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'Tem que ter solidariedade', diz mineira que mora na Itália sobre a pandemia

Residente na Itália há 20 anos, ela diz que a população está dividida em relação à flexibilização. Mulher de enfermeiro, revela a dura rotina de casa


03/05/2020 07:50 - atualizado 03/05/2020 07:59

Luciane ao lado do marido, Stefano, que é enfermeiro do Centro de Assistência Domiciliar, em Terracina(foto: Arquivo pessoal)
Luciane ao lado do marido, Stefano, que é enfermeiro do Centro de Assistência Domiciliar, em Terracina (foto: Arquivo pessoal)

Luciane Malafaia, de 46 anos, mora na Itália há 20 e é testemunha do caos que se instalou no país europeu, que enterrou até agora 28.710 pessoas vítimas da COVID-19.

Casada com o enfermeiro italiano Stefano Arcamone, de 49, e mãe de Giulia, de 18, e Gabriela, de 14, Luciane está seguindo à risca as regras do isolamento social desde o fim de fevereiro em sua casa, na cidade de Terracina, que fica entre Roma e Nápoles.

Segundo ela, que é mineira de Belo Horizonte, as mortes ocorreram de forma muito rápida na Itália. “De 11 mortos na Lombardia passou para 1 mil por dia, uma coisa absurda.” Foi a partir daí que o governo endureceu as ações e em 7 de março resolveram fechar o centro-norte da Itália.
 
A filha mais nova, Gabriela, posa para foto ao lado de uma faixa que diz:
A filha mais nova, Gabriela, posa para foto ao lado de uma faixa que diz: "Tudo vai correr bem. #estou emcasa". (foto: Arquivo pessoal)

Mas Luciane conta que as pessoas ficaram sabendo da medida e muita gente fugiu para o Sul. “Os ignorantes do Norte da Itália fugiram de trem antes da meia-noite para o Sul e levaram consigo o vírus.” Para ela, foi isso que disseminou a COVID-19 pelo restante do país.
 
Giulia, a filha mais velha, ajuda nas tarefas domésticas(foto: Arquivo pessoal)
Giulia, a filha mais velha, ajuda nas tarefas domésticas (foto: Arquivo pessoal)

“Se no Sul não tinha, passou a ter. O que eles queriam fazer, que era bloquear, não foi possível por causa disso. É triste, é desumano, infelizmente é assim”, relata Luciane.

Como o marido continua trabalhando, o cuidado em casa é redobrado, ainda mais que o casal e uma das filhas são considerados do grupo de risco - ela sofreu um AVC, ele já teve um infarto e a filha mais nova tem asma.
 
“Ele arrisca a vida diariamente. Mesmo sabendo que na nossa região o número de casos é muito menor do que no Norte, e eu rezo. Acordo cedo, desinfeto a casa todo dia com água sanitária, desinfeto a roupa. Tem uma frente fria que veio da Rússia, mas, mesmo assim, abro as janelas.”

"Quando a doença estava somente na China, o pensamento geral era: 'Não vai acontecer aqui" lll "Não pode fingir que não está acontecendo nada. Ver o Exército levar corpos para serem cremados, sem os parentes, é duro" lll "Muita gente ainda com medo da doença, mas muita gente precisando trabalhar. Muita empresa pequena falindo. É uma situação muito difícil"

As filhas estão tendo aulas online. “Das 8h30 às 13h, as duas assistem às aulas, cada uma num lugar da casa”. Falta um ano para Giulia terminar o curso de turismo e Gabriela está terminando o ensino médio. Ela explica que o governo auxilia as famílias que não têm computador e enviam tablet.
 
Luciane diz que a família está redescobrindo algumas coisas, “como fazer massas em casa, jogar War, enfim, coisas positivas”. Segundo ela, as filhas entenderam que é um momento crítico e “temos de ser como o camaleão”.

