Na sala do apartamento, a família está reunida. O pai acabou de chegar da rua com o pão, a mãe trabalha a distância e os filhos cumprem, no computador, tarefas de escola ou estudam inglês. Desde que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a pandemia da COVID-19, causada pelo novo coronavirus, o casal Gerson Adriano da Cunha, autônomo, e Maria Lídia da Mota, com os filhos Mateus, de 16 anos, e Letícia, de 13, segue religiosamente as normas: o quarteto fica em casa, só Gerson vai ao comércio, e desde 17 de abril todos usam máscaras quando colocam “o nariz do lado de fora” do prédio onde moram, no Bairro Cidade Nova. A exemplo dos moradores da Região Nordeste de Belo Horizonte, outros da capital optaram por obedecer à risca a rotina de quarentena, em vez de criticar os inconvenientes da medida, e usam da criatividade para se manter longe do risco de contágio.
Indo para a cozinha com a sacola de pão, Gerson e Maria Lídia revelam parte da rotina da família, que está atenta ao noticiário, mas indiferente à queda de braço entre defensores e opositores do isolamento social, que começa em Brasília - tendo inclusive feito entre suas vítimas o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, demitido por seguir linha diferente da defendida pelo presidente Bolsonaro -, se espalha pelo país e acaba envolvendo a rotina de todos os brasileiros. “Estamos a favor da vida, por isso entendemos ser necessária a proteção”, afirma Gerson, com toda a aprovação da mulher e dos filhos.
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O sanduíche da tarde está à mesa e Gerson brinca que passar a quarentena com dois adolescentes em casa não consiste em tarefa das mais fáceis. “É uma explosão de hormônios, eles têm muita energia para gastar e ficam impedidos, principalmente o Mateus. Não pode encontrar os amigos, ir à academia, enfim fazer as atividades típicas dos jovens. Até começou a malhar em casa, mas não deu certo. Já a Letícia estuda inglês virtualmente. Os dois fazem as tarefas da escola a distância, mas não existe aquela exigência de uma aula normal da escola.”
A proteção da família ganhou um reforço: quatro máscaras feitas pela irmã de Gerson, Jeanete Aparecida da Cunha, moradora do Bairro Pirajá, na mesma região, onde ela mora com a mãe Terezinha, de 92. Para visitá-la, Gerson criou um sistema muito particular: quando chega à casa, fica no quintal e a mãe, na janela. “Aí podemos conversar. Mas, se ela vem atrás de mim, saio correndo. Não deixo chegar perto. Tenho muito medo, por causa da idade.”
Comida que abraça
Proteção dentro de casa, solidariedade do lado de fora. Em tempos de isolamento, é cada vez maior o grupo de pessoas que se unem para ajudar quem não tem um teto para se abrigar. É o caso da empresária Renata Camargo, de 48 anos, que concebeu e colocou em prática o “Comida que abraça”. Mesmo sem poder manter aberto o restaurante Hortelã, que funciona dentro do BHTec, ela decidiu seguir com as atividades, mas com outros fins: cozinhar para alimentar moradores de rua. Há mais de 10 dias, distribui 100 marmitas diariamente, seis dias por semana, nas ruas de Belo Horizonte. Na Internet, foi lançada uma campanha de arrecadação em que qualquer um pode colaborar. Basta acessar o https://www.vakinha.com.br/vaquinha/comida-que-abraca e fazer a doação.
A maratona agora é dentro de casa
Se Gerson e Maria Lídia estão em casa com os adolescentes, o casal Bruno Cândido Silva, contador, e Mayara Moraes Araújo, farmacêutica, tem sempre diante dos olhos o filho Murilo, de 1 ano e 8 meses. “Desde que começou o isolamento, meu treino é correr atrás ele. Pula, sobe, anda, já faz de tudo”, conta Bruno, que tem trabalhado remotamente. “Como agora estou em casa o tempo todo, Murilo quer ficar muito comigo”, conta o pai.
Para distrair o pequeno nesta quarentena ainda sem data para terminar, Bruno e Mayara, que se mudaram há sete anos para a capital, vindos de Dores do Indaiá, na Região Centro-Oeste de Minas, esbanjam criatividade. Haja desenho para colorir, programa de tevê para assistir, brincadeira para o menino sorrir. “Mas se ele quer correr, o jeito é descer até a garagem e ficar por lá um tempo”, conforma-se Bruno.
Bruno e Mayara comungam da ideia de que o isolamento social é a melhor forma de se evitar a propagação da doença. Por isso, se revezam: quando um sai para ir ao supermercado ou farmácia, o outro fica. Com isso, há meses não visitam os pais e demais parentes na terra natal.
PESO DO FEIJÃO
Desde 17 de abril, tornou-se obrigatório o uso de máscaras de proteção em Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Na cidade, houve um decreto municipal pioneiro para manter as pessoas em casa, mas, independentemente de medidas governamentais em qualquer instância, a dona de casa Vânia Marques Costa tomaria providências por conta própria. “O melhor jeito de evitar a propagação do novo coronavírus é ficar em casa”, acredita.
Casada há 27 anos com Márcio Valério Costa, administrador aposentado, mas grande parte do tempo on-line para prestar serviços, Vânia criou uma dinâmica muito particular. Para fazer ginástica, usa como pesos pacotes de um quilo de feijão ou garrafas PET com água. “Como não quero caminhar na rua, dou muitas voltas na garagem”, revela. Para evitar a ida ao sacolão, Vânia costuma ir à horta da casa da mãe e colher alface, abóboras e temperos.
Precavido, o casal tem quatro máscaras, embora Vânia acredite que serão pouco usadas. "Enquanto durar a quarentena, estou cantando, com uma variação, aquela marchinha de carnaval: 'Daqui de casa não saio, daqui ninguém me tira'."