Em quarentena na Itália, professora mineira tira lições do que está vivendo
Apesar de todas as privações e do cenário de guerra visto em Milão, Taís Takehara diz que já é uma pessoa mais consciente
Por Taís Takehara - Especial para o EM
10/04/2020 06:00 - Atualizado em 10/04/2020 09:58
Eu não só estou em Milão, na Itália – o segundo país a ter a maior disparada de infectados e mortos pelo coronavírus depois de o surto se iniciar na China –, como estou também vendo o Brasil passar por algumas das mesmas etapas que nós. Já passamos pela fase de preconceito, de desconfiança, de pensar que não é nada demais e achar que fechar tudo é um exagero. Já passamos também pela fase do desespero, de querer passar álcool em tudo, da fase de nos irritar com a monotonia de não poder ir a lugar nenhum, e agora chegamos à fase de solidão, calmaria e de ter fé e esperança de que “algum dia” as coisas melhorarão.
O pior do atual momento é que ainda não começamos a recolher os cacos, estamos ainda trancados em casa esperando o resto se despedaçar. Essa fase “limbo” é horrível, pois não podemos lamentar pelo que não foi feito ou pelo que fizemos de errado, e não podemos nem sequer nos planejar para depois que tudo isso passar, porque os números não nos dizem quando isso vai ocorrer.
Quando tudo começou, ainda não tinha em mente como seria difícil. Minha família, inclusive, pediu para que eu voltasse para o Brasil, mas escolhi ficar, porque me sinto segura aqui. E, mesmo ouvindo “o sistema de saúde italiano vai entrar em colapso”, é difícil entender o que isso significa, não conseguimos fazer uma foto desse cenário. Adiantaram a formatura de enfermeiros e médicos, pediram a ajuda a médicos de outras regiões para atender a Lombardia, médicos aposentados se voluntariaram, chegaram reforços de outros países, transformaram enormes locais de eventos em hospitais, receberam doações e compraram tudo o que puderam, como respiradores, máscaras e roupas hospitalares. E nem assim conseguem atender tanta gente. Mesmo não contabilizando todos os mortos e doentes, os números são preocupantes. Mesmo com toda a força-tarefa, não encontramos ainda um índice de paz.
Ainda não terminei de pintar esse quadro em minha cabeça, esse quadro do que é um colapso do sistema de saúde, porque é complexo, cheio de detalhes e a cada dia surgem mais coisas em que eu, reles mortal, não havia pensado. O óbvio, que outras doenças não param e esperam o coronavírus passar, isso a gente já sabia. Essas já não são nem mencionadas em meio ao caos. Definitivamente, o sistema de saúde daqui não é bom para tratar a pandemia.
As ruas estão muito vazias, os carros empoeirados, só gente nos supermercados, lá dentro só se compram produtos essenciais, prateleiras dos não essenciais estão bloqueadas. Podemos passear com o cachorro, andar no bairro para nos exercitar, porém, desacompanhados. Temos medo de ser multados e somos vigiados o tempo todo por policiais.
Eu e meu marido temos condições de trabalhar remotamente, somos privilegiados, pois trabalhar nos ajuda a manter a cabeça ocupada. Não nos cansamos da convivência 24 horas por dia durante os sete dias da semana. Mas, mesmo assim, temos lá nossos problemas. Cuidei tanto das minhas plantas que exagerei. Meu marido, que não fica sem fazer esportes, montou uma academia na porta da cozinha. Nossa filha faz aulas on-line e após quase um mês começou a sentir o tédio da tela do celular, do computador, dos filmes e até das artes manuais. Estou aprendendo a usar a internet a meu favor, faço compras de frutas e vegetais pelas redes sociais. Comprei a madeira para a academia que meu marido montou, também, virtualmente. A gente se vira. Aprendi até a acessar os cursos que estão sendo oferecidos gratuitamente na internet, e estou me disciplinando para estudar um pouco todo dia.
Acho que não voltarei mais a ser a mesma. Hoje vi que não precisamos ir ao supermercado toda semana, não desperdiço mais comida, uso tudo com muito planejamento, uso melhor meu tempo, convivo melhor com minha família, como e durmo melhor. Temos menos barulho, menos poluição, tem mais vida nos parques e animais por toda parte. Os vizinhos se olham e conversam. Eu falei pela primeira vez com meu vizinho, e olha que moro aqui há três anos. Estamos voltando nossos olhos para o próximo de uma forma única. É cansativo, estranho e triste ficar isolado, mas tem seu lado positivo.
Agora já não tenho medo mais, aprendi a me proteger e a proteger os demais. Acredito que essa foi a forma que encontraram de frear o problema e estou disposta a colaborar, por mim e pelos outros, principalmente pelo país que me acolheu e que eu quero que se cure, o mais rápido possível. O sentimento é de tristeza e de impotência por todas as perdas, seja de vidas ou materiais, mas temos que continuar fazendo o que podemos.
Pensava que o pânico era necessário para que as pessoas entendessem a gravidade das coisas. Parei, pensei, me acalmei e percebi que, durante a semana, muitos alunos me reportaram ansiedade, pânico e depressão, chegavam cansados e queriam logo falar de suas tristezas. Estávamos adoecendo e não era de coronavírus. Percebi, principalmente, quando me vi adoecendo. Eu já não queria me levantar, estava sempre de mau humor e com um riso forçado.
Pensei, então, em espalhar notícias boas, contar um pouco como essa situação estava nos transformando positivamente. Acredito mesmo que tudo tenha seu lado bom e o seu lado não tão bom assim. Yin e yang. E foi aí que criei a #oladobomdocoronavirus, na qual as pessoas poderiam postar e seguir a hashtag, que todos os dias seriam alimentadas com um pouco de notícias boas. As pessoas aderiram, com posts de música, crianças fazendo artes manuais e notícias de cura, muita coisa linda.
O trabalho foi feito. Esse foi para mim o maior aprendizado: o bem se faz com o bem, mesmo diante da incredulidade.
Quero me lembrar disso tudo, pois este momento está me tornando um eu que eu quero para o mundo: mais consciente, mais coletiva, menos egoísta, menos consumista, mais minimalista, mais presente e menos ansiosa sobre o que o futuro me reserva.
O que é o coronavírus?
Coronavírus são uma grande família de vírus que causam infecções respiratórias. O novo agente do coronavírus (COVID-19) foi descoberto em dezembro de 2019, na China. A doença pode causar infecções com sintomas inicialmente semelhantes aos resfriados ou gripes leves, mas com risco de se agravarem, podendo resultar em morte.
Como a COVID-19 é transmitida?
A transmissão dos coronavírus costuma ocorrer pelo ar ou por contato pessoal com secreções contaminadas, como gotículas de saliva, espirro, tosse, catarro, contato pessoal próximo, como toque ou aperto de mão, contato com objetos ou superfícies contaminadas, seguido de contato com a boca, nariz ou olhos.
Como se prevenir?
A recomendação é evitar aglomerações, ficar longe de quem apresenta sintomas de infecção respiratória, lavar as mãos com frequência, tossir com o antebraço em frente à boca e frequentemente fazer o uso de água e sabão para lavar as mãos ou álcool em gel após ter contato com superfícies e pessoas. Em casa, tome cuidados extras contra a COVID-19.
Quais os sintomas do coronavírus?
Confira os principais sintomas das pessoas infectadas pela COVID-19: