Jornal Estado de Minas

Coronavírus: isolamento dá fôlego para os hospitais de BH

Coleta de sangue no laboratório Lustosa: solicitação de alguns testes para acompanhamento de doenças crônicas caiu 80% (foto: Pedro Vilela/Divulgação %u2013 2/4/20 )
A imagem dos leitos vazios no hospital de campanha montado no Expominas se repete na rede particular de Belo Horizonte. Diante da crise no atendimento enfrentado por várias cidades do mundo, tanto na rede pública quanto na privada, os hospitais de referência da capital prepararam, corretamente dada a gravidade da doença, operações de guerra. Leitos de terapia intensiva foram ampliados, equipes de profissionais de saúde reforçadas e equipamentos de proteção individual (EPIs) adquiridos. No entanto, as medidas de isolamento social adotadas pelo prefeito Alexandre Kalil desde 20 de março fizeram com que as curvas de contágios e de mortes se mantivessem controladas na capital, embora a situação continue sendo de atenção.



De acordo com a Sociedade Mineira de Infectologia, cerca de 30% dos leitos destinados ao tratamento da COVID estão ocupados na rede privada. Considerando também os públicos, a ocupação é de 40% dos leitos de UTI e 34% das vagas de enfermaria reservadas para a doença na capital mineira, segundo o Boletim de Monitoramento e Retomada de Atividades, publicado na sexta-feira pela prefeitura, que considera alerta amarelo índices entre 50% e 70% e aponta risco de aumento nas internações nos próximos 14 dias. Curiosamente, há mais vagas que as disponíveis geralmente também em leitos para o tratamento de outras doenças. Isso ocorre porque o número de pacientes que precisam de atendimento pela COVID-19 não ultrapassou o sinal verde e muitas pessoas com outros problemas de saúde deixaram de procurar os hospitais com medo de se contaminarem com o novo coronavírus. Cirurgias eletivas e procedimentos médicos foram adiados.

“O tsunami não chegou em BH”, afirma o diretor técnico do hospital Madre Teresa, Sérgio Murta. Com muita cautela, ele disse que a instituição preparou um plano de contingência, mas que o número de leitos ultrapassa, por ora, as necessidades. O hospital estabeleceu três níveis: o 1, estágio atual, com 10 leitos de UTI e 20 em internação, sendo 10 para casos confirmados e 10 para suspeitos; nível 2, em que o número de leitos dobra, passando para 20; e o nível 3, em que o número triplica, passando para 30. Cardiologista, o diretor ressalta que há muita cautela em relação ao avanço da doença diante da possibilidade de flexibilização das atividades, que começa a ser feita nesta segunda-feira na capital mineira. Belo Horizonte registra 1.351 casos e 39 óbitos confirmados por COVID-19.

O Hospital Madre Teresa tinha 16 pacientes internados com sintomas da COVID-19 na sexta-feira. Quinze permaneciam isolados em apartamentos. Desse total, sete tiveram diagnóstico confirmado e nove estavam sob investigação. Apenas um paciente, com suspeita, estava em tratamento na Unidade de Terapia Intensiva da instituição. Desde o início da pandemia, o hospital concedeu alta a 26 pacientes com COVID-19 e nenhuma morte ocorreu.



A instituição criou um comitê gestor para o enfrentamento da pandemia, que elaborou um plano de contingência. Uma das ações foi capacitar laboratórios para que os diagnósticos sejam feitos em tempo menor do que é liberado pela Fundação Ezequiel Dias (Funed), laboratório de referência que, na chegada do novo coronavírus em Minas, respondia pela maior parte dos exames tanto da rede pública quanto na privada. O hospital consegue saber se o paciente tem ou não a COVID-19 em prazo de 24 horas ou, no máximo, 48 horas. “Cada dia é um dia. Estamos aprendendo muito com doença. Estamos monitorando os casos”, diz Sérgio Murta.

Ele avalia que o fato de a curva de contágio e mortes pela COVID-19 permanecer sob controle no estado, os hospitais puderam se preparar ainda mais. O avanço do novo coronavírus teve um efeito curioso nos hospitais, que tiveram queda no faturamento de até 40%. Com medo de se contaminarem, muitas pessoas adiaram procedimentos e cirurgias eletivas. “Tivemos uma queda significativa”, afirma.

A ocupação controlada dos leitos preparados para os pacientes da COVID-19 também ocorre na Rede Mater Dei. Na sexta-feira, eram 16 pacientes internados, sendo 11 com o diagnóstico confirmado. “Neste momento, Mato Grosso e Minas Gerais são estados que estão performando bem em relação à pandemia”, diz o presidente da Rede Mater Dei, Henrique Salvador. O médico acredita que a doença se espalhou de forma mais acelerada nas capitais mais cosmopolitas, como São Paulo e Rio de Janeiro, e nas cidades que recebem muitos turistas, como as capitais do Nordeste do país. Ele reforçou a importância do isolamento social para evitar o estresse nos serviços de saúde. “Vimos a abertura de hospital de campanha no mundo inteiro. Quem imaginaria que uma cidade como Nova York, em um país rico e desenvolvido com hospitais de referência, passaria pelo que está passando? Sistema de saúde de países desenvolvidos foram colocados à prova”, afirma.


Apoio ao estado

A Rede Mater Dei pôde colaborar com o sistema público, com a oferta de 180 leitos na unidade de Betim. Esses leitos poderão ser cedidos para o governo de Minas para os casos graves de COVID-19. A rede também colaborou com a montagem de unidades de terapia intensiva no Pará. Em cada uma das três unidades da rede em Minas, o Mater Dei separou um andar para o atendimento dos pacientes da COVID-19.

