Há pouco mais de um ano, o Estado de Minas conversou com brasileiros que estavam havia meses ou até anos procurando empregos. Jovens recém-formados, profissionais experientes e pessoas sem ensino superior se encontravam na mesma luta: a busca por trabalho, para garantir o sustento de si próprio e, em alguns casos, até da família. Hoje, 376 dias depois, a reportagem retornou às casas dessas pessoas e comprovou que a situação de alguns chegou a melhorar, mas de outros segue na mesma. Enquanto isso, o cenário brasileiro é ainda pior: apesar de registrar 500 mil desempregados a menos do que o mesmo período do ano passado (eram 13,4 milhões), o país vive um dilema na saúde pública, com uma pandemia que já contaminou cerca de 160 mil brasileiros, deixou mais de 11 mil mortos e obrigou o comércio e a indústria a diminuir o ritmo como nunca visto na história recente do mundo.
Nos três primeiros meses do ano, conforme divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 12,2% da população brasileira estava desempregada, o que corresponde a 12,9 milhões de pessoas. Em comparação com o último trimestre de 2019, esse número significa uma alta de 1,3 ponto percentual no índice de desempregados. Já em relação ao mesmo período do ano passado, houve uma melhora de 0,5 ponto percentual. No entanto, esse índice representa os dados de empregabilidade dos três primeiros meses do ano e, portanto, exclui abril, mês mais afetado pelas consequências econômicas do isolamento social para frear o avanço da COVID-19, no território brasileiro.
VÍDEO PUBLICADO EM 01/05/2019:
VÍDEO PUBLICADO EM 01/05/2019:
Simultaneamente ao isolamento, o governo federal anunciou medidas de concessão de crédito a empresas e auxílios emergenciais a pessoas físicas para tentar salvar empregos e garantir uma renda básica à população. Entre essas medidas, estão três parcelas de R$ 600 concedidas a microempreendedores individuais (MEIs), contribuintes da Previdência Social e trabalhadores informais que pertençam à família com renda per capita não superior a R$ 522,50, ou com renda total abaixo de R$ 3.135. Em caso de mães chefe de família, o benefício pode chegar até R$1.200.
De acordo com a Caixa Econômica Federal, até a última quinta-feira, cerca de 50 milhões de pessoas já tinham recebido o benefício. A previsão é de que ao longo de maio, outros milhões de pessoas entrem nessa conta. Além disso, o governo anunciou um programa que garante o seguro-desemprego a trabalhadores que tiveram seus contratos suspensos por até dois meses. A medida também estabelece uma dinâmica de completar o salário daqueles que tiveram os vencimentos reduzidos, sempre com base no seguro-desemprego. De acordo com o Ministério da Economia, até o último dia 7, mais de 6 milhões de pessoas já tinham entrado no programa – 600 mil em Minas Gerais.
Esse é o caso de Augusto Henrique Meiva da Silva, de 28 anos. Ano passado, quando o Estado de Minas conversou com ele, a preocupação era outra: Augusto trabalhava como professor de inglês, porque não conseguia encontrar emprego no ramo da engenharia de produção, área em que se formara em dezembro de 2017. Atualmente, ele continua na escola de idiomas, mas devido à pandemia, teve seu contrato suspenso por dois meses e vive com os cerca de R$1,8 mil do seguro-desemprego. “Cheguei a fazer alguns cálculos e, mesmo com a redução, dá para pagar as dívidas. Não dá para fazer nada a mais, só esses gastos mensais e, talvez, guardar algo para uma urgência”, conta.
Quase dois anos e meio depois de se formar, Augusto explica que não busca mais emprego em sua área inicial. Após inúmeros “nãos”, ele agora pretende se profissionalizar na carreira de professor, enquanto monetiza um blog de viagens (mochila e prosa) que tem com seu amigo. “Ainda não conseguimos fazer dinheiro com o blog, mas pretendíamos fazer a partir deste ano. No entanto, muito do que a gente escreve é em relação à viagem e agora as pessoas não estão procurando sobre isso, porque não podem viajar”, lamenta.
