O jornalismo é uma profissão, essencialmente, colaborativa. Ele existe a partir do outro. A produção de um jornal diário, seja impresso ou digital, demanda trabalho em equipe para que toda uma engrenagem, que envolve centenas de profissionais, funcione em sintonia para que a informação de qualidade e credibilidade chegue ao leitor de forma clara e atraente. Nos bastidores da redação do Estado de Minas e Portal UAI, editores, subeditores, infografistas, diagramadores, revisor e auxiliares de produção da fotografia são responsáveis por fases de um trabalho que, no fim, têm como única razão a entrega de um produto maior, que é a notícia, na sua melhor embalagem.
Em tempos de pandemia do novo coronavírus, os processos de produção foram alterados e os profissionais têm de lidar com desafios e ajustes para que a o compromisso com a informação continue intacto. Como bem descreve Álvaro Duarte, editor de artes e esportes, com 30 anos de empresa, “o papel da imprensa é fundamental, as pessoas precisam de informação de qualidade, já que ela pode salvar uma vida. Nossos acessos no digital e a venda do jornal impresso aumentaram, o que confirma a busca por veículos sérios. É o resgate do jornalismo, tão atacado nos últimos tempos. Vejo que a população está percebendo a necessidade e a importância dele para a sociedade”.
Um dos poucos profissionais presentes na redação do EM, Álvaro conta que a cobertura atual impôs ajustes: “Pelo ineditismo da produção, flutuo por várias áreas. Não há mais editoria fixa. Quando necessário, nos deslocamos para a função que demanda atenção no momento. Cuido da arte, edito material do impresso, coordeno o site e assim tem funcionado. Como tenho ido à redação, o maior estranhamento, claro, é lidar com o ambiente quase vazio”.
Para Álvaro, diante do volume de informação e dados gerados a todo instante sobre a COVID-19, o grande desafio é lidar com “o estresse da comunicação via aplicativos de mensagem. É uma loucura. O dia todo precisamos administrar vários grupos com demandas diferentes. Temos de ficar atentos, não deixar nada passar. Enfim, a atenção tem de ser redobrada, o tempo todo. E ainda tem os e-mails. É desgastante. Às vezes, converso com três, quatro pessoas ao mesmo tempo. Mas é o que a situação exige”.
Sentimentos vivos
Há 30 anos no jornal, a subeditora de economia, Marta Vieira, acredita que “manter a agilidade que a notícia exige e alinhavar, no fechamento do jornal, a informação correta sem deixar escapar as marcas no texto dos olhares atentos e privilegiados do repórter e do fotógrafo têm sido os maiores desafios dos subeditores neste tempo de isolamento social”.
Para Marta, o trabalho remoto, por mais que a tecnologia permita reproduzir a redação, cada um num ambiente diferente, requer tempo maior. “Não estamos mais cara a cara, discutindo e avaliando, às vezes em questão de minutos, o produto que vai chegar ao leitor. Continuamos fazendo isso à distância, mas tentando nos aproximar ainda mais por meio da tecnologia e com garra para não perdermos a capacidade de sentir indignação, emoção e de relatar os fatos com a diferença que esses sentimentos fazem. É algo que nos impõe lidar com as dificuldades do isolamento – num dia tristes, noutro esperançosos, como qualquer pessoa – e de não poder ver e ouvir, como antes, a expressão e o tom de voz reais das fontes. É pensar que o jornalismo tem, ainda, importância vital para a população.”
Para a subeditora e colunista de esportes Kelen Cristina, o distanciamento social trouxe aos jornalistas duas implicações. “Uma é a pessoal, que está atingindo a todos de alguma forma, obrigando ao afastamento familiar, à privação de circulação e encontros. O outro, mais particular, é o profissional, pela natureza da nossa atividade. O jornalismo tem a comunicação como premissa, e praticamente todas as etapas do nosso trabalho exigem uma interação com pessoas das mais diversas funções. Desde a entrevista à finalização das matérias, há uma engrenagem que é coletiva. Até a notícia ir ao ar no site, ou até o leitor ter em mãos o jornal, há uma cadeia que precisa funcionar muito bem, e muito desse funcionamento era obtido presencialmente. A situação exigiu uma adaptação rápida e difícil a uma nova realidade, e um esforço grande para que não houvesse queda na qualidade do produto nessa transição.”
