Jornal Estado de Minas

Coronavírus: o drama vivido por mais de 5 mil brasileiros que tentam voltar para o país

André, Júlia e a Chevrolet 1951 estão no Chile (foto: Arquivo pessoal)
 

Quem estava fora do Brasil quando estourou a pandemia do coronavírus no mundo, independentemente do motivo, pode estar passando por maus momentos. Cerca de 18 mil brasileiros estavam nesta situação nos meses de março e abril. Em alguns casos, retornaram ao Brasil em voos comerciais. Em outros, como na África do Sul, foram resgatados em dois voos, um da Latam e outro da SAA (South Africa Airways), fretado pela embaixada brasileira em Pretória.



 

No total, segundo o Itamaraty, 12.700 brasileiros foram resgatados e trazidos de volta até o momento. Restam 5.500, que estão espalhados em 80 países. Estima-se que a maioria, cerca de 1.200, em Portugal. E alguns desses brasileiros que estão fora do país vivem dificuldades. Uns correm risco de perder o emprego, outros não têm recursos para se manter, outros doentes, precisando de remédios. Enfim, as dificuldades são muitas. Veja abaixo alguns exemplos:

 

 

Argentina

Os irmãos mineiros Isac dos Santos Lopes, de 27 anos, e Isaura dos Santos Lopes de 20, que deixaram o Brasil e foram para Córdoba, na Argentina, para estudar espanhol na Cepe Idiomas, começam a ter esperança de conseguir retornar ao Brasil.


“No início, o consulado brasileiro nos disse que teríamos de pagar uma passagem de ônibus daqui até Uruguaiana, no Uruguai, e que de lá estaríamos por nossa conta. Mas como chegar à nossa casa, em Coluna (Vale do Rio Doce), se não temos dinheiro e nossa família é pobre?. Mas agora, com ajuda da diretora da escola, que é uma brasileira, Fátima Maria Vieira, que intercedeu por nós junto ao consulado, vamos ter um transporte até Uruguaiana e, de lá, o governo brasileiro vai nos ajudar a voltar para Minas. Disseram, em princípio, que a viagem será no domingo, mas que a data pode mudar”, conta Isac.

Chile

O casal mineiro André de Rezende Jardim, de 42 anos, e Júlia Cristina Magalhães Prates, de 36, resolveu, há dois anos, realizar o sonho de suas vidas: percorrer a América de carro. Venderam tudo, compraram um Chevrolet 1951 e o adaptaram com um dormitório e cozinha. Partiram primeiro percorrendo o Brasil, em maio de 2018.



 

Em outubro do ano passado, saíram de BH, foram para a Argentina e, em seguida, para o Chile, quando foram surpreendidos com a crise do coronavírus. O plano de seguir até o Alasca foi logo abortado.

 

Tawler Andrade foi passar férias na Venezuela e está em Caracas sem conseguir voltar para Ponte Nova (foto: Arquivo pessoal)
 

 

Desde então, tentam retornar ao Brasil, mas esbarram em problemas diplomáticos. O caminho mais perto, voltando à Argentina e seguindo para o Rio Grande do Sul, que daria uma viagem de 1.700 quilômetros, está fechado, pois a Argentina não permite que brasileiros circulem em seu território.

 

Pela Bolívia, seriam 3.600 quilômetros. Mas o problema é o mesmo. Para fazer a viagem, André e Júlia precisariam de um salvo conduto, o que não conseguiram nem dos argentinos e nem dos bolivianos. E, segundo eles, o governo brasileiro também não tem ajudado.


O problema maior, segundo André, é o carro. “Podemos pegar um avião aqui e retornar ao Brasil, assim que houver um voo para o Brasil. Mas teríamos de deixar o carro, nosso único bem. Vendemos tudo que tínhamos para comprar o carro e fazer essa viagem. E para deixar o carro, precisaríamos renovar a licença, que é de três meses, e assim que a pandemia passar, voltar e resgatá-lo.”




Mas nesta quarta-feira (15), surgiu uma luz no fim do túnel, segundo André. “Pensávamos que a renovação da licença para o carro seria de mais três meses e teríamos que esperar que a atual vencesse. Mas estive na Polícia Federal Chilena e eles disseram que é possível renovar por seis meses, ou seja, até outubro. Aí, retornaríamos de avião e depois voltaríamos para buscar o carro. Teremos de pagar o aluguel de uma garagem.”


André e Júlia ainda não decidiram. “Vamos pensar. A outra opção é permanecer aqui até o final de maio, quando vence a atual licença, e torcer para que a quarentena acabe. Assim, poderíamos voltar”, diz ele.

Venezuela

Uma das situações mais intrigantes é a de Tawler Andrade dos Santos, de 31 anos, que é de Ponte Nova (Zona da Mata). Ele foi à Venezuela para conhecer e visitar amigos, mas foi pego de surpresa com o fechamento do espaço aéreo e, basicamente, terrestre, pois Caracas é uma cidade, hoje, sem combustível. “Não consigo comprar gasolina aqui.”



