Completam-se, nesta sexta-feira (8), dois meses da confirmação do primeiro caso de COVID-19 em Minas Gerais. Desde então, muito mudou no enfrentamento do estado, e do Brasil como um todo, à pandemia. Máscaras, que no início da crise não eram obrigatórias, se tornaram o principal item do vestuário, por exemplo.
Enquanto os números disparam nas unidades federativas vizinhas, com São Paulo e Rio de Janeiro à beira do colapso dos seus sistemas de saúde, Minas continua “achatando a curva” e adiando o pico da doença, agora previsto para 6 de junho.
Segundo o boletim divulgado nessa quinta-feira pela Secretaria de Estado de Saúde (SES), são 2.770 casos confirmados de infecção pelo novo coronavírus, dos quais 106 resultaram em mortes.
Ao mesmo tempo que acertos nas políticas públicas devem ser ressaltados, o alto número de casos suspeitos – 94.124 em todas as cidades mineiras e mais de 30 mil só em Belo Horizonte – revela as dificuldades que as autoridades têm para testar pessoas.
“A forma mais eficaz de salvar vidas é quebrar a cadeia de transmissão. Não conseguiremos parar a pandemia se não soubermos quem está infectado. Temos uma simples mensagem: testem, testem, testem. Todos os casos suspeitos”, disse o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, em março, ainda no início da pandemia no Brasil.
Por aqui, no entanto, o protocolo é diferente: só são testados pacientes que enfrentam determinados quadros clínicos, como Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), profissionais de saúde sintomáticos e amostras provenientes de unidades sentinelas de síndrome gripal e SRAG.
O mesmo vale, evidentemente, para as mortes suspeitas de COVID-19 e para as amostragens representativas (mínimo de 10%) nos surtos de gripe em ambientes fechados, como asilos, presídios e hospitais.
Segundo o último boletim da SES, o estado diagnosticou apenas 10,7% dos casos suspeitos.
Em Belo Horizonte, o percentual é ainda menor: 7,6%, já que 32,8 mil dos mais de 35 mil pacientes seguem sem saber se contraíram ou não o vírus.
Segundo dados acumulados até 4 de maio e publicados em análise feita pelo projeto Coronavírus-MG, Minas Gerais tem os piores índices de testagem do país, tanto em relação ao tamanho da população, quanto ao número de casos suspeitos.
“Quanto mais pessoas forem testadas, melhor vai ser a nossa abordagem no enfrentamento da epidemia. Por exemplo, se eu testo várias pessoas com diagnóstico rápido, eu posso traçar os seus contatos, ir atrás desses contatos, propor quarentena para os contatos familiares e contatos do local de trabalho e, assim, reduzir a curva da epidemia”, afirma o infectologista Unaí Tupinambás, integrante do Comitê de Enfrentamento à Epidemia da COVID-19 da capital mineira.
“Sem teste, não tem como medir. Dá para a gente fazer modelos matemáticos, inferências em relação ao número de testes que foram feitos, que são estimativas. Mas as estimativas podem ser imprecisas, então não é o melhor caminho. O melhor caminho seria mesmo fazer uma testagem mais intensa, principalmente nas cidades maiores. As cidades muito pequenas têm uma densidade populacional baixa”, explica o vice-presidente da Sociedade Mineira de Infectologia, Antônio Toledo Júnior.
Existe, também, a preocupação em aumentar a testagem de profissionais da saúde, que estão na linha de frente do combate à doença. Em depoimento ao Estado de Minas, uma enfermeira de 44 anos, que trabalha num hospital de BH, confirmou estar infectada pelo vírus.
Ela, que preferiu não se identificar, foi diagnosticada na segunda-feira, mais de uma semana depois de fazer o exame. "O resultado deveria ser mais rápido, porque demora de sete a 10 dias. Teria que ser no máximo 24 horas", afirma.
Atualmente, BH tem, conforme dados oficiais, cerca de 60 profissionais da saúde infectados. Mas, diante do baixo número de testes realizados na cidade, a enfermeira acredita que esse número é maior.