Manter a agilidade que a notícia exige alinhavar, no fechamento do jornal, a informação correta sem deixar escapar as marcas no texto dos olhares atentos e privilegiados do repórter e do fotógrafo têm sido os maiores desafios”
Marta Vieira, subeditora, há 30 anos no Estado de Minas
Há 20 anos no jornal, Kelen destaca que jornalismo é, por essência, vital, porém, ainda mais em momentos como o que o mundo atravessa. “O volume de trabalho triplicou, pela dimensão da pandemia, e o perfil do noticiário mudou, muitas vezes centrado em histórias tristes, que não gostaríamos de noticiar, mas que são fatos. Nesse cenário, nós, jornalistas, acabamos ficando numa roda viva emocional também, imersos 24 horas por dia no que está acontecendo por aqui e no mundo, por mais mentalmente pesado e estressante que isso por vezes seja. Mas é nossa obrigação profissional, com o leitor e com a carreira que abraçamos.”
Ansiedade
O ilustrador e infografista Paulinho Miranda, com 37 anos de empresa, está em home office há três semanas e o isolamento social, confessa, é angustiante: “O quarto da minha filha virou escritório. Tenho estipulado um horário e cumprido com rigor. Como só lido com uma chefia, tudo está tranquilo. O trabalho aumentou, mas pela demanda centralizada, a organização melhorou e o serviço flui. A tecnologia é uma maravilha e me permite de casa acessar minha máquina na redação, está tudo indo bem. O lado negativo é que sou agregador, sinto falta dos meus amigos, da rotina de chegar e cumprimentar, conversar um pouco com cada um”.A comunicação com vários setores ao mesmo tempo é outro desafio, já que editor, repórter, diagramação, fotografia, arte e revisão trabalham em conjunto (...) Estamos todos conectados, durante todo o tempo de fechamento”
Heliane Souza, diagramadora, 35 anos de profissão
Em casa, Paulinho conta que tudo também se encaixou: “Minha mulher, a Ju (Jussimara) é agente de saúde comunitária e, como estava trabalhando até esta semana – agora entrou em férias coletivas –, é quem assumia as demandas da rua. Eu fiquei com a responsabilidade de administrar a casa, refeições, limpeza, junto com minhas filhas, Isabella e Beatriz. Então, estar com a família é positivo, organizamos os horários, dividimos as funções, todos participam. Como moro em casa, tenho a sorte de ter um quintal, onde posso tomar sol, cuidar dos cachorros, catar folhas, o que alivia o estresse da quarentena, mesmo tendo de encarar a ansiedade para isso acabar logo.”
Comprometimento
A diagramadora Heliane Souza destaca que o desafio do home office é que “trabalhamos com mais de um programa, o sistema é mais carregado e, às vezes, se torna lento. A comunicação com vários setores ao mesmo tempo é outro desafio, já que editor, repórter, diagramação, fotografia, arte e revisão trabalham em conjunto. Nunca imaginei que seria possível essa adaptação de home office na diagramação, pois o envolvimento direto com toda redação é essencial. Mas, para minha surpresa, está funcionando com certa tranquilidade. A conexão física diária passou a ser via WhatsApp. Estamos todos conectados, durante todo o tempo de fechamento dos cadernos. O comprometimento com o trabalho continua o mesmo. Requer um pouco mais de tempo nas horas trabalhadas devido à conexão mais lenta, mas a dedicação pelas páginas continua da mesma forma.”O convívio com os colegas é a falta da maioria. Heliane destaca que “sinto falta da redação, são 35 anos de empresa e colegas de muito tempo, mas sinto que em casa estamos mais protegidos. E o trabalho em casa, mesmo no isolamento, preenche o tempo e ocupa a mente. Minhas filhas, sem as aulas na faculdade, me ajudam em tarefas como compras on-line e preparo das refeições. Estamos mais próximas, o que ajuda nessa rotina de quarentena.”
Para o também diagramador Roberto Fialho, há 25 anos no jornal, “o trabalho remoto tem seus benefícios. Embora os amplos impactos do trabalho remoto ainda não tenham sido medidos em todos os setores por longos períodos de tempo, estudos iniciais descobriram que ele pode aumentar a produtividade e diminuir a rotatividade de funcionários. A cobertura está sendo pautada pela responsabilidade. Temos que destacar a importância de informações verdadeiras e de qualidade”.
Outro setor que também teve que se adaptar foi o de tratamento e cadastramento de imagens, ambos auxiliares da fotografia. Operadores de produção e bibliotecários estão todos em home office. Segundo Evandro Cruz, coordenador da área que recebe todas as imagens que são publicadas no jornal impresso para tratamento e disponibilização para a diagramação, o setor conseguiu se adaptar bem ao trabalho remoto. “Temos conseguido manter a agilidade na entrega das imagens. Durante o período de trabalho, agora temos que ficar ligados no WhatsApp e no e-mail, mas conseguimos uma boa rotina com editores e diagramadores. E o fato de não estarmos na redação não influenciou na qualidade do tratamento das imagens. Continuamos com o mesmo padrão de sempre.”