EFEITO CASCATA Em Belo Horizonte, o isolamento social deve durar dois meses, já que, após pressão do empresariado, o prefeito Alexandre Kalil (PSD) anunciou que pretende flexibilizar a medida a partir do próximo dia 25. No entanto, assim como já vem sendo feito em cidades asiáticas e europeias, eventos, festivais e festas devem demorar para voltar, já que qualquer aglomeração maior de pessoas pode acarretar uma nova onda de contágio.
Pensando nisso, o segurança Renato Gil, de 36 anos, já cogita mudar de área, para garantir o sustento de suas filhas de 8 e 18 anos. No ano passado, Renato contou ao EM que não tinha contrato fixo desde agosto de 2016, quando foi demitido de uma empresa que prestava serviço de segurança para a Receita Estadual. Desde então, ele vinha atuando em eventos isolados para ajudar sua esposa, que é técnica de enfermagem, a pagar as contas.
“Eu tinha contato com conhecidos que me chamavam para trabalhar como vigilante. Trabalhava e eles me davam o dinheiro por dia. Mas com essa pandemia, todos os eventos foram suspensos. Se eu não voltar a trabalhar logo, praticamente não aguentarei nem mais um dia. Eu e minha esposa sempre dividíamos os gastos com os filhos, mas como não estou recebendo nada, ela que está tendo que segurar tudo”, conta.
Para aguentar financeiramente, Renato já começou a cortar serviços não essenciais, como internet e TV a cabo. Ele explica que financiamentos feitos antes da pandemia também já não serão pagos. “Vamos ter que deixar de pagar e o nosso nome vai para o SPC. Temos que cortar os gastos para continuar nossas vidas, porque é completamente impossível continuar pagando tudo”, afirma.
''Estou desesperançoso de a minha área voltar agora. Se eu pudesse entrar no calendário, eu apagaria o ano de 2020''
Marcelo Bastos, relações-públicas
Outra consequência da COVID-19 que atrapalhou os planos de Renato foi a suspensão do programa de menor aprendiz da filha de 18 anos. Mesmo que a remuneração não fosse grande, ele e a esposa já estavam contando com a quantia para relaxar o programa financeiro da família. “Acabei solicitando o auxílio de 600 reais no meio de abril, mas ele está em análise, não sei o porquê de tanta demora. Talvez nossa renda familiar não permita”, questiona.
EMPREGADO POR UM MÊS Situação parecida é vivida por Marcelo Bastos, de 54 anos e pai de dois filhos (14 e 21). Com vasta experiência em relações-públicas, no ano passado ele contou ao EM que estava desempregado há 2 anos e 4 meses, depois que perdeu um cargo de confiança na prefeitura, com a troca de governo. Sete meses depois da reportagem, ele voltou a arrumar um emprego, por indicação de um amigo; contudo, mais uma vez sofreu com a troca de superiores e voltou a ficar desempregado.
Depois disso, Marcelo voltou a trabalhar apenas como mestre de cerimônia, função que já exercia paralelamente quando estava empregado. Porém, com a pandemia, ele viu suas demandas irem por água abaixo, já que os eventos foram todos cancelados. “O último setor que vai voltar é o de eventos e sabe-se lá se as pessoas vão querer fazer, porque elas vão ficar preocupadas. Acredito que esse setor só vai se restabelecer no ano que vem. Estou desesperançoso de a minha área voltar agora. Se eu pudesse entrar no calendário, eu apagaria o ano de 2020”, afirma.
A família também sofreu com a suspensão do contrato de estágio do filho mais velho, que apesar de não ser uma quantia grande, já ajudava em algumas despesas. “Sei que quando as coisas voltarem, meu filho volta também. Mas como a minha área vai ser a última, eu não posso nem pensar em fazer cálculos de sobrevivência. Se eu pensar, a gente endoida”, finaliza.
PARTE 2: APESAR DA PANDEMIA, HÁ QUEM CONSEGUIU MANTER O EMPREGO
PARTE 2: APESAR DA PANDEMIA, HÁ QUEM CONSEGUIU MANTER O EMPREGO