Jornal Estado de Minas

Pandemia

Coronavírus: Poder público tenta proteger população em situação de rua

Local abrigaria 350 pessoas (foto: Divulgação/ Fundação Clóvis Salgado)

Durante a pandemia de coronavírus, o Brasil, mais uma vez, se divide em dois grupos: os que são favoráveis ao isolamento social e os que decidem não adotá-lo, apontando os efeitos cascata que ele poderia ocasionar. No entanto, diante dessa polarização, há ao menos 4,6 mil pessoas em Belo Horizonte que não podem sequer entrar nessa discussão. Essas pessoas fazem parte da população em situação de rua, uma das mais suscetíveis ao contágio, já que não têm acesso a cuidados básicos de higiene. Diante disso, a prefeitura vem adotando medidas para tentar amenizar os impactos da COVID-19 nessa camada.  

Desde a segunda semana de abril, moradores de rua da capital mineira que apresentem sintomas da COVID-19 são encaminhados para a unidade Venda Nova do Sesc, onde podem se manter isolados. Ao todo, são 260 chalés disponibilizados para um total de 300 pessoas por dia. 



De acordo com a administração pública, ao apresentar sintomas, as pessoas em situação de rua são encaminhadas pelos serviços socioassistenciais (abrigos, albergues, Serviço de Abordagem Social, que atua nas ruas) à Unidade Básica de Saúde ou à Unidade de Pronto Atendimento mais próxima.

Lá, a equipe de saúde faz o primeiro atendimento e, se concluir que o isolamento é necessário, encaminha o paciente, via transporte de saúde, para o acolhimento no Sesc. Atualmente, há nove pessoas no estabelecimento - segundo a PBH, todas estão com suspeita de COVID-19 e com sintomas leves.

“Com relação à população em situação de rua, já iniciamos três novos serviços: o primeiro é o Sesc Venda Nova. Estamos fazendo o acolhimento de pessoas que têm a suspeita de COVID-19 e, como qualquer outra nessa situação, precisam estar em isolamento domiciliar. No caso da população em situação de rua, nós tomamos a opção de não fazer o isolamento em abrigos que já existam na capital, até como medida para evitar a contaminação de outras pessoas. Então, esse espaço do Sesc Venda Nova é um espaço exclusivo para acolhimento de pessoas que tenham os sintomas”, explicou a secretária municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania, Maíra Colares, em coletiva na última quinta-feira (9).



De acordo com a secretária, a prefeitura investiu cerca de R$ 3 milhões nesse projeto. 

Comida 

No final de março, quando a pandemia já assustava os brasileiros, o Estado de Minas foi às ruas de BH para conversar com as pessoas que têm as ruas como lar. Em uma das conversas, a Lúcia Luciamar, de 48 anos, se irritou ao falar do fornecimento de comida. Isso porque, desde quando a pandemia tomou os noticiários brasileiros, os voluntários que normalmente serviam comida desapareceram

“Tem uma semana que estamos tendo que nos virar, o pessoal está morrendo é de fome. Às vezes conseguimos um pacote de biscoito e é isso que comemos o dia todo”, disse a senhora.

Cerca de uma semana depois, a prefeitura anunciou que disponibilizaria marmitex para a população em situação de rua nos finais de semana. A prática já era adotada de segunda a sexta-feira.

Abrigo Em meio à pandemia, a prefeitura também está direcionando idosos em situação de rua para o Albergue Tia Branca, no Bairro Floresta. O estabelecimento atenderá os idosos que não têm sintomas de gripe; ao todo, são 100 vagas no local. Lá, conforme a prefeitura, os usuários terão acesso a quartos, alimentação, banheiros, roupas de cama e banho, produtos de higiene e cuidados pessoais.



“Nós, em parceria com a Secretaria de Saúde, destinamos R$ 10 milhões para o atendimento de idosos e também acabamos de fazer a oferta de R$ 3 milhões para as instituições de longa permanência do idoso, que são os antigos asilos. São R$ 3 mil por idoso, para que possam comprar tanto material de higiene quanto de segurança (equipamento de proteção individual) para seus trabalhadores”, detalhou a secretária também na última quinta-feira.

Paralelamente, a administração municipal também conta com uma unidade de acolhimento para mulheres em situação de rua, com cerca de 50 vagas. Além disso, há as já usadas unidades de acolhimento da prefeitura.

Todas essas medidas só vieram após uma recomendação das defensorias públicas de Minas Gerais e União e dos ministérios públicos do Trabalho e Federal, dividindo 20 pontos para serem adotados.



Insuficiente

Apesar de a prefeitura considerar que Belo Horizonte tem 4,6 mil pessoas em situação de rua, a Pastoral Nacional de Rua, grupo ligado à Arquidiocese, contabiliza que as ruas de BH abrigam cerca de 9 mil pessoas. 

Irmã Cristina Bove, uma das coordenadoras do movimento e que já luta pelos direitos das pessoas em situação de rua há 30 anos, acha que a prefeitura está no caminho certo, mas ressalta que ainda há muito a ser feito.

“Nossa preocupação é que há muitos moradores de rua em BH. A gente avalia que há cerca de 9 mil pessoas e só 2 mil estão no abrigo, mas as outros sete mil não estão. Se o prefeito Alexandre Kalil está tão convicto de que as pessoas têm que ficar em casa, temos que encontrar abrigo para essas pessoas”, alerta.



A Irmã ainda defende que a prefeitura alugue hotéis e pousadas para abrigar essa população. “Tem vários locais disponíveis que a gente tem que batalhar para colocá los, estamos fazendo articulações políticas. Está chegando o frio e essa é a nossa preocupação”, comenta.

Serraria Souza Pinto 

O Governo de Minas e a Prefeitura de Belo Horizonte vêm conversando sobre disponibilizar o espaço localizado na Região Central da Capital para abrigar as pessoas em situação de rua. No entanto, o projeto ainda está em fase inicial e parece não ter a total adesão do município. 



De acordo com o subsecretário estadual de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos,Thiago Augusto Campos Horta, o local abrigaria 350 pessoas. Contudo, Horta ressalta que o que emperra o projeto é o fato de que o espaço é um galpão e transformá-lo em um abrigo com as restrições de isolamento exigiria mais investimentos. 



“O negócio é transformar um galpão e colocar cama e propor higiene e refeição. Isso é uma capacidade de investimento que exigiria da municipalidade. Também não adianta montar isso e demorar dois meses para ficar pronto. Temos que olhar também as estruturas hidráulicas, não podemos abrigar 100 pessoas e disponibilizar pouco banheiro. Essas equações todas estão na mesa”, explicou.

Procurada, a Prefeitura de Belo Horizonte não comentou sobre o novo espaço e reforçou a importância do programa desenvolvido no Sesc Venda Nova. (Com colaboração do repórter Luiz Ribeiro)

*Estagiário sob supervisão da editora Liliane Corrêa