A médica Thaisa Belligoli Senra Freire tem 34 anos. Cinco anos após concluir a residência, foi surpreendida com o cenário da pandemia da COVID-19, que contaminou mais de 241 mil pessoas e matou 16 mil no Brasil desde fevereiro. “Nunca imaginei algo assim”, comentou à reportagem do Estado de Minas.
Leia Mais
Sem quarentena, mortes por COVID-19 em BH já teriam quadruplicadoAbalada por descobrir que estava com COVID-19, mulher foge de hospital em ContagemCasal testa positivo para COVID-19 após festa com 23 pessoas em FelixlândiaCom controle de entrada, Mercado Central é reaberto em BHPrefeitura de BH instala 10 barreiras sanitárias e inicia inspeçãoFesta com som alto acaba em confusão com PMs no Norte de Minas; veja vídeoQuem são os excluídos 'por engano' do Auxílio Emergencial de R$ 600Há medo, perdas, momentos de alegria e muita vontade de ajudar. Thaisa também dá um recado a toda a população: “Se cuidem e cuidem dos outros”.
Leia a seguir o depoimento da médica mineira
"Trabalho nos hospitais Infantil Sabará, 9 de Julho e Israelita Albert Einstein, onde passei a atuar também nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), devido à elevada taxa de infecção pela COVID-19 e consequente aumento de leitos na UTI, com quadro de intensivistas menor que o necessário para assistência aos pacientes dessa inesperada pandemia. Por essas razões e pela nossa experiência com pacientes críticos em situações de urgência e emergência, manejo das vias aéreas e da ventilação mecânica – próprias dos anestesiologistas –, fomos convidados pelos diretores a ajudar no tratamento.
Fiquei muito temerosa, não só pela possibilidade da minha própria contaminação, mas, principalmente, pelo aumento do risco que levaria para meu lar, onde tenho esposo, uma filha de 2 anos e um filho de sete meses. Por outro lado, não conseguiria cruzar os braços diante da situação que estamos vivendo e pelo juramento que fiz ao receber o título de médica. Aceitei o desafio.”
Medo e missão
“Confesso que inicialmente pensei em desistir. Senti medo, angústia e me perguntei várias vezes se minha decisão foi coerente, aumentando os meus riscos e, consequentemente, os riscos para minha família. Perguntava-me: 'E se eu morrer? E se eu os contaminar e eles morrerem?'. Nesse mesmo dia, um paciente olhando para mim disse: 'Você é essencial aqui não só pela profissão, mas pela sua pessoa. Consigo ver seu lado humano'. Adquiri força. Vi que podia fazer diferença cuidando das pessoas que demandavam assistência à saúde tão comprometida naquele momento.”
Perdas e vitórias
“Era grande o número de infectados graves, jovens doentes, impossibilitados de ir ao banheiro sem oxigênio, exames investigatórios alterados, pacientes sufocados, isolados no leito, lutando para respirar, longe da família, com medo de morrer e não ver mais seus entes queridos. Perguntavam-me se sobreviveriam, se voltariam à normalidade ou ficariam com alguma sequela, ainda que emocional. Tudo isso me estimulava ainda mais a tentar ajudá-los.
Presenciei jovens sem comorbidades (outras doenças) serem entubados e evoluírem a óbito, como também idosos evoluírem bem e voltarem para suas casas. Tivemos um colega de trabalho entubado com toda a equipe comovida e chorosa. Assisti um funcionário de idade recebendo alta após beirar a morte. Todos devemos nos cuidar.”
Rotina pesada
“Atualmente, como o movimento no centro cirúrgico diminuiu bastante, minha rotina basicamente é com a assistência aos pacientes infectados, tanto nos cuidados na UTI quanto no transporte para tomografia dos pacientes entubados devido à COVID-19. Além disso, faço parte do time de entubação, de forma que somos acionados por todos os setores do hospital para entubar pacientes com a doença. Também continuo fazendo anestesia nos pacientes que são submetidos a cirurgias de urgência.”
Deixei de passar vários momentos com minha família enquanto estava estudando em busca de novos conhecimentos relativos à COVID-19, fazendo reuniões on-line com a equipe para discutir as melhores condutas. Mas a recompensa de ver uma alta hospitalar é grande, pela medicina e pela postura profissional.”
Cuidados e receio
“Trabalho com todo EPI (Equipamento de Proteção Individual) necessário, não nos falta nada nos hospitais onde atuo. Continuo temerosa, mas sinto mais medo fora do hospital. Sei com quem estou convivendo e o tempo todo estou concentrada nos cuidados para não ser contaminada. Já na rua, no supermercado, na padaria, não tenho a mesma segurança, considerando que a chance de me infectar pode ser maior.
Por fim, se cuidem e cuidem dos outros. Fiquem em casa todos que não forem essenciais ao trabalho neste momento de infecção tão contagiosa e grave.”