Jornal Estado de Minas

SAGA DO CORONAVOUCHER

Vídeo: Fila do auxílio emergencial em Ribeirão das Neves tem colchão, cobertor e mais de 12h de espera

Maria Efigênia e Alaor Silva, de 73 e 72 anos, respectivamente. Idosos enfrentam maratona de mais de 12h para tentar receber o auxílio emergencial do filho, que tem deficiência intelectual (foto: Leandro Couri/EM D.A. Press)

Quase todo o Brasil cabe na simbólica fila de 140 pessoas formada às 5h30 desta terça-feira (28) na porta da agência da Caixa Econômica Federal do Centro Ribeirão das Neves, Região Metropolitana de Belo Horizonte.




A primeira a chegar foi Andreia Pimenta, de 39 anos. Munida de colchão e cobertor, a dona de casa diz que está no local desde 17h30 dessa segunda (27) para tentar resolver problemas no cadastro do auxílio emergencial - ajuda do governo concedida a informais e trabalhadores de baixa renda durante a pandemia de coronavírus. O marido, Deiber Hulik Pereira, de 28 anos, se juntou a ela pouco depois, às 21h. 

Com problemas renais crônicos, Andreia tem dimensão do risco que corre ao se expor à aglomeração em pleno surto global, mas afirma não ter escolha. “Eu tenho uma filha, estou desempregada e meu marido também. Então, a necessidade da gente pegar esses R$ 600 é enorme”, diz a moça. É a segunda vez que o casal vem à Caixa em busca do benefício. “Semana passada, chegamos aqui às 21h. Ficamos até as 9h da manhã (do dia seguinte). Saímos sem informação, sem nada. As senhas distribuídas no dia acabam rápido”, relata. 


Na multidão que começa na Rua Ari Teixeira da Costa e dobra a esquina da Rua Divino Messias dos Santos, onde segue por mais de 500 metros, há inúmeras histórias semelhantes. A da diarista M.M.,que não quis se identificar, envolve outro vírus além do causador da COVID-19. Diagnosticada com HIV,  a trabalhadora chegou ao banco às 5h40. Era uma das últimas da fila. Chegou a abordar equipe do Estado de Minas, pensando que os repórteres fossem funcionários da Caixa. Constrangida, explicou sua situação e pediu ajuda para escapar do tumulto. 



“O medicamento que eu tomo é muito forte, queria ver se dava para me atender antes do pessoal. Preciso receber o auxílio emergencial, mas não tenho como mexer no aplicativo. Meu celular foi roubado e eu não confio em ninguém para resolver isso por mim. Tem como fazer alguma coisa para me ajudar?”, perguntou, fazendo menção de retirar da bolsa exames e documentos que comprovam a sua condição, incluindo o boletim de ocorrência do roubo do smartphone. 



Frio e apreensão

Para matar o tédio da longa espera, um grupo de homens improvisava uma partida de truco sobre uma caixa de isopor. Aguardavam atrás de quase duas dezenas de pessoas, já na virada do quarteirão. Diziam ter chegado à agência por volta das 20h de ontem. Resignados, demonstravam bom humor. 'Quem quer entrar (no jogo)? Ajuda a espantar o frio', brincaram.

Larissa Moreira Franca, de 28 anos, não aparentava estar no mesmo clima. A autônoma temia ficar sem atendimento mais uma vez - ela esteve em outras duas ocasiões na porta da unidade da Caixa. A jovem chegou à fila às 23h40 de segunda. Ela conta que não consegue concluir o cadastro na ajuda emergencial do governo de forma remota, embora tenha feito várias tentativas, por isso recorre ao atendimento presencial do banco. "Da primeira vez, vim de manhã, não consegui. Depois, apareci de madrugada, também não deu certo. Daí, ontem, eu vim para dormir. Espero que eu consiga".


