesmo nesse tempo de restrições, várias lanchonetes continuam a funcionar. Mas, na maioria dos casos, sem a possibilidade de pedida do lanche no balcão. Na porta de inúmeros estabelecimentos, uma correntinha de plástico sugere que os clientes façam o pedido e paguem da calçada mesmo. Rodrigo da Silva Santos trabalha em uma lanchonete na Rua dos Tupinambás e observa que o movimento está tão baixo que nem precisa organizar fila em frente ao caixa, já que elas nem chegam a se formar.
Funcionário de um açougue, José Ângelo Ferreira avaliava uma queda de 80% do movimento “Nessa loja aqui trabalhavam oito. Hoje, somos quatro. Por enquanto, os outros estão de férias, mas, se continuar assim, acho que vai ter demissão”, projeta. A respeito da forma de atendimento, se a ameaça da doença exigiu algum cuidado especial, José garante que seu time é “democrático”, com os próprios clientes se organizando para não criar aglomeração, apesar de o movimento fraco raramente provocar essa situação.
Além de farmácias e estabelecimentos ligados ao ramo da alimentação (lanchonetes, açougues e restaurantes), o que mais se vê funcionando no Centro de BH são “portinhas”, pequenas lojas que vendem bolsas, calçados e brinquedos. Janiel Salvador Fernandes trabalha em uma delas e avalia que o movimento desta terça-feira foi equivalente "a 20% de um dia normal". Mas, em lugar de reclamar, Janiel comemora as vendas, que foram superiores às da semana passada.
Com um leve aglomeração de pessoas, um cartório de registro civil na Rua dos Guaranis faz os atendimentos. “Só deixamos entrar para emissão de certidão de nascimento e óbito. O resto nós resolvemos na porta”, explica um funcionário que atende devidamente protegido por luvas e máscara em uma pequena porta. À espera da segunda via da certidão de nascimento da filha, na calçada, Levir Edvar dos Reis critica o serviço do cartório e compara com o prestado pelo banco em que havia acabado de estar, que estava atendendo normalmente. “Não sou a favor de abrir o leque para que todos se exponham, mas tinha que ter um critério estabelecido para esse atendimento”, questiona.
Apesar do movimento constante de policiais, lojas que vendem produtos não muito essenciais, como instrumentos musicais e ferramentas, estão com as portas semicerradas e uma boa desculpa na ponta da língua: “Estou só esperando uma mercadoria chegar”, alegou um funcionário que não quis se identificar. O balconista de um motel tipo sobe-desce, que também preferiu o anonimato, relatou que a doença e a recomendação do isolamento também esfriaram o setor. Entre taxistas, porém, Sérgio Luiz Diniz comemorava o maior movimento registrado nos dois primeiros dias da semana. “Na semana passada, cheguei a ficar cinco horas e meia parado no ponto, mas nesta semana melhorou um pouco”, observa.
E, apesar das recomendação de que os idosos deveriam se proteger ainda mais, não era difícil encontrar alguns senhores de cabeça branca por ali. Com 68 anos, e diabético (o que o deixa ainda mais vulnerável em caso de contágio pela COVID-19), o aposentado Ilacir Dos Santos foi ao centro da cidade para buscar conserto do celular, que deixou de carregar a bateria. Chateado por não encontrar lojas abertas para colocar o telefone em uso novamente, Ilacir afirma que não teme a doença, não está tomando cuidados especiais e aparentemente se confirma com a hipótese de contrair a doença.
O aposentado Wilter Silveira, de 80 anos, diz que vai sempre ao Centro e que achou tudo muito parado. Foi a filha quem levou Wilter de carro para ir ao banco, outro idoso a admitir que não está tomando cuidados especiais. “A dengue mata mais”, compara. Outro homem de 80 anos circulando pela região central de BH, Saint Claire Rocha Cruz disse que havia se deslocado à procura de atendimento banário. Ele tem uma empresa de próteses dentárias no Edifício Mesbla, próximo à Praça Rio Branco, fechada temporariamente por causa do coronavírus. Mas revelou que não está gostando nada da recomendação de ficar em casa.