No lugar da serragem, as pedras nuas. Em vez de músicas sacras, o silêncio, mas, no coração do povo, a fé se manteve na ressurreição de Cristo. Por causa da pandemia de coronavírus, uma tradição centenária será quebrada nesta Páscoa em Ouro Preto, Região Central de Minas Gerais. Os tapetes artesanais que sempre cobriram as ruas do centro histórico para a passagem do santíssimo sacramento, os sermões e missas que usualmente lotam as igrejas saem de cena, levando os católicos ao recolhimento em casa, diante do isolamento social. As ladeiras do município histórico, patrimônio da humanidade, estavam vazias ontem, época, em geral, de turismo efervescente, e as barracas do artesanato local permaneceram fechadas.
Segundo o padre Marcelo Moreira Santiago, pároco da Igreja de Nossa Senhora do Pilar, uma das mais tradicionais da cidade, no domingo de Ramos, a celebração conquistou mais de 22 mil acessos em apenas um dos sites abertos ao público. O número equivale a quase um terço da população ouro-pretana – cerca de 70 mil habitantes – e é bastante representativo, considerando-se que cada aparelho conectado pode levar o ato religioso a várias pessoas.
Até sacramentos importantes, sobretudo na época da Páscoa, têm sido realizados a distância, na medida do possível. “Sobre a confissão, a Igreja orienta a fazer um exame de consciência, com arrependimento dos pecados, na confiança de que Deus perdoa os pecados mais leves. Oportunamente, a pessoa procura o sacramento da confissão. É uma forma da gente se penitenciar nesse tempo”, conta o padre.
Uma das saídas encontradas pelos sacerdotes é tentar fazer com que os fiéis se sintam realmente parte das celebrações, cumprindo o ritual em casa. “Fazemos um esforço de interação. No domingo de Ramos, pedimos ao nosso povo que arranjasse um ramo, que seria abençoado durante a cerimônia. Na sexta-feira da Paixão, pedimos que as pessoas enfeitassem um crucifixo e deixassem em destaque dentro de casa. Pedimos que criassem um cantinho da fé para a família, com símbolos religiosos que mais despertam a fé, uma espécie de altarzinho”, relata padre Marcelo.
O pároco afirma, ainda, que, em sua pesquisa, não encontrou registros históricos de que o momento de recolhimento dos fiéis tenha ocorrido em outra época da história de Ouro Preto, nem mesmo entre os anos de 1918 e 1920, quando a gripe espanhola infectou 500 milhões de pessoas – cerca de um quarto da população mundial.
Volta ao passado Ainda se valendo da história, Padre Marcelo relembra que a ausência dos fiéis nas igrejas não é novidade para os cristãos. “Nos primeiros 300 séculos da Igreja havia perseguição do Império Romano. Não existiam templos. Celebrações se davam em espaços comuns, no ambiente das casas. A experiência atual nos faz voltar ao início do Cristianismo e perceber como é importante a família como unidade eclesial missionária, como espaço de vivência comunitária da fé”, afirma.
Por mais difícil que seja a situação, com as pessoas reclusas e preocupadas diante da disseminação do vírus, o momento pode ser proveitoso em alguns aspectos. A aproximação, ainda que involuntária, pode render alento a corações e almas. “Este momento cria uma angustia, um vazio, mas também abre para as pessoas uma consciência de que precisamos nos renovar, abrir mais nossos corações para a graça de Deus. Tenho para mim que mais gente está rezando”.
Hospital de campanha e Santa Casa se preparam
Além da saúde espiritual, Ouro Preto se prepara para inaugurar amanhã um hospital de campanha, no prédio onde funcionava uma antiga fábrica de tecidos. Com investimento superior a R$1 milhão, o Centro Avançado de Combate ao Coronavírus terá 50 leitos para atender pacientes diagnosticados com a COVID-19. Durante a visita ao local, a reportagem do Estado de Minas ouviu o prefeito Júlio Pimenta (PMDB) que, conferia o acabamento das obras e informou que a instituição vai centralizar os casos que ocorrerem na cidade.
Ouro Preto ainda não registrou nenhum caso de infecção pelo coronavírus. O resultado do teste realizado em um homem de 61 anos que faleceu na Santa Casa na última quarta-feira, foi negativo. Outros três pacientes internados na unidade foram submetidos a exame e também apresentaram resultado negativo.
“Montamos os consultórios, a pediatria e os leitos, com oxigênio em todos eles e gerador para a área, caso falte energia. E um amplo estacionamento. Vamos centralizar todos os casos aqui”, destacou o prefeito. O hospital de campanha deve atender, prioritariamente, cidadãos de Ouro Preto. Mas, em caso de necessidade, poderá servir também a moradores dos municípios vizinhos. “Estamos em contato com os prefeitos de Itabirito, Mariana e Ouro Branco, à disposição para atender toda a região”, afirmou Júlio Pimenta.
Além do hospital de campanha, a Santa Casa de Misericórdia de Ouro Preto também está reforçando suas instalações para enfrentar a pandemia, segundo o neurologista Leonardo Brandão Barreto, diretor-técnico da unidade. “Temos 15 leitos de isolamento, para pacientes com suspeição de COVID-19. Há 10 leitos de terapia intensiva e estamos terminando a expansão para 20, que, num primeiro momento serão exclusivos para pacientes com a doença. Serão entregues até o dia 20 deste mês”.