Eduardo e Simone estão na Namíbia (foto: Arquivo pessoal)

As férias de Tawler terminaram no início do mês, mas conseguiu uma prorrogação na Distribuidora Bartofil até o dia 13. Ontem, ele voltou a trabalhar, on line, o que custa caro.
“Consegui alugar o computador de um vizinho, ao lado do apartamento que estou. Mas estou pagando US$ 10 por semana. Hoje, trabalhei daqui. Estão entendendo minha situação lá no Brasil”, diz ele, que se mostra sem esperança.


“Haviam dito que haveria um voo da aeronáutica, do Brasil, para buscar os funcionários da embaixada. Mas não falam mais nisso. Existe a informação que haverá um voo para Montevidéu, no Uruguai, mas as informações são desencontradas. Se houver mesmo esse voo, quero estar nele. Mas, por enquanto, não existe nenhuma possibilidade clara. Quero ir embora, preciso voltar para Ponte Nova. O governo, aqui, anunciou a prorrogação da quarentena até 15 de maio.”

 

Namíbia

O casal paulista Eduardo Pereira de Almeida, de 55 anos, engenheiro, e Simone Faleiros de Melo, de 44, advogada, viajou de férias para a Namíbia. O objetivo, conhecer os parques naturais de lá e depois em Botsuana. Quando estavam na primeira parte da viagem, no Etosha National Park, foram surpreendidos pela quarentena e aconselhados a voltar para a capital daquele país, Windhoek.


Lá chegando, tiveram de alugar um apartamento e comprar comida. Mas começou, aí, um sofrimento para tentar voltar pra casa, pois dependem de um voo da Namíbia para Johanesburgo, na África do Sul. Daí, então, vir para o Brasil.

 

 

 

Mas os dois países estão com seus espaços aéreos fechados. "Não temos como sair daqui. Vai haver um voo de resgate em Moçambique, planejado pelo governo brasileiro, para sair de Moçambique e passar em Angola, Maputo-Luanda-São Paulo. Estamos tentando que nos peguem aqui. Foi esse o pedido que fizemos ao nosso embaixador, José Augusto Silveira de Andrade Filho, com quem conversei por telefone. Mas ainda não obtivemos resposta”, conta Eduardo, que é hipertenso e depende de remédio.


Segundo ele, o medicamento que dispõe dará até 4 de maio, mas depois disso terá de fazer uma consulta. “Terei de ir a uma clínica aqui e pagar para obter a receita e comprar o remédio.” O governo da Namíbia estendeu a quarentena, que acabaria no próximo final de semana, até 4 de maio.



Portugal

Kátia Mundim, de 58 anos, aposentada, está em Lisboa com a neta Giovanna, de 12. Elas seguiam para Paris e fizeram uma escala na capital portuguesa, mas não puderam seguir viagem por não serem residentes na França. Elas estavam indo ao encontro de duas filhas de Kátia, Juliana, a mãe de Giovanna, e Marcella, que é casada com um português e reside na capital francesa.


Isso aconteceu há um mês e, desde então, avó e neta vivem pagando aluguel de um quarto numa casa de portugueses. Kátia toma remédios controlados, que estão por acabar. Na terça-feira, recebeu a notícia de que haverá uma repatriação, só que o voo para o Brasil ainda não tem data. A previsão é de 19 de abril a 2 de maio.

 

As irmãs Marcella e Juliana Mundim estão desesperadas. Filhas de Kátia, tentam ajudar a mãe. “Precisamos pagar a hospedagem da nossa mãe lá em Lisboa, mas não dispomos de recursos. O dinheiro que tinha, paguei o aluguel de onde ela está agora”, diz Marcella.




A situação se complicou ainda mais, pois Juliana, que trabalhava num restaurante, foi demitida. Segundo Marcella, a única saída para retornar ao Brasil, e está tentando junto à embaixada brasileira, é conseguir vaga num voo de resgate, que partirá de Paris para São Paulo, mas ainda sem data definida.

França

Brasileiros estão passando até fome nos arredores de Paris. Segundo Jucilene Barbosa Lucas, de 37 anos, que vive na França e é coordenadora do grupo Ami Du Brésil, mais de 800 pessoas foram cadastradas para serem ajudadas.


“Tem gente aqui passando fome. Tem gente doente, precisando de remédios. Estamos ajudando, distribuindo comida, que nos é doada por franceses. Quem mais poderia ajudar, os restaurantes de brasileiros, fecharam. Conseguimos, essa semana, conversar com a embaixada brasileira e esperamos que possamos conseguir a repatriação de todos”, diz Jucilene, que conta que seus dias começam cedo, ainda de madrugada, e termina tarde da noite, pois tem de percorrer grandes distâncias para levar ajuda aos necessitados.