Jornal Estado de Minas

Favela contra o vírus: solidariedade reduz efeitos da COVID-19 nas comunidades de BH

Cufa atenderá comunidades em toda Minas Gerais (foto: Tranquilo Boys Filmes/Divulgação)

Belo Horizonte tem boa parte da população morando em vilas e favelas, onde o adensamento populacional e a deficiência na oferta de serviços sanitários tornam esses espaços ainda mais vulneráveis ao novo coronavírus. Por essa razão, líderes dessas comunidades criaram estratégias para tentar conter o avanço da COVID-19. As lideranças fazem o mapeamento das famílias vulneráveis, repassam as dicas de higienização e têm buscado alimento para que as pessoas consigam atravessar o período de isolamento social sem passar fome. Foi criado também até uma forma de dar assistência afetiva e psicológica, a Rede de Afeto.


 
"As ações são importantes para  que as pessoas tenham condições de permanecer em casa. Elas precisam ter comida e condições higiênicas para se prevenir. Nossa ação visa dar amparo para essas famílias e contribuir com o seu bem-estar", afirma Francis Henrique, presidente da Central Única das Favelas (Cufa Minas).
 
Muitos moradores perderam a fonte de renda (foto: Tranquilo Boys Filmes/Divulgação)


De acordo com a pesquisa Mães da Favela, realizada pelo Data Favela em março, nove em cada 10 moradores mudaram a rotina devido ao coronavírus. A pesquisa informa que 76% das mães, cujos filhos deixaram de ir para a escola, dizem que os gastos em casa aumentaram, e 37% delas trabalham como autônomas. No Brasil, são 13 milhões de pessoas vivendo em favelas.

Também são repassadas orientações para os cuidados pessoais (foto: Tranquilo Boys Filmes/Divulgação)


Uma das ações em Minas é coordenada pela Cufa Minas. A meta é levar alimentos e artigos de higiene para cerca de 3 mil famílias em 150 favelas. A ação pretende ser realizada tendo como orientação manter o mínimo de contato e respeitar a quarentena.


Outro projeto é Solidariedade Salva Vidas, desenvolvido em parceria pelo A Rebeldia, Raízes, MST e Casa dos Jornalistas. O objetivo é arrecadar cestas básicas e produtos de limpeza e higiene para distribuir para 2 mil famílias. Parte dessa iniciativa inclui também 1 mil livros para compor as cestas básicas, doados pela Livraria Quixote%2bDO. A Xeque Mate, bebida que foi sensação no carnaval de BH, pretende distribuir álcool 70º GL e cestas básicas para o Aglomerado da Serra e Morro das Pedras.
 
Como as ações de solidariedade são realizadas por diferentes instituições, as lideranças estão unificando as listas das famílias beneficiadas. É o que ocorre no Aglomerado Santa Lúcia, onde foi estruturada uma rede para realizar a distribuição envolvendo líderes comunitários e a Escola Estadual Dona Augusta Gonçalves Nogueira.



"Estamos fazendo essa rede para que a distribuição fique justa, para que uma família ganhe duas cestas básicas num mês, enquanto a outra não ganha nada. A nossa ideia é equilibrar", afirma o presidente da Associação do Aglomerado Santa Lúcia, Dan Carvalho.


Ele integra a ação de pessoas e instituições para que as pessoas da comunidade possam ficar em casa. "A gente joga por terra o que eles estavam dizendo a pessoa morre da doença ou morre de fome. Todas essas lideranças têm responsabilidade suficiente para mostrar que aqui ninguém vai morrer de fome", afirmou.
 
O projeto Solidariedade salva vidas também entra no esforço de levar alimentos para as comunidades (foto: A Rebeldia/Divulgação)


Há 22 anos, toda a família de Jhutay Nogueira participa de projetos de solidariedade no Morro das Pedras. "Temos como missão transformar nossas dores em ação. Em situação de pandemia ou chuva, toda vez que acontece uma tragédia, quem sofre mais é a periferia. Para se ter uma ideia das últimas chuvas, até hoje, temos pessoas que não têm onde ficar. Não foi feito nada.