Mãe de dois filhos, a moça sobrevive da venda de doces e bolos. Com a crise do coronavírus, viu sua renda ser drasticamente reduzida. "A minha vida parou depois dessa pandemia. Eu preciso desses R$ 600 para inteirar meu aluguel e até mesmo fazer uma compra em casa. Recebemos uma cesta básica, mas as crianças não precisam só de arroz e feijão. Tenho que comprar uma fruta, um iogurte...", narra. 

Maria Efigênia Silva, de 73 anos, diz que tentou seguir à risca as orientaçoes da Organização Mundial de Saúde (OMS) aos idosos, de não sair de casa durante a pandemia. Nesta terça (23), foi obrigada a encarar a maratona de 12 horas na porta da Caixa ao lado do marido, Alair Silva, de 72. Sem intimidade com a tecnologia, o casal de aposentados veio à agência tentar receber o auxílio emergencial depositado para o filho, de 41 anos, que tem deficiência intelectual. Alair conta que tentou buscar informações sozinho em outros dias, sem sucesso. ''Tentei poupar minha esposa, mas ela tem que vir de qualquer jeito, porque ela é que responde por ele. A gente precisa transferir o dinheiro da conta do meu filho para a dela. Da primeira vez que vim aqui, cheguei de madrugada, mas as fichas (de atendimento) acabaram logo. Não resolvi nada. Dessa vez, chegamos às 20h de ontem. Vamos ver se conseguimos", relata o senhor. 

Outro lado

Estado de Minas procurou a Caixa Econômica Federal e a prefeitura de Ribeirão das Neves questionando sobre possíveis providências dessas instituições para mudar o cenário enfrentado pelos moradores da região que se expõem em longas filas para resolver questões relacionadas ao auxílio emergencial e serviços correlatos.



O banco ressaltou que tem empenhado esforços para otimizar o movimento em seus canais físicos e digitais. Entre eles, citou alocação de 2.800 novos vigilantes em todo o Brasil e o aumento o número de recepcionistas para reforçar a orientação ao público e manter os protocolos de preservação da saúde recomendados pelas autoridades sanitárias.  

Segundo a Caixa, todo o atendimento presencial da rede está mobilizado exclusivamente para os clientes que buscam os serviços essenciais - saque do FGTS, seguro desemprego, Bolsa Família, desbloqueio de senhas, entre outros programas -, além dos beneficiários do saque escalonado em espécie do auxílio emergencial.

A empresa alega, no entanto, que várias de suas unidades têm recebido grande volume de pessoas que não fazem parte desses públicos - o que não parece ser o caso da agência visitada esta manhã pela reportagem. 

Outro argumento da estatal é de que muitos cidadãos reivindicam os saques dos R$ 600 antes da data prevista no cronograma da operação de pagamento, configurado por data de nascimento. “Levantamento da Caixa aponta que apenas uma pessoa a cada cinco que buscaram presencialmente o banco nessa segunda-feira (27) tinha direito ao saque na referida data”, detalha o  comunicado enviado pela empresa.   

A prefeitura de Ribeirão das Neves, por sua vez, esclareceu que cabe às empresas da cidade o controle de filas internas e externas formadas em seus estabelecimentos, assim como a garantia de "distância de segurança entre os clientes, uso de máscara e álcool em gel". 



De acordo com o município, essa responsabilidade está descrita no Decreto 047/2020, editado pelo prefeito Moacir Martins da Costa Júnior (PSC) em 22 de abril deste ano, que determinou a reabertura gradual do comércio em Ribeirão das Neves. 

"Para garantir o cumprimento do Decreto, foi formado um verdadeiro batalhão de fiscais, com a participação de cerca de cem servidores municipais, que estão permanentemente nas ruas com ações educativas, diz a nota enviada pela prefeitura.

A reportagem não verificou a presença desses agentes entre 5h30 e 7h desta terça-feira (28) período em que esteve nas imediações da agência da Caixa Econômica Federal situada na rua Ari Teixeira da Costa. 

Segundo o último boletim epidemiológico da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), a cidade da Região Metropolitana ainda não registra óbitos causados pela COVID-19. Há, até o momento, seis infectados pela doença e 893 casos suspeitos