Novas orientações do Conselho Nacional de Educação (CNE) prometem minimizar os impactos do novo coronavírus nas salas de aula brasileiras, apontar os rumos do ano letivo e desenhar o cenário de reabertura das escolas. A possibilidade de flexibilização das 800 horas mínimas determinadas por lei como carga horária, pelo menos para o ensino infantil, é um dos pontos fortes do parecer, que deve ser deliberado hoje. Outra pista são estratégias para enxugar o conteúdo ao essencial, evitando estender a reposição de aulas para além de janeiro. Exigência de avaliação diagnóstica das competências básicas de português e matemática também estão no radar.
Em Minas, as redes de ensino já projetam seus calendários deste ano para 2021. A particular definiu datas, a estadual acena com aulas remotas a partir do mês que vem e a municipal de Belo Horizonte aposta no rearranjo para cumprir integralmente o programa pedagógico depois da retomada dos trabalhos. De acordo com o CNE, pelo menos dois fatores são certos: as ferramentas tradicionais estarão fora das salas de aulas em 2020 e não será possível trabalhar com todos os objetivos fixados antes da pandemia.
Nas contas do CNE, as escolas ficarão, pelo menos, 75 dias fechadas e mesmo usando sábados e feriados, é impossível não cruzar a linha de 2021. A rede particular mineira vai antecipar férias de janeiro e, assim como a estadual, prevê apenas o recesso de Natal e revéillon em dezembro, sem direito à semana da criança em outubro. Assim, a chave do momento é: como fazer a escola chegar até o estudante neste período? A única forma é desenvolver atividades não presenciais, responde o conselheiro do CNE Eduardo Deschamps, ex-presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed). “Se pensar em fazer reposição de aula ou cumprir carga em modelos tradicionais não será possível, mesmo usando sábados, feriados, férias e aumentando carga. Não tem como fazer tudo dentro deste ano civil e pode comprometer o ano que vem”, avisa.
Por isso a aposta numa retomada mais flexível e evitando ao máximo que as aulas batam na porta do mês de fevereiro. Se em tese não é possível pensar em carga horária inferior a 800 horas, vale lembrar que o Ministério da Educação já flexibilizou outra face da legislação, ao permitir às escolas, dado o caráter emergencial, cumprir as horas em tempo inferior aos 200 dias letivos obrigatórios.
O CNE trabalha com três cenários. O primeiro é uma mudança legal que indique a redução ou não obrigatoriedade das 800 horas. Sem a alteração, serão necessárias alternativas, como a carga do ensino remoto e o contraturno. Os conselheiros apostam numa orientação sem muitas limitações, em que o mais importante não é cumprir carga horária, mas garantir a aprendizagem essencial, lembra Deschamps. Para ele, o mais acertado é apostar em atividades a distância agora, mesmo sem abarcar a totalidade dos alunos, para garantir o vínculo com as instituições.
Embora sem estatísticas, a rede particular de Minas acredita que muitos de seus estabelecimentos pegaram o caminho da educação remota, por atividades on-line ou impressas distribuídas pelas escolas. A rede estadual lançou um programa ousado, para atingir seus 1,7 milhão de alunos, previsto para começar mês que vem, mas ficou de mãos atadas depois que o Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG) obteve na Justiça liminar proibindo atividades não presenciais.
A batalha pelo ensino a distância tem alguns fundamentos, na opinião do CNE. Um deles é que um longo tempo de inatividade faz a aprendizagem retroceder, segundo pesquisas. Outro é o agravamento das evasões nos ensinos médio e superior. “Atividades não presenciais permitem minimizar, mas não é educação a distância”, diz Eduardo Deschamps.
Clara, de 5, aluna do 2º período, não fica para trás. “A escola passou a disponibilizar atividades que buscamos lá. Mas, antes, eu mesma peguei várias na internet e falava que a professora tinha mandado”, relata.
Com viagens suspensas e férias programadas para dezembro, mas sem grandes expectativas, Cynthia imagina um segundo semestre carregado: “Espero que os professores do fundamental sejam flexíveis, para as crianças não ficarem esgotadas. Nessa idade, ir para a escola é um prazer, não gostaria que isso se perdesse.”
"A educação a distância tem sido justificativa para contar horas e descontar no retorno. Vejo essa situação como preocupante, porque não pode forçar uma situação sem entender o lado do outro"
Ângela Dalben, secretária municipal de Educação
Atuação diversa e cronograma ajustado
Consciente de que as estratégias não chegarão a todos, a Secretaria de Estado de Educação (SEE) aposta em metodologias diversas para alcançar o máximo de estudantes. Para criar o maior programa de ensino remoto de Minas Gerais, está se apoiando na TV estatal Rede Minas para levar aulas diariamente a 1 milhão de estudantes – estão previstas cinco horas por dia de aula, de segunda a sexta-feira, sendo que os quatro primeiros dias abordarão todas as áreas do conhecimento e o quinto será dedicado à preparação para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Outra expectativa é a de ter acatado o recurso contra a liminar do Sind-UTE.
