Há dois meses, as pacatas ruas de Salto da Divisa, no Jequitinhonha, se tornaram ainda menos movimentadas. Assim como em grandes centros urbanos, a cidadezinha de 7 mil habitantes também implementou medidas de isolamento social. Por lá, porém, o objetivo não era diminuir a velocidade de disseminação da COVID-19, mas impedir que o coronavírus chegasse. Afinal, um paciente que precisasse de leitos de UTI teria que percorrer 376 quilômetros até Teófilo Otoni, numa viagem de aproximadamente cinco horas. Outra opção seria buscar ajuda fora de Minas Gerais, em municípios baianos.
Apesar do esforço da população e das medidas tomadas pelo poder público, o vírus chegou a um morador de Salto da Divisa, segundo a Secretaria Estadual de Saúde (SES). De acordo com boletim divulgado diariamente pela administração local, não há registros de infecção na cidade. Ou seja, o paciente foi testado e iniciou o tratamento em outro município. E é assim que tem sido em várias cidades mineiras.
São centenas de municípios sem leitos de UTI ou respiradores mecânicos, fundamentais para o tratamento de casos graves de COVID-19. E o vírus já chegou lá. Até essa terça-feira, 397 das 853 cidades de Minas Gerais (46,5%) tinham casos confirmados da doença (veja evolução no gráfico abaixo).
São centenas de municípios sem leitos de UTI ou respiradores mecânicos, fundamentais para o tratamento de casos graves de COVID-19. E o vírus já chegou lá. Até essa terça-feira, 397 das 853 cidades de Minas Gerais (46,5%) tinham casos confirmados da doença (veja evolução no gráfico abaixo).
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Veja no mapa animado abaixo como a COVID-19 se propagou no estado:
Veja no mapa animado abaixo como a COVID-19 se propagou no estado:
O processo de interiorização do vírus causa alerta em especialistas e administradores públicos. Apesar de geralmente terem menor densidade populacional - o que diminui o potencial de propagação da doença -, essas cidadezinhas preocupam justamente por não terem sistemas de saúde com infraestrutura adequada para suportar os reflexos de uma pandemia.
“Uberlândia, Montes Claros e Juiz de Fora têm certa estrutura hospitalar. No entanto, algumas cidades menores não possuem essa rede hospitalar com leitos e respiradores. Essas regiões que têm estruturas hospitalares um pouco mais fragilizadas não estão preparadas para enfrentar esta grande crise. A gente tem que jogar toda a nossa energia na prevenção: evitar a doença para evitar uma explosão de casos em cidades que não têm estrutura hospitalar robusta”, analisa o professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Unaí Tupinambás.
Segundo análise do projeto Coronavírus-MG com base em dados públicos, 196 cidades mineiras integram regiões de saúde sem nenhum leito de UTI até o fim de abril. Das 89 unidades administrativas sanitárias de Minas, 29 (um terço) não possuem a estrutura necessária para atendimentos mais complexos de pacientes com COVID-19. Nos últimos meses, o governo estadual reforçou investimentos na área, mas a interiorização do vírus a localidades com infraestrutura pior ainda preocupa.
Cenário atual
Apesar da subnotificação em decorrência dos baixos índices de testagem, o sistema de saúde mineiro tem dado conta da demanda de pacientes com COVID-19. O SUS de Minas Gerais conta com 12.298 leitos clínicos, 2.676 leitos de UTI e 4.564 respiradores, segundo dados do último dia 24. Consideradas todas as enfermidades, as taxas de ocupação dos leitos clínicos e de UTI eram, respectivamente, de 67,3% e 65,9%.
Os números tecnicamente positivos - especialmente se comparados a outros estados brasileiros - dão fôlego extra ao sistema de saúde mineiro. O avanço do vírus ao interior, porém, deve aumentar a demanda de transferência de pacientes para cidades com melhor estrutura. A ‘migração’ de infectados, então, pode sobrecarregar outros municípios.
“Nas unidades básicas de saúde, normalmente há um cadastro e o atendimento é georreferenciado, sendo possível controlar melhor o atendimento apenas de pessoas do município. Mas nas unidades de urgência não existe esse controle, todos têm direito de ser atendidos em qualquer unidade de urgência do Brasil. Dessa forma, apesar de haver regulação da demanda de outros municípios, não é possível regular a demanda espontânea de pacientes de outros municípios que busquem diretamente as unidades de urgência em municípios vizinhos”, explica o diretor da Sociedade Mineira de Infectologia, Antônio Toledo Júnior.
Pressão na capital?
O avanço do vírus na Região Metropolitana e no interior de Minas Gerais pode significar um problema para Belo Horizonte, que aparentemente tem conseguido controlar o avanço da doença até aqui. A capital, que iniciou a reabertura do comércio na última segunda-feira, pode ter o sistema de saúde pressionado pela migração de pacientes advindos de outras partes do estado, especialmente aquelas que não tiverem boa estrutura hospitalar.
A demanda de quem não vive em BH já começou a ser percebida. Até essa terça-feira, tinham sido feitas 2.120 solicitações de internação na capital por suspeita de COVID-19, segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde. Desse total, 363 (17,1%) partiram de pessoas que moram em outras cidades mineiras ou outros estados.
Apesar da demanda de várias partes do Brasil, é na Região Metropolitana que está a maior preocupação nesse sentido. Das 34 cidades que compõem a Grande BH, 30 já confirmaram casos de coronavírus. Os cinco municípios que mais demandam da capital internações por COVID-19 são Sabará (15,7% dos pacientes "importados"), Santa Luzia (13,5%), Vespasiano (8,5%), Ribeirão das Neves (7,7%) e Caeté (5,0%). As demais solicitações partiram de moradores de outros 51 municípios.
Desde maio, o prefeito Alexandre Kalil (PSD) tem mostrado preocupação com o avanço do vírus no interior e a consequente migração de pacientes para BH. “Ajudando o interior, estarão protegendo BH. Deixo meu recado para o interior que a situação está ficando perigosa. BH não tem a menor condição de aguentar todo o estado numa situação de piora dessa pandemia”, alertou, no último dia 5.
Segundo dados de domingo, BH tinha taxas de ocupação de leitos de UTI e de enfermaria em 77% e 65%, respectivamente. Na avaliação da prefeitura, os números permitem flexibilização do isolamento social e demonstram que a cidade tem capacidade de suportar um eventual aumento no número de casos.
A preocupação com as outras cidades, porém, fez com que BH instalasse barreiras sanitárias para fiscalizar pessoas que chegam à capital. Há ainda um plano emergencial para melhorar a estrutura do sistema de saúde em caso de necessidade.
“Temos um plano emergencial para quase dobrar o número de leitos tanto de CTI, quanto de enfermaria, caso haja necessidade. Isso em apenas sete dias. No entanto, a gente fica preocupado com essa pressão que pode vir a ter do interior, da Região Metropolitana, para Belo Horizonte. A gente conta com a colaboração, é claro, da população da Região Metropolitana e de toda Minas Gerais para evitar, para prevenir a infecção”, pontua Unaí Tupinambás, que integra o Comitê de Enfrentamento à Epidemia de COVID-19 da capital.