"Temos vários casos no hospital, muitos colegas meus estão também. Sem dúvidas, temos bem mais diagnósticos", assegura. A mulher está totalmente isolada dos familiares em Caeté, na Grande BH, e passa bem.
De acordo com a SES, a rede de laboratórios parceiros da Saúde estadual tem capacidade de realizar até 2 mil exames por dia. A pasta admite que "pode não haver realização" dos testes nos "casos de pacientes com sintomas leves e sem indicadores que os posicionem em grupos de risco".
Existe, também, a preocupação em aumentar a testagem de profissionais da saúde, que estão na linha de frente do combate à doença. Em depoimento ao Estado de Minas, uma enfermeira de 44 anos, que trabalha num hospital de BH, confirmou estar infectada pelo vírus.
Ela, que preferiu não se identificar, foi diagnosticada na segunda-feira, mais de uma semana depois de fazer o exame. "O resultado deveria ser mais rápido, porque demora de sete a 10 dias. Teria que ser no máximo 24 horas", afirma.
Atualmente, BH tem, conforme dados oficiais, cerca de 60 profissionais da saúde infectados. Mas, diante do baixo número de testes realizados na cidade, a enfermeira acredita que esse número é maior.
"Temos vários casos no hospital, muitos colegas meus estão também. Sem dúvidas, temos bem mais diagnósticos", assegura. A mulher está totalmente isolada dos familiares em Caeté, na Grande BH, e passa bem.
De acordo com a SES, a rede de laboratórios parceiros da Saúde estadual tem capacidade de realizar até 2 mil exames por dia. A pasta admite que "pode não haver realização" dos testes nos "casos de pacientes com sintomas leves e sem indicadores que os posicionem em grupos de risco".
Segundo o governo, a Fundação Ezequiel Dias (Funed) começou a receber amostras para identificação do novo coronavírus em 12 de março e, desde então, havia obtido resultado de 12.845 das 14.561 amostras coletadas até 4 de maio. Todas foram processadas pelo exame RT-PCR, considerado mais seguro.
Quanto aos testes rápidos, a SES informa que recebeu aproximadamente 50 mil unidades do Ministério da Saúde. Esses exames, porém, não substituem o RT-PCR. Enquanto o mais ágil tem como objetivo saber se a pessoa já teve ou não contato com a doença, o teste mais demorado analisa a presença do vírus na mucosa e secreções nasais.
A ampliação da testagem em Minas Gerais passa muito pela abertura do Laboratório de Biologia Molecular no Bairro Carlos Prates, Região Noroeste de Belo Horizonte. A unidade está em fase final de conclusão e terá capacidade de realizar 4 mil testes por mês.
Quanto aos testes rápidos, a prefeitura da capital informa que deve receber, nas próximas etapas de enfrentamento ao vírus, 75 mil unidades do Ministério da Saúde.
O que deu certo?
Desde que registrou o primeiro caso, em 8 de março, Minas Gerais comprou equipamentos de proteção individual, ampliou o número de leitos de enfermaria e de UTI e contratou profissionais de saúde para combater a pandemia do novo coronavírus.
Medidas em prol do isolamento social e do fechamento do comércio, adotadas por BH em 18 de março e corroboradas pelo estado no dia 20 do mesmo mês, também fizeram parte do planejamento.
O incentivo antecipado ao confinamento, quando Minas Gerais ainda tinha poucos casos confirmados da doença, é apontado como o principal fator responsável pela contenção do vírus e pelos números tecnicamente positivos que o estado apresenta.
“A única explicação possível, a menos que você acredite que queijo e café protegem, é o isolamento”, brinca o infectologista Antônio Toledo Júnior, em consonância com o que defende o colega Unaí Tupinambás.
“Em Belo Horizonte, acho que a prefeitura e a Secretaria Municipal de Saúde agiram na hora certa, propondo o isolamento social. Não só isso, mas também propondo obrigatoriedade do uso de máscaras. Acho que a gente aprendeu a lição com os acertos que ocorreram na China, em Cingapura, na Coreia do Sul”, pontua Tupinambás.
Porém, o infectologista alerta para o “equilíbrio muito frágil” alcançado pela cidade, que ainda requer quarentena “por tempo indeterminado”.
