Belo Horizonte tem recebido funcionários da Vale que trabalham em cidades do Pará, sexto estado brasileiro com mais casos confirmados de coronavírus. Nos últimos sete dias, um avião da mineradora fez o trajeto entre o Aeroporto de Carajás e Belo Horizonte pelo menos quatro vezes.
O voo mais recente chegou ao Aeroporto da Pampulha pouco antes das 19h desta sexta-feira. Não foi possível confirmar, porém, se é este o avião que tem levado funcionários da mineradora até Belo Horizonte.
Ponto de saída dos voos, o Aeroporto de Carajás fica em Parauapebas, no Sudeste paraense. Até esta sexta-feira, a cidade de 208,2 mil habitantes já havia registrado 29 mortes por coronavírus. O número é superior aos 25 óbitos de Belo Horizonte, que tem população 12 vezes maior.
A região urbana de Parauapebas está nas proximidades de uma das maiores áreas de mineração do mundo, onde a Vale explora ferro e manganês. Enquanto parte dos funcionários está em home office e é transferida da cidade, outra parcela continua o trabalho nas minas.
Parauapebas registrou pelo menos dois óbitos de funcionários da Vale no último mês. Em 10 de abril, um homem de 42 anos, que trabalhava na Usina de Beneficiamento Serra Norte, no Complexo de Carajás, morreu na cidade após ter contraído o coronavírus.
No dia 19 do mesmo mês, morreu Antônio Pereira de Souza, 45, com suspeita de COVID-19. O homem era mecânico e trabalhava na Mina de Manganês da Vale, em Parauapebas.
Transferência de passageiros
Nesta sexta, a mineradora publicou nota em que diz ter intensificado ações de prevenção ao coronavírus no Pará. Questionada pelo Estado de Minas sobre o critério de escolha de funcionários que seriam transferidos, a mineradora não respondeu.
Ainda de acordo com a Vale, os funcionários transferidos para Belo Horizonte “passam por um período de quarentena preventivo antes de continuarem em trabalho remoto”. A mineradora não informou o número de pessoas que enviou à capital mineira.
O avião que tem feito seguidas viagens entre Pará e Minas Gerais é do modelo Embraer E190, que originalmente tem capacidade para 80 passageiros. Porém, por ser uma aeronave particular, a quantidade de assentos pode ser alterada pelo proprietário.
Alguns moradores de BH usaram as redes sociais para demonstrar o receio de que, entre os que chegam à capital mineira, estejam pessoas infectadas com o novo coronavírus. Questionada pelo EM se “funcionários que estão com o vírus também estão sendo transferidos para serem tratados em Belo Horizonte”, a Vale não respondeu objetivamente, mas alegou que “cumpre todos os protocolos exigidos pelo Ministério da Saúde”.
Em nota, a mineradora diz que, desde março, “adotou o home office para empregados, incluindo os dos grupos de risco”. De acordo com o texto, a companhia “reduziu drasticamente o efetivo nas operações, implantou triagem nas portarias com uso de câmeras termográficas e aplicação de checklist diário de saúde, instituiu a obrigatoriedade do uso de máscaras e reforçou a limpeza e desinfecção das áreas, além da adoção de regras de distanciamento social nos ambientes e transportes”.
Colapso no Pará
Até esta sexta-feira, o Pará havia registrado 6.141 casos de COVID-19 e 515 mortes em decorrência da doença. No estado, o sistema de saúde já entrou em colapso, segundo avaliação feita pelo presidente da Confederação Nacional de Saúde, Breno Monteiro, ao jornal O Globo. O aumento no número de óbitos também ligou alerta das funerárias.
Diante do avanço desenfreado do vírus, o governador Helder Barbalho (MDB) decretou lockdown (bloqueio total) na capital Belém e outras nove cidades: Ananindeua, Marituba, Benevides, Santa Bárbara do Pará, Santa Izabel do Pará, Castanhal, Santo Antônio do Tauá, Vigia de Nazaré e Breves.
Nesta sexta-feira, nota conjunta do Ministério Público do Pará (MP/PA), do Ministério Público Federal (MPF) e do Ministério Público Federal (MPF) recomenda que o governo estadual estenda o lockdown também para Parauapebas e Marabá.
Situação em BH
Em Belo Horizonte, a pandemia está mais controlada. Até essa terça-feira, menos de 50% dos leitos da capital exclusivos para pacientes com coronavírus estavam ocupados.
Segundo dados divulgados na manhã desta sexta-feira pela Secretaria de Estado de Saúde (SES), a capital mineira havia registrado 926 casos da doença, dos quais 25 evoluíram para óbito.
Preocupa, porém, o baixíssimo índice de testagem na capital, que mascara a proporção real da propagação do vírus. Dos 36.030 casos suspeitos, apenas 7,6% (2.725) receberam diagnóstico.
Apesar do problema na testagem, os números tecnicamente baixos de casos e mortes fazem com que as autoridades locais pretendam iniciar a reabertura gradual do comércio em 25 de maio, caso os indicadores da COVID-19 se mantenham no patamar atual.