 

Ela afirma que sempre teve como objetivo que todos os moradores da comunidade tivessem o que alimentar. Ela lembra que como o estado não chegue as lideranças assumem as responsabilidades. Eles devem distribuir 200 cestas. Também contribuem com a distribuição de verdura e frutas, doadas por um sacolão. "É um trabalho de formiguinha. É muito pouco. A gente sabe que tem muita gente precisando", conclui.


 
Toda a família de Jhutay se junta a essa causa de levar solidariedade aos moradores do Morro das Pedras (foto: Arquivo pessoal)
 

Saiba como contribuir 

  • As pessoas podem contribuir com qualquer valor por transferência bancária, financiamento coletivo ou comprando um ingresso solidário do projeto da Cufa. Veja como fazer.
  • O dinheiro será transformado em vouchers em forma de QR code, distribuído por celular para os moradores cadastrados na Cufa Minas
  • Ele poderá ser trocado apenas por ítens da cesta básica, produtos de limpeza, gás e higiene pessoal em mercados cadastrados dentro das comunidades.
  • Contribua com as ações da Rede de Afeto.
  • Qualquer pessoa pode contribuir com a campanha Solidariedade salva vidas. Os depósitos devem ser feitos na conta da Associação ARebeldia e o valor arrecadado servirá para comprar os produtos a serem distribuídos: Associação Arebeldia Cultural/CNPJ: 10.956.372/0001-40/Banco Itaú - 341/Ag 0781/ Conta corrente 02665-3
  • O projeto Xeque Mate Solidário está com financiamento coletivo aberto.
  • No Morro das Pedras, as doações podem ir para Associação Projeto Romper na conta da Caixa/Agência 2187/Operação 003/Conta Corrente 6579-8/CNPJ 29.334.987/0001-62


Enfrentamento ao coronavírus
 

O infectologista Carlos Starling destaca a importância dessas ações para o efrentamento do novo coronavírus na cidade. “A projeção (do avanço do coronavírus) não é boa. Em qualquer comunidade, onde há deficiência de sistema sanitário, onde há concentração grande de pessoas, onde muitas pessoas vivem num mesmo ambiente, isso é muito preocupante”.

Ele lembra que a COVID-19 começou nas classes A e B, em pessoas que podiam viajar para o exterior a passeio ou a trabalho, mas quando o vírus invade o ambiente urbano, mais cedo ou mais tarde, atingirá as comunidades. O infectologista alerta para as diversas ondas de transmissão do vírus.
 

ENTREVISTA/Paulo Miranda,
projetista industrial e 
idealizador da Rede de Afeto

O que é a Rede Afeto?
A Rede de Afeto nasceu no dia 20 de março, quando fiz chamada na internet, convidando pessoas que, de alguma forma, quisessem ajudar outras pessoas. Somos 10 pessoas. A maioria de BH, mas tem gente  de Curitiba, Salvador e Mariana. Definimos como nossas ações: ensinar e oferecer escuta empática, criar grupos de estudos para que as pessoas ocupem a mente e o apadrinhamento, a gente conecta pessoa que quer doar com pessoa que precisa de doação. Afeto não é só um abraço quentinho. É ter responsabilidade nas relações nas quais estamos inseridos.


 
Qual a situação das comunidades em favelas em relação ao enfrentamento da COVID-19?
 A favela está se movimentando, as periferias e comunidades, para conseguirem criar formas para que uns ajudem aos outros. Líderes comunitários estão correndo atrás de doações, fazendo campanhas e, realmente, cuidando de quem precisa. É um atividade comum das favelas que as pessoas se mobilizem em prol de seus iguais.
 
Como as famílias estão sendo beneficiadas?
De várias formas.  As pessoas estão recebendo nosso conteúdo sobre escuta empática. É uma ação muito orgânica que atinge muita gente. No grupo de estudos, temos 20 pessoas e, no apadrinhamento, impacto de acordo doação que vamos receber. Começar a receber doações essa semana. Estamos fazendo campanha para o Morro do Papagaio.
 
Como as ações ajudam a salvar vidas?
 São ações que dão oportunidade de as pessoas manterem o contato entre si. Uma das coisas boas do confinamento é que as pessoas aprenderam a importância desse contato. As pessoas estão reconstruíndo laços. A solidão é preenchida. Mesmo que sozinha em casa, a pessoa consegue conversar com muita gente.