Governo e regras

Uma das medidas tomadas pelo governo italiano foi proibir a ida aos hospitais. Luciane explica que “quem tinha os sintomas tinha que ligar para um número específico e a ambulância ia até a casa da pessoa. Você não pode ir a um hospital se tem possibilidade de ter o vírus e correr o risco de infectar outros pacientes que estão com outro problema. Eles é que falavam o quê as pessoas iriam fazer, se ficar em casa ou ir pro hospital”. Uma pessoa por família pode ir ao supermercado, que abre de três em três dias. E há multa para quem descumpre as regras estabelecidas.
 
Ela considera que o governo italiano fez o que deveria fazer e recorda como foi no começo. “Quando a doença estava somente na China, o pensamento geral era: 'Não vai acontecer aqui'. Em Roma, um casal de turistas chineses foi para o hospital. O governo ainda tinha a esperança de não ser nada, apenas uma influenza. O casal foi para Milão. Em 20 de fevereiro, apareceu uma pessoa infectada perto de Milão, contagiou muita gente e espalhou. Em 28 de fevereiro, eram 530 casos. Em 8 de março, 5.830. Ficamos doidos. Entra pânico e desespero. Aí o pessoal começou a fazer o que tinha de ser feito. Desde o começo, o governo agiu de forma correta. Todo mundo metia o pau. A Espanha, os Estados Unidos e o Reino Unido disseram que a Itália estava exagerando e agora estão sofrendo.”
 
Segundo ela, “a Itália foi o primeiro país europeu a suspender voos para a China e cercar cidades [na Lombardia]. Em 23 de fevereiro, o presidente decretou emergência sanitária, fechou escolas no Norte do país e depois fechou tudo e o Exército foi para as ruas”.

Coletividade

Para Luciane, as pessoas precisam ter consciência da gravidade da situação e ser solidárias. “A Itália está tendo apoio de vários países. Estamos conseguindo descer, mas estamos em isolamento. Tem que ter solidariedade, bom senso, ser um ser humano bom e pensar nos outros seres humanos.”
 
Ela lembra um caso que reflete bem o que pensa. “Pararam um senhor andando de bicicleta. 'O senhor não pode estar aqui', disse o policial. 'Tenho 86 anos, se eu tiver de morrer, eu morro', disse o homem. 'O senhor tem 86 anos, mas tem muitos jovens que podem morrer por causa do senhor', disse o policial”.
 
Não pode fingir que não está acontecendo nada. Ver o Exército levar corpos para serem cremados, sem os parentes, é duro. E tem que ser feito dessa forma. Crianças estão morrendo, policial de 46 anos morreu. Já são 97 médicos mortos.”

O sentimento de Luciane frente a tudo isso é de tristeza. “Fico triste. Uma Itália linda está unida. Pessoas cantam o hino nacional. Dor, sofrimento, choro, mas unidos. Tentando ser civilizados. Não é melhor parar agora do que depois ver tanta gente morrendo?”
 
Em relação à flexibilização das medidas na Itália, Luciane diz que as opiniões estão divididas. “Muita gente ainda com medo da doença, mas muita gente precisando trabalhar. Muita empresa pequena falindo. É uma situação muito difícil. Hoje mesmo (29), aumentaram mais 2.000 pessoas infectadas e 400 mortos.”
 
Ela revela um certo temor em relação a Terracina, cidade onde mora. “Estamos com medo, não sabemos como vai ser o verão aqui. A minha cidade é litorânea. Turismo, hotel, barcas, shows de verão, feirinhas... Não sabemos como vai ser”.

Preocupação

“Como vai ser no Brasil?” A pergunta de Luciane carrega a preocupação com a terra natal e com a família, que mora em Lagoa Santa, Região Metropolitana de BH.
 
“Estou rezando para não acontecer no Brasil o que houve aqui, porque tenho até medo de pensar como seria. Será que as pessoas cumprirão o isolamento social como tem que ser feito?”, questiona Luciane.
 
“Temos que ser calmos. A economia está caindo, a população está empobrecendo, pequenas empresas fechando. As pessoas têm que ser menos egoístas. Nossa defesa é permanecermos em casa”, conclui Luciane.

Ele [o marido] arrisca a vida diariamente. Mesmo sabendo que na nossa região o número de casos é muito menor do que no Norte, eu rezo. Acordo cedo, desinfeto a casa todo dia com água sanitária, desinfeto a roupa”


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