Tida como a mais eficiente ferramenta para brecar o alastramento da COVID-19, o isolamento social traz desafios e é acompanhado de violência doméstica em dois de cada cinco lares da Grande BH.
Além do afastamento, os motivos principais seriam a dificuldade de resolução de conflitos, sobretudo entre os mais jovens, o ambiente de desemprego e a queda de renda.
É o que mostra uma pesquisa do Instituto Olhar/Netquest/Crisp-UFMG sobre os conflitos gerados pela tensão no ambiente confinado.
Nos domicílios, foram observadas formas de violência por 35,8% dos 2.531 entrevistados em todo Brasil, enquanto em BH e região metropolitana essa percepção chega a 39,7%. Entre os entrevistados da Grande BH, 6,5% disseram que vivenciaram pela primeira vez uma situação de violência em suas casas.
Outros 9,4% afirmaram que formas de hostilidade já experimentadas desta vez ocorreram mais intensas, seja se prolongadas ou com uma escalada de agressividade.
A maioria soma 23,8% e percebe que a violência que conhecem dentro de suas residências se repetiu no ambiente de afastamento comunitário. A pesquisa se deu entre os dias 16 e 21 de abril.
O aumento da tensão dentro de casa durante a fase de isolamento recebeu classificações dos entrevistados de zero a 10. As mulheres da Grande BH deram a nota média de 6,42 para esse estresse domiciliar, contra 6,38 da média nacional feminina, e os homens assinalaram 5,69, superando média masculina brasileira de 5,59. Esse fator é destacado como preponderante em todas as residências onde se percebeu formas de violência com o isolamento social.
A violência que jamais tinha sido experimentada dentro de casa passou a ocorrer pela primeira vez nos lares onde as pessoas que responderam às questões tinham perdido o emprego em razão da crise ou eram desempregadas.
O aumento da intensidade da violência doméstica percebida pela pesquisa está mais presente entre os que sofreram redução da renda devido ao novo coronavírus e aos mais jovens entrevistados, com idades entre 16 e 29 anos.
“Percebemos a química explosiva da associação de isolamento, somada ao estresse, à redução da renda, à perda de empregos e a uma presença maior de jovens, como capaz de gerar mais violência doméstica. O isolamento potencializou esses fatores e isso explica a agressividade nos lares”, observa o responsável pela análise dos dados, o professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pesquisador do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) da UFMG, Bráulio Figueiredo Alves da Silva.
INDICADORES
Os pesquisadores criaram uma ferramenta com nove indicadores para balizar a presença de violência em casa. “Foi necessário essa ferramenta, porque muitas pessoas já naturalizaram as ameaças, as agressões psicológicas e outras, não as enxergando claramente como formas de violência”, afirma o pesquisador do Crisp.Com isso, os entrevistados puderam identificar a ocorrência pela primeira vez, a recorrência e a intensificação de agressões. Tais acontecimentos foram separados em ocorrências de trocas de insultos, pessoas levadas a chorar por medo ou ofensa, ameaças de se atirar objetos ou de os usar para bater, o cumprimento dessa hostilidade, empurrões, bofetadas e chutes, espancamentos, ameaças com armas de fogo ou lâminas e agressões armadas.
A rotina em isolamento alterou várias dinâmicas, como a de trabalho que passa a ser levado para o domicílio, a jornada se ampliou, as cobranças, a necessidade de se empenhar nas tarefas domésticas e nos relacionamentos.
“O afastamento é físico e tem efeitos na saúde mental. As pessoas isoladas são forçadas a conviver mais. Isso pode ter um lado positivo, redescobrindo o papel da família, mas tem um lado perverso que mostra que o lar não é tão seguro assim”, observa o sociólogo.
Segundo ele, após esse período, boa parte dos relacionamentos atuais não serão mais os mesmos, podendo ser abalados ou fortalecidos pelo isolamento. “O poder público fez bem ao conter a propagação pelo isolamento. Mas, por outro lado, precisa criar mecanismos para que as pessoas ameaçadas possam acionar a polícia em caso de violência doméstica, criar mais oportunidades para que esses cidadãos não se tornem vítimas.”
Desafio é estimular denúncias
A polícia ainda considera um grande desafio cortar o ciclo de silêncio promovido pela violência doméstica e com isso ampliar as notificações, sobretudo sob a vigência de um isolamento que inibe denúncias e faz com que vítimas e agressores sejam obrigados a conviver.
Ainda não há um dado conclusivo sobre a violência dentro do isolamento social por parte das forças de segurança pública, uma vez que as estatísticas de ocorrências policiais só vão até 31 de março, um mês que teve apenas 11 dias de afastamento comunitário.
Março foi um mês com menos violência doméstica contra mulheres, idosos e incapazes registrados em delegacias da Polícia Civil de Minas Gerais, caindo de 13.561 para 11.774 neste ano (-13%), e em Belo Horizonte, com redução de 1.663 para 1.275 registros (-23%).
De acordo com a chefe da Divisão Especializada em Atendimento à Mulher, ao Idoso, à Pessoa com Deficiência e às Vítimas de Intolerância, Delegada Isabella Franca, ainda não é possível afirmar se o índice de subnotificação é maior.
“A violência doméstica acontece dentro de casa, no local onde se deveria estar mais protegido. No entanto, é onde o agressor está e grupos mais vulneráveis estão. Percebemos que, com o isolamento, as pessoas se encontram mais ansiosas, mais dificuldades se apresentam na questão econômica. Vemos que essas condições intensificam as diversas formas de violência”, afirma Franca.
A quem se sentir sob ameaça de algum tipo de violência dentro da própria residência, a policial aconselha alguns procedimentos. “As pessoas devem ter alguém preparado para pedir ajuda caso seja necessário. Tentar se afastar do agressor indo para outro local e acionar a polícia, que trabalha 24 horas para disponibilizar as medidas protetivas, com proibição de qualquer tipo de contato do agressor com a vítima. Se não tiver para onde ir imediatamente, a pessoa pode ser encaminhada com os dependentes para uma casa abrigo”, indica.
A chefe da divisão encoraja também que vizinhos e pessoas próximas denunciem as agressões caso escutem algo assim. “Desde uma injúria, uma discussão mais acalorada, a agressão psicológica é muito danosa, como também são as agressões físicas.”
A Polícia Civil e as redes municipais parceiras podem atender e encaminhar a centros de atendimento psicossocial para mulheres com ciclo de violência, para que saiam dessa situação. O aplicativo MG Mulher tem também funcionalidades voltadas para essa proteção, segundo a Polícia Civil, com a indicação de unidades policiais próximas e esclarecimentos de medidas protetivas, formas de violência, Lei Maria da Penha, entre outras.