Dormir em aeroporto, cancelar férias, a dúvida se conseguirá ou não voltar pra casa, para o Brasil. Assim está sendo a vida de muitos brasileiros que estão no exterior. Os momentos vividos por aqueles que viveram momentos de apreensão, mas que conseguiram voltar causou traumas, transtornos, que ainda estão presentes no dia a dia de cada um. É o que contam a dentista Renata Marques, de 49 anos, a consultora Rachel Fraga, de 25, o pintor Gabriel Mendes, de 32.
Humilhação, desgaste, estresse. Essas são as sensações de Renata, que conta que está tendo de tomar remédio para dormir, desde que retornou da África do Sul, onde passava férias com o marido, Deiler Celiojeunon. “Eu estava acordando três quatro vezes por noite. Passava os dias cansada. A solução foi ir a um médico, que receitou remédio para dormir. Não esqueço s cenas que vi lá, aliás, fico recordando tudo, desde o começo. Era para termos voltado no dia 23 de março, mas o voo foi cancelado e aí, começou um drama”, conta ela.
“Ficamos restritos ao quarto do hotel, desde então, pois não se podia sair à rua em Johanesburgo. A coisa foi piorando à medida que os dias passavam, pois a gente não tinha certeza de nada”, afirma a dentista, que disse que ela e Deiler passaram a acompanhar, através de informes da embaixada brasileira, como estava a negociação para o voo de repatriação.
Renata diz que o empenho foi da embaixada do Brasil e que o Governo sul-africano só colocava empecilho e restrições. “O empenho da embaixada foi grande. Só conseguimos voltar por isso. Dependíamos diretamente dela, pois não se podia circular pela cidade. Foi então que foi montado o plano de retirada dos brasileiros.”
O voo era da Latam, mas o esquema, todo, de resgate, teve a participação do Governo local, segundo a dentista. “Em todos os ônibus, que foram pegar os brasileiros nos hotéis, havia um oficial da marinha da AFS. O pior foi esperar. Marcaram de nos pegar às 20h, depois mudaram para as 23h. Só saímos do hotel perto das três da madrugada.”
O sofrimento, segundo ela, só foi aumentando. Na chegada ao aeroporto, depararam com uma verdadeira topa de choque. Descemos em meio a policiais e cães, muitos. A gente tinha de colocar a mala e ficar a dois meros de distância. “Os cães farejavam as malas e depois vinham farejar a gente.”
Dentro do aeroporto, uma situação inimaginável, segundo Renata. “Não eram os funcionários da Latam que faziam os serviços de check-in e despacho de bagagem. Era gente ou da polícia ou do exército deles. Não estavam preparados para isso. A fila era demorada. Na minha frente havia um casal de idosos e a mulher passou mal. Eles os tiraram da fila. Não os vi mais.”
Cada passageiro tinha de preencher um formulário, semelhante ao que se faz na chegada ao país. Mas de repente, segundo ela, a situação piorou e criou imagens que não esquecerá jamais. “Eles começaram a separar casais, separar família. Tiraram do voo. Gente chorando por todo lado. E quando chegamos ao interior do avião, haviam muitos lugares vagos. Retiraram gente do voo, mas ainda tinha muito lugar. Poderia ter vindo muito mais gente. Isso vem na minha cabeça o tempo todo”, conta Renata.
O drama não terminou quando o avião pousou em São Paulo. “Recebi uma mensagem de amigos que tinham ficado em Johanesburgo. Cerca de 80 passageiros ficaram para trás. Em São Paulo, quando chegamos, não estávamos mais no voo para BH. Tivemos de discutir com funcionários da Latam, brigar pelos nossos direitos. Felizmente conseguimos voltar pra casa.”
FIM DE FÉRIAS
Rachel Fraga, que é mineira, tinha ido para a África, com mais três amigas, Júlia Franca, Cecília Cury e Nicole Guarda, de férias. O objetivo delas, conhecer os parques nacionais da Namíbia, pois queriam o contato com a natureza e ver os animais africanos, girafas, leões, zebras, etc.
Foram de São Paulo para Johanesburgo e alugaram um Jeep de safári, que tem uma barraca acoplada, e iniciaram a viagem. Foram primeiro ao Etosha National Park. E lá receberam a notícia de que a crise de coronavírus tinha chegado à África e que o espaço aéreo da Namibia, assim como o da África do Sul, onde teriam que passar, para trocar de avião, seria fechado.
“Pronto. Nossas férias tinham acabado. O sonho havia acabado. Ainda tínhamos planos de conhecer praias e o deserto. Aliás, quando chegou a notícia, estávamos saindo do parque para ir acampar no deserto. Não tinha mais jeito. Tínhamos de voltar. E foi a decisão acertada”, diz Rachel.
"Chegamos ao aeroporto de Windhoek e pegamos um dos últimos voos que saíram para Johanesburgo. Lá, começou uma espera sem fim. Mas o pior, segundo ela, ainda estava por vir. “Vi muita gente chorando, famílias separadas. Parte veio embora e parte ficou, tipo marido e mulher. Olha foi tenso. Estou sensível a tudo que vi lá até hoje. Não vou esquecer nunca mais isso. Não sai da minha cabeça”, conta Rachel.
O pintor Gabriel Mendes, de 32 anos, conseguiu retornar de Portugal há uma semana. Ele é da cidade mineira de Coluna. Somente ontem retornou para casa. “Estou em casa. Até dormi melhor. Mas quer saber de uma coisa, eu cheguei aqui, mas minha cabeça ainda está lá. Ainda estou dentro do aeroporto.”
Gabriel se mantém ativo num grupo de whatsapp de ajuda aos brasileiros que estão em Portugal. “O grande problema é que muitas pessoas, muitas delas idosas, estão em Portugal porque era ponto de escala. Ou seja. Não conseguiram sair de lá para seu destino final.”
Ele diz que a preocupação agora é conseguir com que essas pessoas consigam retornar ao Brasil. Além disso, daqui ele tenta ajudar pessoas que viviam e trabalhavam ou estudavam naquele país. Ele já conseguiu, por exemplo, arrumar lugar para pessoas que não tinham onde morar e nem onde comer. “Sinto-me na obrigação de tentar ajudar.”