''O que falo para eles agora é o que sempre disse, desde que eram pequenos: eu os amo, e quero que tenham cuidado aí no Brasil''
Gessi da Silva Andrade, aposentada, que não pôde voltar do Reino Unido, e passará o Dia das Mães pela primeira vez sem dois dos seus filhos
Em tempos de isolamento social, a saudade das pessoas que fazem parte da nossa vida, como amigos e colegas de trabalho, aperta o coração com o passar dos dias. Para muitos, o alívio da quarentena vem justamente da possibilidade de conviver com aqueles que são mais próximos: a família. Mas, para diversas mães, a data que lhes é dedicada surge no calendário deste ano, pela primeira vez, sem a companhia de seus eternos pequenos. “A preocupação é que tudo esteja bem com ela. Não tem a presença física, mas vamos compartilhar nosso amor a distância.” Assim, a pedagoga Michele Perdigão de Assis, de 48 anos, classifica o primeiro Dia das Mães sem a companhia da filha Clara, de 17, em intercâmbio no Canadá.
Como sentimento de mão dupla, a saudade está também do outro lado, das mães que estão longe. “O que falo para eles agora é o que sempre disse, desde que eram pequenos: eu os amo e quero que tenham cuidado aí no Brasil”, pontua a aposentada Gessi da Silva Andrade, de 72, que passará a data pela primeira vez sem dois dos seus filhos: Bruno e Flávia.
O distanciamento dessas e de muitas outras mães e seus filhos tem um motivo comum: a pandemia do novo coronavírus. Gessi está em Londres desde 10 de março e tinha passagem de volta marcada para o 21 de abril. Não pôde retornar por causa do caos nos aeroportos. Já a pedagoga Michele Perdigão Assis, em meio à crise da saúde, chegou a cogitar o retorno da filha, que estuda inglês na cidade de Burnaby, costa Oeste do Canadá, mas desistiu da ideia por recomendação das escolas e da empresa que organizam a viagem.
“Com a pandemia, achamos melhor que ela ficasse lá mesmo, porque o trânsito nos aeroportos estava muito intenso. Ouvimos as escolas e achamos melhor, porque vários voos estavam sendo cancelados. Ela poderia ficar retida em alguma cidade”, explica Michele. “A Clara também é uma menina muito determinada, estava muito tranquila, porque está com uma família que cuida bem dela lá. Conversamos por vídeo. Conheço bem a expressão da minha filha quando está confiante”, garante.
Mesmo com a certeza de que a jovem está bem no Canadá, a pedagoga ainda se queixa do primeiro Dia das Mães sem a companhia da filha mais velha. “Nosso núcleo familiar é pequeno, então sempre fazemos um almoço aqui em casa. Vamos conversar por vídeo no dia, mas ela não vai poder sentir o cheirinho da minha comida”, diz a mãe, orgulhosa da tradição familiar.
A comunicação remota virou uma constante na casa de Michele Perdigão. Apesar de não tão distantes geograficamente, o marido dela, Leonardo Augusto Machado Campos, de 55, e a sogra, Maria da Piedade Machado Campos, de 96, agora só se veem assim, já que ele trabalha com fornecimento de medicamentos e equipamentos hospitalares, função essencial durante a pandemia. “Ele vai ao prédio da irmã e da mãe para ter notícias. As duas avós sempre perguntam como a Clara está no Canadá. Isso nos dá muita força para superar a saudade dela”, afirma a pedagoga.
''Nosso núcleo familiar é pequeno, então sempre fazemos um almoço aqui. Vamos conversar por vídeo no dia, mas ela não vai poder sentir o cheirinho da minha comida''
Michele Perdigão de Assis, cuja filha, Clara, de 17 anos, continuou no intercâmbio no Canadá, apesar da intenção inicial de voltar, devido à pandemia
NETOS
O deslocamento de um parente durante a pandemia também é preocupação de Gessi da Silva Andrade. O filho do meio, Bruno Andrade, de 42, trabalha com transporte de alimentos para supermercados da Grande BH. “Sempre falo com ele para ter cuidado, principalmente por causa dos meninos (os netos)”, conta.Se a pandemia impediu o retorno dela ao Brasil, onde passaria o Dia das Mães com Bruno e a caçula Flávia, Gessi comemora o fato de ficar em Londres para compartilhar o momento com a mais velha, Daniela Andrade, de 44. “Não passo o domingo das mães com os três desde 2003, antes de a Dani vir morar aqui (no Reino Unido). É sempre uma data marcante, pois me lembro muito do meu marido (Vicente Andrade, falecido em 2009). Eles combinavam de me dar um presente, mas era sempre ele quem pagava”, lembra a aposentada com entusiasmo. “De uma outra vez, me deram um jogo de taças de cristal. Só quebrou uma e me doeu muito na época. São lindas”, diz, ressaltando que os presentes “sem dicas”, aqueles inesperados, sempre foram os mais emocionantes.
''Fazíamos chamadas de vídeo e ela conversava por um tempo, mas depois ficava chorosa e pedia o %u2018mamá%u2019. Naquele período, ela descobriu a palavra saudade''
Júlia Rocha, médica, ao falar sobre o contato remoto com a filha Gabriela, de 3 anos
Aprendizado da distância
Superar um dos maiores desafios profissionais e conciliar, ao mesmo tempo, a falta do contato diário com a filha. Foram 21 dias que pareceram anos para Júlia Rocha, médica da família vinculada à Estratégia Saúde da Família, uma das portas de entrada do Sistema Único de Saúde (SUS). Enquanto a profissional estava na “linha de frente” no combate à COVID-19, Gabriela, de apenas 3 anos, aprendia – e sentia – o significado da palavra saudade.
Bibi, como é chamada pela mãe, precisou entender rapidamente o que era um dos sentimentos que mais sofrimento causam nas relações interpessoais. “Fiquei muito angustiada. Ela ainda mama e na ocasião sentiu muita falta desse contato. Fazíamos chamadas de vídeo e ela conversava por um tempo, mas depois ficava chorosa e pedia o ‘mamá’. Naquele período, ela descobriu a palavra saudade. Achei interessante. Sem querer ensinamos a ela que aquele sentimento de falta tinha esse nome”, afirma a médica.
Júlia estava separada da filha justamente por ter contato com as mais diferentes pessoas durante a pandemia. Ela, naquele momento, trabalhava em uma Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) localizada na Grande BH. A relação com a filha passou a ser apenas visual, sem a possibilidade de tato. “Cheguei a ir até a casa da minha mãe. Ficava de longe, do lado de fora do portão. A gente até fazia o gesto de se abraçar”, lembra.
Recentemente, a médica foi transferida para uma unidade básica de saúde e pôde voltar a ver a filha. “Ficamos 21 dias longe uma da outra. Agora, minha atribuição na pandemia é garantir o atendimento a pacientes na Atenção Primária à Saúde – pessoas com doenças crônicas, bebês e gestantes, além de receber aqueles com queixas agudas que não necessitam buscar a urgência.” O afastamento deixou marcas, que a proximidade agora cuida de apagar aos poucos: “Foi muito sofrido. Muito mesmo! Ainda bem que passou.”