Jornal Estado de Minas

Voluntários imprimem em 3D escudos protetores contra o coronavírus

Daniel Lopes: agora o objetivo é aumentar a rede (foto: Fred Bottrel/EM/D.A Press)

Professor Pardal, o criativo amigo do Pato Donald, era uma figura do bem, disso ninguém duvida. E nestes duros tempos de crise fora dos quadrinhos, os "inventores malucos" da realidade tampouco decepcionam. Em Minas Gerais, um grupo de voluntários se uniu para imprimir em 3D escudos protetores destinados a profissionais de saúde e doá-los a hospitais. O equipamento de proteção cobre todo o rosto e é considerado essencial no trato direto com pacientes infectados, enquanto crescem os números da pandemia do novo coronavírus. A demanda de hospitais que se cadastraram na plataforma do projeto é de 70 mil escudos protetores no estado.




Os propulsores da ideia foram os empresários Daniel Lopes, dono da 3D Lopes, uma empresa de impressão 3D e Carlos Ribeiro, fundador do Faz Makerspace, espaço desses em que protótipos e ideias se materializam em impressão tridimensional e máquinas de corte a laser. Daniel conta como tudo começou: "Encontramos um projeto, disponibilizado gratuitamente na internet por designers da República Tcheca, e imprimimos as primeiras 30 peças para doar para o Hospital das Clínicas".

Rafael opera a máquina que corta o acetato: "Contribuir com uma solução para o problema é muito gratificante nessa situação" (foto: Fred Bottrel/EM/D.A Press)


A partir daí, houve aumento da demanda e os dois decidiram acionar a rede de makers e fablabs de Minas Gerais, a Trem Maker, criada a princípio para divulgar a cultura desses espaços, ligados a universidades ou geeks entusiastas, onde brotam criação, inovação e tecnologia. 

Duas semanas depois, a produção havia saltado de 30 para 300 escudos protetores ao dia - a capacidade atual da rede é de 500 unidades diárias, e o processo também é lento pois é preciso haver adequações técnicas de padrão para a produção. O movimento hoje conta com 100 voluntários cadastrados. 



O equipamento segue especificação técnica da Anvisa e norma da ABNT (foto: Fred Bottrel/EM/D.A Press)

"Como a impressão 3D é ainda um processo lento, entendemos que acionar a rede seria a maneira de ganhar escala. Em produção, aproximadamente 80 impressoras estão em atividade, para criar as peças que chegam aqui todos os dias, onde fazemos a montagem e a triagem", conta Carlos Ribeiro. 

A médica Adriana Franca Araújo Cunha, especializada em infectologia e controle de infecção hospitalar, atuou como consultora para as máscaras made in Minas, desde o princípio. "A construção tem a regra da ABNT, parâmetros da Anvisa e fizemos avaliação da produção, para ver se estava dentro dos critérios. O escudo de rosto tem maior durabilidade e não é material crítico, não tem contato direto com vias respiratórias ou sangue, não precisa portanto ser esterilizado, mas sim higienizado com água e sabão e álcool 70%. E ele não pode ser poroso, tem que resistir ao álcool", detalha a médica.

Carlos Ribeiro e os escudos organizados para doação a hospitais (foto: Fred Bottrel/EM/D.A Press)


Por dentro do makerspace
Máscaras embaladas com rótulos de diversos hospitais da capital mineira estavam sobre a mesa na manhã em que nossa reportagem visitou a Faz Makerspace, espaço que funciona em um sobrado na Avenida Afonso Pena, no Bairro Funcionários, Região Centro Sul de Belo Horizonte. Dali, seguiriam para a entrega na parte da tarde. 



No segundo andar do espaço, impressoras 3D seguiam a todo o vapor, na feitura, como que por mágica, dos suportes do escudo. A alça que se ajusta na cabeça do profissional de saúde e também a base do equipamento, que garante a curvatura do acetato, são impressas em 3D. Em vez de tinta, a impressora usa um polímero, no caso o PETG, recomendado para uso em setores como saúde e alimentação. A partir do projeto tridimensional no computador, o bico da impressora vai depositando, em uma plaquinha, o material. Em aproximadamente quatro horas, a alça está pronta.



Enquanto isso, na oficina, o técnico Rafael Braga da Costa trabalhava na máquina de corte a laser, preparando os acetatos para o encaixe - aquela parte transparente do escudo. A partir de projeto no computador, a máquina gera o corte com as bordas arredondadas do material que vai proteger o rosto de médicos e enfermeiros. O bico fumegante da máquina faz também os furinhos na placa, para propiciar o encaixe das alças impressas em 3D.

"Em meio a tanto pânico que está rolando, a gente consegue fazer uma coisa diferente, consegue mudar a situação um pouco, para ajudar. Então, em vez de ficar só em casa, parado, a gente contribuir com uma solução para o problema é muito gratificante nessa situação", orgulha-se Rafael.



Quem cuidava da montagem, na manhã em que visitamos o espaço, era a dentista Luísa Nascimento Bicalho. Com a habilidade manual de seu ofício, somava esforços ao trabalho voluntário, polindo as peças e unindo as duas coisas: a parte impressa tridimensionalmente em polímero e o acetato cortado a laser: "Quando a gente entende que tem uma demanda mundial para esse tipo de equipamento de proteção, não pode ficar em casa parado só assimilando tragédia e pensando no que vai ser do mundo. Precisamos colocar a mão na massa".

Ampliação da rede
Agora, a fase é a de convocação a novos voluntários que têm máquinas de impressora 3D em casa e desejo de contribuir. O processo de adequação também leva um tempo, já que cada produtor é avaliado e recebe orientações de higienização para se adequar. A mesma plataforma que recebe cadastro de voluntários concentra também os pedidos das instituições de saúde. E, como se pode imaginar, o crescimento tem sido vertiginoso.

"Temos 1,5 mil pedidos cadastrados na plataforma, o que contabiliza aproximadamente 70 mil unidades de escudos protetores. Para isso, precisamos de mais makers, mais voluntários, para atender a essa enorme demanda", diz Daniel. A plataforma para se cadastrar e conhecer melhor o projeto é a Trem Maker
A rede de colaboração inclui instituições e empresas como a Trem Maker, a 3D Lopes, o Faz Makerspace, a Hotmart (que dispôs fundo de R$ 1 milhão para projetos como este), a Newton, o Laboratório Aberto, a UFMG, a Fiocruz, o Uni-BH, o Apubh (Sindicato dos professores de universidades federais) e o Sindifes (Sindicato dos Trabalhadores nas Instituições Federais e de Ensino).