Os resultados explicados pelo especialista e ilustrados pelos números tiveram contribuição, evidentemente, dos profissionais da saúde. Desde o início da pandemia, Minas abriu 15 editais para o preenchimento de 300 vagas nos hospitais Eduardo de Menezes e Alberto Cavalcanti, em BH; João Penido, em Juiz de Fora; e Antônio Dias, em Patos de Minas.
Em BH, considerando também o que foi feito pela prefeitura, foram admitidos novos 1.270 profissionais, entre técnicos, médicos e enfermeiros.
Oficialmente, o estado garante que não faltam equipamentos de proteção individual para os servidores, apesar dos protestos da categoria cobrando melhores condições de trabalho em abril. O investimento é de R$ 40 milhões para compra de quase 1 milhão de máscaras N95 e descartáveis.
Os percentuais atuais de ocupação de leitos e uso de respiradores em Minas Gerais e especificamente em Belo Horizonte são considerados positivos. No estado, atualmente, a SES dispõe de 11.967 leitos clínicos e 2.331 leitos de UTI. Até o último dia 6, eram 132 pacientes internados nas unidades de terapia intensiva, em decorrência da Covid-19, ou por suspeita da doença.
Em relação aos leitos de enfermaria, são 494 pessoas internadas em decorrência da virose, ou por suspeita da doença e a taxa de ocupação está em 4%. A taxa de ocupação geral de leitos de UTI está em 64% e de leitos clínicos está em 65%.
Preocupação
Mas, além da demanda interna de cada cidade, outra preocupação surge para a administração pública: a migração de pacientes a partir de municípios ou mesmo estados vizinhos cujos sistemas de saúde estejam em piores condições.
“Como Minas Gerais está grudada em Rio e São Paulo, a gente tem visto situações peculiares. Em Juiz de Fora, que é muito perto do Rio de Janeiro, há um aumento na busca por demanda espontânea das pessoas do Rio por assistência médica em Minas Gerais. Como a pessoa sabe que as unidades do Rio estão lotadas e que teria que ficar migrando entre as unidades de saúde de lá, é mais rápido ela entrar num carro e ir para Juiz de Fora para ser atendida”, exemplificou o infectologista Antônio Toledo Júnior.
Essa migração pode também pode ocorrer dentro do próprio estado e eventualmente sobrecarregar cidades como Belo Horizonte.
“Pessoas de outras regiões, como do Norte ou do Nordeste de Minas, podem ir para a Região Metropolitana para serem atendidas, porque há uma sobrecarga no sistema lá. Há uma tendência. E não tem como o estado prever. Então, a gente tem que manter um acompanhamento muito próximo da ocupação hospitalar, do motivo de internação hospitalar e da ocupação de leitos”, completou.
Onde o vírus chegou?
Das 853 cidades de Minas Gerais, 204 (23,9%) têm casos confirmados de infecção pelo novo coronavírus. Porém, por conta do baixo percentual de casos com diagnóstico, não é possível afirmar que a doença não chegou a outros lugares.
Até essa terça-feira, 817 municípios mineiros (95,7% do total) estavam na “rota” da COVID-19. Ou seja, haviam registrado doentes, mortes ou ao menos suspeitos que ainda não receberam diagnóstico. As 12 mesorregiões do estado já foram afetados pela doença.
Belo Horizonte é o epicentro da pandemia em Minas, com 890 casos confirmados e 25 mortes. A capital é seguida por três das maiores cidades mineiras, todas com mais de 200 mil habitantes: Juiz de Fora, Uberlândia e Divinópolis. O quinto município mais afetado é Nova Lima, na Grande BH.
Assim como o baixo índice de testagem, outro fator que preocupa em relação é a defasagem nos dados divulgados diariamente pela SES.
Os boletins do governo estadual chegaram a apresentar diferença de até uma semana no número de mortes, segundo levantamento publicado pelo Estado de Minas em 22 de abril.
A desatualização, em geral, se deve ao prazo para investigar se a COVID-19 foi ou não causa de determinada morte.