Há equipes exclusivas para o acompanhamento de pacientes com a doença. “As equipes não atendem outros pacientes. Fizemos uma separação dos fluxos dos pacientes, de quem tem suspeita de COVID-19 e de quem não tem”, disse. Além disso, todas as pessoas, funcionários, pacientes e familiares, têm a temperatura medida quando chegam aos hospitais da rede e respondem a questionários sobre sintomas.

Henrique Salvador também é cauteloso em relação ao avanço da doença em Minas e reforça que cabe à população seguir com as medidas de prevenção, como o uso de máscaras, álcool em gel e a manutenção do distanciamento social. “São cuidados universalmente aceitos como importantes”, diz.



Em nota, a Unimed-BH informou que implantará 200 novos leitos, sendo 50 de UTIs adulto, 10 de UTI pediátrica e 160 novos leitos de internação. Em toda a rede Unimed, foram confirmados 142 casos de COVID-19. No momento, são 24 pacientes internados, sendo nove na UTI e 15 em leitos ambulatoriais.

Segundo dados do último boletim epidemiológico da COVID-19 em Minas, 1.288 dos 6.668 pacientes que tiveram o diagnóstico confirmado passaram por internação em hospitais públicos e privados do estado desde o início da pandemia. (MMC)
Contratação na rede pública

A Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) abriu novo chamamento emergencial para o preenchimento de vagas temporárias e imediatas para médicos que vão atuar, exclusivamente, na terapia intensiva do Hospital Eduardo de Menezes, em Belo Horizonte. O hospital é referência no tratamento da COVID-19. Os candidatos devem se inscrever até as 17h desta segunda-feira. São oferecidas seis vagas para médicos (terapia intensiva), além de oportunidades para o cadastro reserva. Os vencimentos básicos variam entre R$ 2.995,77 e R$ 9 mil, dependendo da carga horária semanal. A Fhemig anuncia também a contratação imediata e temporária de profissionais para atuar no enfrentamento ao COVID-19 no Hospital Regional de Barbacena (Dr. José Américo), na Região Central do estado. São 18 vagas para médicos de qualquer especialidade, com vencimento básico de R$ 4.595,02 para 12 horas semanais; e quatro para fisioterapeutas respiratórios, com vencimento de R$ 3.845,24 para 30 horas semanais. Há ainda 25 vagas para técnicos de enfermagem, cinco para enfermeiros e uma para auxiliar administrativo.

Recuo arriscado de exames

Laboratórios de Belo Horizonte registram drástica redução da demanda por exames rotineiros como hemograma, colesterol e triglicérides desde o fim de março -– início da vigência do primeiro decreto municipal sobre isolamento social, que visa conter o surto do novo coronavírus. A queda no volume das análises – necessárias sobretudo ao acompanhamento de doenças crônicas como diabetes e hipertensão – ultrapassa 40% em pelo menos quatro redes que atuam na capital. Uma delas relata diminuição de 80% na procura por esses serviços.



Especialistas atribuem o cenário ao receio da população de contrair o vírus ao buscar atendimento, bem como às mudanças impostas pelo distanciamento social à relação médico-paciente. E alertam: a negligência ao controle clínico pode deixar os doentes crônicos ainda mais vulneráveis aos efeitos da COVID-19, além de aumentar a mortalidade desse grupo após a pandemia.

No laboratório Lustosa, com 20 unidades em BH, o gerente técnico Adriano Basques conta que a solicitação de exames de dosagem e concentração da glicohemoglobina, recomendados de 2 a 3 vezes por ano principalmente aos diabéticos – caiu 80%. A mesma variação negativa foi observada nos pedidos de testes hormonais (periodicamente prescritos a pessoas com doenças tireoidianas, por exemplo), anticoagulantes, entre outros que aferem funções renais e hepáticas.

“São procedimentos muito utilizados não só para diagnósticos, como também para o ajuste da dose de medicamentos. Acreditamos que os pacientes veem os laboratórios como um lugar com alto risco de contaminação pelo coronavírus, mas isso não procede. Todo o setor adaptou seus fluxos para evitar a propagação da COVID-19. A segurança oferecida nos ambientes, portanto, é alta”, afirma Adriano.



CEO do grupo São Marcos, que mantém 57 pontos de coleta na cidade, Ricardo Dupin relata que, na primeira semana após decreto do prefeito Alexandre Kalil, houve desaparecimento de 70% da clientela. O movimento voltou a crescer, mas o déficit nas análises clínicas ainda é de 45%. “Antes da pandemia, atendíamos cerca de 3.500 pessoas por dia na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Hoje, o volume diário tem sido de 1.900”, calcula o médico. Para evitar descolamento dos pacientes, o laboratório reforçou as equipes de assistência em domicílio e disponibilizou o agendamento pela internet, medidas avaliadas por Dupin como de "efeito discreto".

Estratégia semelhante foi adotada na rede Hermes Pardini, onde o agravamento da epidemia também é citado como motivo de redução do atendimento em todas os 75 postos da empresa na capital. No laboratório São Paulo, com 10 unidades instaladas na cidade, até as grávidas vêm interrompendo o monitoramento pré-natal, segundo o hematologista e sócio-diretor do estabelecimento, Daniel Ribeiro. “É um quadro que preocupa, porque as consequências do descontrole são sérias. As complicações a médio prazo, principalmente para o portador de doença crônica, que depende de um cuidado rotineiro, podem ser graves. Sem acompanhamento, esses pacientes têm qualidade e até a expectativa de vida reduzidas”, pondera o profissional de saúde. (CE)