Jornal Estado de Minas

Especialista alerta: "A questão não é a idade, mas a fragilidade"

(foto: GUSTAVO WERNECK/EM/D.A PRESS)

 

 

Tempo de atenção redobrada para filhos, irmãos e netos, isolamento para as famílias e cuidado especial com os idosos, principalmente os fragilizados. Desde 11 de março, quando a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou a pandemia da COVID-19, causada pelo novo coronavírus, os hábitos mudaram e a vigília começou nas casas. Bem antes do anúncio, as pessoas mais velhas já estavam no foco como alvo principal da doença, que já provocou 432 óbitos no Brasil, com 10.278 positivos. No país, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), há cerca de 30 milhões de idosos, dos quais 4 milhões vivem sozinhos.



 

Até agora, a faixa etária entre 60 e 70 anos apresentou o maior número de casos, concentrando-se, entre 80 e 90 anos, os óbitos. Em Minas, seis pessoas morreram, e os últimos dados mostram 430 infectados e 44.528 casos suspeitos. Estão sendo investigadas 64 mortes.

 

Mas, para não entrar em pânico, é bom prestar atenção às palavras do geriatra Edgar Nunes de Moraes, coordenador do Centro de Referência de Idosos do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e consultor do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass). “A questão não é a idade, mas a fragilidade.” O risco maior, portanto, aponta para os adultos dependentes e incapazes de cuidar de si. Há os idosos robustos e os fragilizados, os quais podem estar com 70, 80 ou mesmo 50 anos”, destaca o médico, avesso a delimitar a faixa etária para essa etapa da vida.

 

(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)

 

É por isso que a rotina de Sandra Maria Barbosa Magalhães, de 63 anos, moradora do Bairro Pirajá, na Região Nordeste de Belo Horizonte, mudou da água para o vinho tão logo ocorreram os primeiros casos no Brasil. “Tenho duas irmãs, a Maria de Lourdes, de 80, solteira, e a Maria José, de 74, mãe de dois filhos. Moramos no mesmo lote, mas em três casas separadas. Como elas têm a saúde debilitada, estamos sempre de olho”, conta Sandra.



 

Na tarde de quinta-feira, na companhia do marido e do filho Matheus Barbosa Magalhães, de 21, estudante de gestão pública, Sandra resolvia as pendências familiares entre a ida ao banco e à farmácia. “O mais importante é o isolamento. Minhas irmãs ficam querendo sair, ir à rua, e a gente não deixa pelos problemas de saúde delas.”

 

Na ativa Em cada casa, uma realidade, embora as entregas em domicílio, especialmente de comidas, tornem menos penoso o distanciamento social e a vida de quem vive sozinho. Protegido pela máscara cirúrgica, Jinzo Dinnoute, de 82, morador do Bairro Cidade Nova, também na Região Nordeste, leva ao pé da letra a palavra isolamento. Assim, prefere morar sozinho. “Só saio em caso de extrema necessidade, como ir à farmácia, bem perto de casa”, contou o brasileiro filho de japoneses.

 

De corpo esbelto, cabelo bem penteado e bom de papo – a conversa com o repórter só não rendeu mais por causa da máscara cirúrgica e o necessário distanciamento –, o senhor Jinzo disse que tem um casal de filhos, mas as circunstâncias impedem o contato físico permanente. “Minha filha mora no Bairro Serra (Região Centro-Sul) e sempre nos falamos (por telefone). Eu me protejo e procuro proteger os outros. Se eu tiver algum problema, não quero passar para quem está perto, daí o uso da máscara”, observou.



 

Já a secretária aposentada Elza Edna Tarquínio garante: “Não vou pegar esse vírus”. Viúva, sem filhos e residente no Centro de BH, Elza se declara “muito ativa”, procura fazer tudo sozinha e, em caso mais urgente, recorre a um irmão. Quando o repórter pergunta o porquê de tanta certeza, ela responde que se sente “abençoada”, embora partidária do ensinamento “faça sua parte que te ajudarei”. Então, nestes tempos, faz o que pode e o que deve para seguir as orientações, incluindo deixar o sapato do lado de fora do apartamento ao chegar da rua.

 

(foto: GUSTAVO WERNECK/EM/D.A PRESS)

 

XÔ, SOLIDÃO!  Casados há 39 anos e sem filhos, Mauro Silva, de 78, e Teresinha das Graças, de 71, seguem rigidamente as recomendações das autoridades sanitárias: não sair de casa, lavar bem as mãos, usar álcool em gel, enfim o rosário de orientações para espantar o vírus que aterroriza o mundo. “Moramos bem perto de outras famílias, são cinco casas próximas, aqui no Bairro Pompeia (Região Leste de BH). Então, temos quatro netinhos 'do coração' e uma adolescente que fazem nossa alegria e preenchem o vazio”, orgulha-se Mauro.

 

Preencher, por sinal, consiste em verbo fundamental neste momento traumático para a humanidade. Católicos, Mauro e Teresinha têm assistido às missas pela televisão e lido, em dupla, histórias religiosas e sobre assuntos referentes à Campanha da Fraternidade 2020, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).



 

MUDANÇA RADICAL Se no Brasil há cerca de 30 milhões de pessoas com 60 anos ou mais, é bom lembrar que a faixa etária para definir idoso varia muito, inclusive entre países. Mas números sem um rosto não fazem muito sentido. Também na ativa, a cuidadora Cleusa Damasceno de Oliveira, casada, três filhos, fez uma mudança radical aos 62 anos, a partir da epidemia.

 

De Contagem, onde mora a família, Cleusa se transferiu para Santa Luzia, também na Região Metropolitana de Belo Horizonte, onde cuida de um homem de 75 anos em recuperação de dois AVCs (acidente vascular cerebral). “Encontrei aqui uma segunda família. Acredito que, para dar certo, o confinamento precisa ser agradável. Estando nesta casa, evito pegar ônibus e posso me dedicar em tempo integral ao que gosto de fazer.”

 

 

 

Três perguntas para...

Edgar Nunes de Moraes

Geriatra, coordenador do Centro de Referência de Idosos do Hospital das Clínicas da UFMG e consultor do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde

 

Os idosos estão mesmo mais sujeitos à infecção causada pelo coronavírus?

Há muitos equívocos sendo divulgados e esse é um deles. É preciso esclarecer que a idade não é o marcador mais importante, e sim a fragilidade da pessoa. Ter pressão alta também não é o problema, pois 70% dos idosos são hipertensos. Vale ressaltar que idade não é doença.



 

O que identifica a fragilidade?

A dependência funcional: incapacidade de cuidar da própria vida, de se alimentar, de ir ao banheiro sozinho, pagar as contas. Uma pessoa acamada está mais frágil. Esse conjunto de condições, associado às questões de saúde, traz riscos. Há pessoas de 70, 80 anos que são robustas, outras de 50 nem tanto. Tudo depende da vitalidade.

 

Quais são suas orientações neste momento?

O isolamento social, sem sair mesmo, e a proteção da casa contra o ambiente externo. E lavar bem as mãos, sempre. Estamos dedicando especial atenção às instituições de longa permanência para idosos, com todas as informações no site ilpi.me. São cinco passos: preparação dos profissionais, comunicado aos idosos residentes, aos familiares e à sociedade e compra de insumos de proteção.