O dia 27 de abril foi o que, até agora, apresentou maior defasagem. No boletim divulgado pela SES naquela data, eram 62 mortes – 22 a menos que a quantidade real. Veja no gráfico abaixo:
Futuro e flexibilização do isolamento
Quando decidiu fechar o comércio, em 18 de março, Belo Horizonte registrava oficialmente apenas cinco doentes e nenhuma morte. No interior, aos poucos, as administrações municipais restringiram o funcionamento do comércio e colocaram em prática ações de contenção de propagação da COVID-19.
Nesse período, empresários de cidades como BH, Uberlândia e Montes Claros - três dos maiores municípios do estado - pressionaram as respectivas prefeituras pela reabertura das lojas.
Ainda em 22 de abril, o governador Romeu Zema (Novo) apresentou os primeiros termos do plano ‘Minas Consciente’, que propõe às administrações municipais diretrizes a serem seguidas no processo de flexibilização do isolamento social em cada setor do comércio. A decisão, porém, é do chefe do Executivo local.
Na capital, o comércio considerado não essencial está proibido de abrir as portas desde 9 de abril. A expectativa do prefeito Alexandre Kalil (PSD) é iniciar a reabertura gradual em 25 de maio.
Representantes do comércio local, porém, insistem que há margem para iniciar o processo gradual de reabertura antes dessa data. O presidente da Câmara dos Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL-BH), Marcelo de Souza e Silva, defende que campanhas de conscientização sobre uso de máscaras e manutenção do distanciamento social podem permitir a antecipação da flexibilização do isolamento em alguns setores.
A CDL-BH estimava uma queda de até 70% no faturamento de abril. Ao longo do mês, a projeção se alterou e atingiu percentuais menores.
“Em abril, a gente está esperando de 40% a 50% em média de queda no faturamento. No Dia das Mães, que é a segunda melhor data de vendas no comércio, esperamos uma queda média de 40%”, estimou Marcelo de Souza e Silva.
O cenário atual das negociações entre prefeitura e comerciantes, porém, não levam a crer numa antecipação da reabertura. Nesta semana, Alexandre Kalil, inclusive, cogitou o adiamento do início da flexibilização, a depender da propagação do vírus e do respeito da população ao isolamento social. “Se o pessoal não ficar em casa e esse quadro aumentar, isso pode ir para o final de junho, disse.
O posicionamento do prefeito foi corroborado pelo infectologista Unaí Tupinambás, que faz parte do processo de decisão da PBH sobre a reabertura das lojas.
“Nós propusemos o dia 25 como uma data para avaliar (a reabertura) a partir dos dados epidemiológicos, como o número de casos da COVID-19 nas últimas semanas, o R0, que é o nosso índice de transmissibilidade, a mortalidade, a ocupação de leitos. Se esses dados forem satisfatórios, a gente vai avaliar quais são as áreas da primeira fase, da segunda fase e da terceira fase (de reabertura)”.
“Nós propusemos o dia 25 como uma data para avaliar (a reabertura) a partir dos dados epidemiológicos, como o número de casos da COVID-19 nas últimas semanas, o R0, que é o nosso índice de transmissibilidade, a mortalidade, a ocupação de leitos. Se esses dados forem satisfatórios, a gente vai avaliar quais são as áreas da primeira fase, da segunda fase e da terceira fase (de reabertura)”.
Embora o estabelecimento de uma data para reabertura do comércio pareça um sinal positivo, os especialistas alertam que é preciso manter a atenção e respeitar as regras de distanciamento social e higiene, a fim de evitar um acréscimo desenfreado no número de infectados. “Se o número de casos começar a crescer muito, talvez a gente tenha que voltar atrás e fechar de novo”, alerta o infectologista Antônio Toledo Júnior.
Memória
Já recuperada, a primeira paciente infectada pelo novo coronavírus em Minas conversou com o EM em março. A mulher passou pela Itália antes de adoecer, desembarcou em BH em 2 de março e fez o exame três dias depois. O resultado positivo saiu no dia 8 daquele mês. Só foi liberada do isolamento em 27 de março, 19 dias depois de contrair a COVID-19.