Há, porém, uma preocupação com o possível avanço proporcionalmente maior dos casos até essa data. O prefeito Alexandre Kalil (PSD), inclusive, cogitou adiar a flexibilização do isolamento social para o fim de junho “se o pessoal não ficar em casa e esse quadro aumentar”.
Mas não é só uma eventual crescente demanda interna por atendimento hospitalar que preocupa a administração local. Kalil já citou a migração de pacientes de outras cidades e estados como ponto de atenção.
Em entrevista na última segunda-feira, o prefeito revelou que quatro pessoas contaminadas foram transferidas do Pará para o Hospital Madre Teresa, na Região Oeste de BH. Kalil, porém, não detalhou se os pacientes têm ligação com a Vale.
“Vieram para se tratar. Claro que temos que olhar isso se essa onda continuar. O que não podemos fazer hoje é omissão de socorro. Se tem lugar, tem que colocar. Se veio do Pará, se veio da Amazonas ou se veio do Rio, é vida humana”, disse.
O prefeito mencionou também a demanda de outras cidades mineiras por atendimento na capital. “Peço que ajudem o interior. Não estou aqui fazendo demagogia. Ajudando o interior, estarão protegendo BH”, afirmou.
“Deixo meu recado para o interior que a situação está ficando perigosa. BH não tem a menor condição de aguentar todo o estado numa situação de piora dessa pandemia”, completou.
Em Minas Gerais
No estado, a pandemia também é considerada controlada. Nesta sexta, a SES divulgou que Minas Gerais tem 2.943 casos confirmados de coronavírus. Destes, 111 evoluíram para óbitos.
Tecnicamente, os números são positivos, mas esbarram no mesmo problema dos da capital Belo Horizonte: a baixa testagem. Das 108.318 pessoas consideradas suspeitas, apenas 11,1% (12.106) sabem se contraíram ou não o vírus. Outras 96.212 seguem sem diagnóstico.
O ponto positivo é que o sistema de saúde parece estar longe do colapso. De acordo com o governador Romeu Zema (Novo), pacientes com COVID-19 ou suspeita da doença ocupavam 6% dos leitos de UTI e 4% dos leitos clínicos do estado até essa quinta-feira.
Mas, a exemplo de Belo Horizonte, outras cidades também devem se preocupar com a possível migração de pacientes. E esse movimento pode ocorrer tanto a partir de outros municípios de Minas Gerais, quanto de estados vizinhos.
“Como Minas Gerais está grudada em Rio e São Paulo, a gente tem visto situações peculiares. Em Juiz de Fora, que é muito perto do Rio de Janeiro, há um aumento na busca por demanda espontânea das pessoas do Rio por assistência médica em Minas Gerais”, pontuou o vice-presidente da Sociedade Mineira de Infectologia, Antônio Toledo Júnior.
“Como a pessoa sabe que as unidades do Rio estão lotadas e que teria que ficar migrando entre as unidades de saúde de lá, é mais rápido ela entrar num carro e ir para Juiz de Fora para ser atendida”, completou.
Posicionamento da Vale
Num primeiro momento, a reportagem do EM enviou os seguintes questionamentos à Vale:
1) Quantos funcionários foram transferidos para BH?
2) De quais cidades eles saíram?
3) Considerando os integrantes das famílias dos funcionários, quantas pessoas, no total, foram transferidas para BH?
4) Onde elas estão ficando hospedadas em BH?
5) Qual o critério para a escolha dos funcionários que são transferidos?
6) Outras cidades além de BH também estão recebendo funcionários? Se sim, quais?
A mineradora não respondeu objetivamente e enviou a seguinte nota:
A Vale esclarece que alguns empregados que trabalham no Pará, em cidades onde a Vale opera, aderiram ao projeto de transferência temporária para as suas bases de origem, incluindo Belo Horizonte. A medida permite aos empregados estarem mais próximos de seus familiares no período de isolamento, garantindo maior conforto e segurança, além de melhor estrutura de apoio durante a rotina em home office. Importante esclarecer que, antes de continuarem em trabalho remoto, eles passam por um período de quarentena preventivo.
A Vale reforça que tem o compromisso de cuidar da saúde e da segurança de seus empregados e que cumpre todos os protocolos exigidos pelo Ministério da Saúde.
Outro questionamento feito pela reportagem foi:
Funcionários que estão com o vírus também estão sendo transferidos para serem tratados em Belo Horizonte?
A Vale novamente não respondeu objetivamente e enviou o seguinte posicionamento:
A Vale presta toda a assistência médico-hospitalar a seus empregados, disponibilizando serviços de telemedicina e apoiando eventuais transferências para as suas cidades de origem. Desde março, a companhia adotou o home office para empregados, incluindo os dos grupos de risco. Reduziu drasticamente o efetivo nas operações, implantou triagem nas portarias com uso de câmeras termográficas e aplicação de checklist diário de saúde, instituiu a obrigatoriedade do uso de máscaras e reforçou a limpeza e desinfecção das áreas, além da adoção de regras de distanciamento social nos ambientes e transportes. A companhia cumpre todos os protocolos exigidos pelo Ministério da Saúde. A Vale reforça o seu compromisso com a segurança de seus empregados e comunidades.