A SEE já antecipou o recesso de julho e, atualmente, os alunos estão parados. A secretaria é favorável à retomada o mais rápido possível, com cuidado epidemiológico e sanitário, para evitar grande sobreposição de horas, “afetando muito mais diretamente a vida de professores e alunos”, afirma a secretária de Estado de Educação, Júlia Sant’Anna.
Outra arma são os 38 planos tutorados, em parceria com a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), para o ensino fundamental, que poderão incluir a preparação para o Enem e que entrarão na subtração da carga horária. “O aluno vai receber um caderno com orientação sobre o que estudar e atividades de cada componente curricular, sendo esse componente proporcional à quantidade de horas ofertadas na matriz curricular mensal”, diz Júlia Sant’Anna. Um aplicativo com navegação paga pelo estado é a terceira ferramenta para garantir o acesso dos alunos, assim que o imbróglio judicial for resolvido.
Em BH, a Secretaria Municipal de Educação optou por não antecipar férias para compensar os dias parados desde 18 de março, nem repassar orientações a distância a seus quase 202 mil alunos. “Nossa preocupação primeira foi acionar a rede de proteção à criança e ao adolescente na parte nutricional”, explica a secretária municipal de Educação, Ângela Dalben. O segundo passo foi incentivar as instituições a criar vínculos com os estudantes. “O que temos são trabalhos importantes de vídeos para interação com as famílias, que falam de afetividade e da importância de estimular a criança. No caso dos maiores, uma sugestão de leitura ou de um filme que passará na TV”, afirma.
“A educação a distância tem sido justificativa para contar horas e descontar no retorno. Vejo essa situação como preocupante, porque não pode forçar uma situação sem entender o lado do outro”, avisa. Se as aulas voltarem em junho, a secretária acredita ser possível garantir os objetivos de aprendizagem do currículo e, talvez, nem entrar janeiro adentro. Alternativas de atividades remotas também são pensadas. As duas semanas de recesso em julho serão adiadas, provavelmente para outubro.
No dia 7, o calendário foi definido, com antecipação de férias e feriados e foco especial na educação infantil. As escolas que atendem apenas a esse segmento estão em recesso, referente aos 15 dias de julho. De 7 a 21 do mês que vem, está prevista antecipação de 15 dias de janeiro. Para as que trabalham além da educação infantil, a sugestão foi antecipar feriados do segundo semestre, de 4 a 15 de maio. A partir do dia 18, será antecipado o recesso de julho. “Todas as escolas vão entrar de recesso. Para quem ainda não conseguiu se adaptar poder fazê-lo, pois não sabemos se volta em junho. E para as que já adotam medidas, continuaremos direto em julho”, afirma a presidente do Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais (Sinep-MG), Zuleica Reis.
Outra preocupação é com os pequenos. Impossibilitados de fazer aula remota, precisarão da mesma adaptação feita em fevereiro, início de novos ciclos. “Maternal é mais fácil de lidar em termos de reativar processo cognitivo e motor da criança, mas a alfabetização perde muito. Nem todo mundo tem condição e nem habilidade para ensinar. Quando voltar, precisaremos fazer uma pesquisa para ver o nível das crianças.”
Preocupação com a alfabetização
A avaliação diagnóstica deve ser um dos princípios do parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE), que valerá para todas as redes de ensino. As escolas deverão verificar as competências em leitura, escrita e raciocínio lógico matemático para, a partir daí, organizar seu planejamento. Outra orientação e uma das mais esperadas diz respeito à educação infantil, visto que a legislação permite redução da carga horária obrigatória nessa etapa.
Embora a educação infantil também deva respeitar 200 dias letivos e 800 horas mínimas de carga horária, a própria Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da educação estabelece 60% da carga horária obrigatória para os alunos de 4 e 5 anos, para quem a escola é um dever. “Isso pode ajudar as escolas de educação infantil na questão da reposição das horas”, avalia a conselheira do CNE, Maria Helena Guimarães de Castro. Mas, conforme o Estado de Minas apurou, esse ponto não é consenso entre os conselheiros e, por isso, ninguém ousa cravar como ele poderá ser tratado no parecer.
Para Maria Helena, a maior preocupação é a alfabetização: “Se perderem o vínculo, sem atividades sendo desenvolvidas, essas crianças terão de recomeçar do zero. A escola tem que se preparar para receber crianças do 1º e 2º ano do fundamental para não perder habilidades e competências qUE precisam para sua vida e seu futuro. A criança prejudicada na sua alfabetização tem problemas para sempre.”