A Santa Casa mantém em seu estoque medicamentos como a cloroquina, hidroxicloroquina e azitromicina. Segundo o diretor do hospital, os produtos foram adquiridos antes do início da pandemia, para serem utilizados no tratamento de outras doenças. A cloroquina e seu derivado vêm causando polêmica. Mesmo sem haver comprovação científica de sua eficácia no combate à COVID-19, o uso dos produtos é defendido com veemência pelo presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido).
Contudo, segundo o médico Leonardo Brandão, a aplicação dos compostos só será realizada depois de uma análise criteriosa da situação de cada paciente. “Não podemos seguir nossas normativas por achismo, e sim por evidência. Para proteger a instituição, para o profissional médico e sempre trazer benefício para o seu paciente. Se for preconizado pelas associações de especialidades, pelas nossas entidades de representação, como o Conselho Federal de Medicina (CFM) e Conselho Regional de Medicina (CRM), e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), qualquer tipo de terapêutica vai ser aplicada. A medicina é muito dinâmica. Cada caso é um caso e vai ser analisado de maneira pormenorizada”, disse. (HM)
Turismo sofre em Mariana
“Na Semana Santa, dava pra tirar uns R$10 mil. Desta vez, vendi R$100”. O relato é de Marco Antônio da Silva, de 49 anos, que há 25 atua no comércio de artesanato e semijoias em um pequeno estabelecimento próximo à Praça Tiradentes, no coração de Ouro Preto. O comerciante, assim como moradores e turistas que costumam – ou costumavam – ir com frequência à cidade histórica estão chocados com a falta de movimento nas ladeiras consideradas Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade pela Unesco desde 1980.
Com igrejas e museus fechados, comércio com restrições de funcionamento e aulas suspensas na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e no Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG), a cidade está praticamente vazia, de uma forma que nunca se viu. Na tradicional feira de produtos de pedra sabão, em frente à Igreja de São Francisco de Assis, apenas um vigia, em meio às esculturas cobertas por plástico para evitar os efeitos das intempéries.
Pai de cinco filhos, com idades entre 14 e 22 anos, Marco Antônio e a esposa são os únicos da casa que trabalham, ambos na loja, fechada desde o mês passado. “Estou esperando para ver o que o governo vai fazer sobre os alugueis. O meu está em dia, mas daqui a pouco vai começar a ‘pegar’”, conta o comerciante.
A queda de rendimento e as despesas, sobretudo com aluguel e funcionários se tornaram um pesadelo para os empresários ouro-pretanos. No centro histórico, os famosos imóveis em estilo barroco costumam ter preços de locação bastante salgados. Washington Luiz, proprietário de uma loja de produtos de artesanato na Rua Cláudio Manoel, conhecida como Rua do Ouvidor, desembolsa mensalmente R$ 7.500 pelo aluguel do ponto.
Além dos comerciantes, a pandemia impacta ainda mais trabalhadores autônomos das cidades turísticas do interior de Minas. Em Mariana, local de destino de viajantes durante a Semana Santa, também há restrição para circulação de pessoas. Entre os poucos que transitavam pelas ruas, o guia turístico Paulo Gomes da Silva, 46 anos, contou o drama de ver sua renda principal desaparecer de uma hora para outra.
“Não tem nenhum turista. Nada. Aqui na Praça Gomes Freire costuma ficar lotado de gente. Agora não se vê ninguém. Felizmente, eu tenho um trabalho de meio horário como vigia em uma quadra da prefeitura. Mas lá ganho só meio salário”. Em contraponto à pouca movimentação nas ruas de Mariana, um local com aglomeração de pessoas chamou a atenção. A véspera da Páscoa fez com que consumidores formassem uma fila no quarteirão da loja de chocolates Cacau Show.
Em contraponto à pouca movimentação nas ruas de Mariana, um local com aglomeração de pessoas chamou a atenção. A véspera da Páscoa fez com que consumidores formassem uma fila no quarteirão da loja de chocolates Cacau Show. Apesar de respeitarem uma certa distância uns dos outros, a quantidade de pessoas – cerca de 30, entre clientes e acompanhantes – em frente à pequena loja chamava a atenção.
A auxiliar administrativa Tainara Rodrigues, de 20 anos, foi ao local acompanhada da mãe e do irmão. Questionada sobre o risco de ir às ruas em meio à pandemia da Covid-19, sobretudo em um grupo de pessoas da mesma família, Tainara deu a entender que a vontade de degustar chocolates na Páscoa foi maior do que o receio de contrair a doença. “Tenho medo... Mas estou aqui”, confessou.
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Quais os sintomas do coronavírus?
Confira os principais sintomas das pessoas infectadas pela COVID-19:
- Febre
- Tosse
- Falta de ar e dificuldade para respirar
- Problemas gástricos
- Diarreia
Em casos graves, as vítimas apresentam:
- Pneumonia
- Síndrome respiratória aguda severa
- Insuficiência renal
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