Maio costuma ser sinônimo de festa nas comunidades quilombolas, guardiãs de conhecimentos e tradições da cultura negra em Minas. No entanto, o novo coronavírus mudou costumes também nesses espaços. Para se proteger, matriarcas e patriarcas de dois dos mais importantes remanescentes de quilombos mineiros orientam os mais jovens a ficarem em casa, usar máscara e álcool em gel. Parte importante da identidade desses povos, os festejos em homenagem a Nossa Senhora do Rosário também terão de mudar. Foi o que descobriu o Estado de Minas no Quilombo dos Arturos, em Contagem, e no Quilombo do Açude, em Jaboticatubas, ambos na Grande BH.
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Localizada na Serra do Cipó, um importante polo turístico, a comunidade também limitou a entrada de visitantes neste período de enfrentamento à pandemia. “Fechamos a comunidade para visita. Estamos nos protegendo bem, cuidando bem mesmo”, diz Flávio. Até mesmo os integrantes da comunidade que vivem em Belo Horizonte foram orientados a ficar onde estão, para guardar a quarentena. “Não transitamos pelas avenidas principais da Serra do Cipó. Só saímos para o essencial”, diz Flávio dos Santos. O cuidado é redobrado devido ao número de pessoas com mais de 60 anos, cerca de 20 moradores.
O reconhecimento da comunidade como remanescente de quilombo chegou em 2004, como espaço de manutenção das tradições da cultura negra. A agricultura familiar é uma fonte de onde tiram o sustento, nesses tempos suplementado com ajuda externa. “O pessoal tem ajudado bastante com cestas básicas”, diz Flávio.
Seguindo todos os cuidados que a ciência preconiza para a prevenção da COVID-19, os moradores têm esperança de que tudo vá passar, e que deixará ensinamentos. “O homem vem plantando há muito tempo. Agora está colhendo. Havia muita ganância. A Terra vem sofrendo demais com atitude do ser humano, que não pensa no próximo. Quando tudo isso passar, teremos um mundo melhor, mais coletividade, mais igualdade humana, mais valor à família”, acredita Flávio.
Restrições e
igrejas vazias
No Quilombo dos Arturos, as orientações da ciência também andam de mãos dadas com a fé, e os cuidados foram redobrados. A comunidade negra descende de Camilo Silvério da Silva que, em meados do século XIX, chegou ao Brasil num navio negreiro vindo de Angola. Fazem parte do grupo 80 famílias, cerca de 500 pessoas.
Entre eles, a quarentena está sendo guardada e todos usam máscaras. Maria das Graças de Souza, de 70 anos, uma das matriarcas, está assustada com o avanço no novo coronavírus. “Mudou demais a rotina. É muito difícil. A gente não pode sair. Mesmo com os cuidados dentro de casa, a gente ainda fica com medo”, afirma.
Entre as mudanças de que se ressente, estão a restrição a visitar as pessoas em hospitais e as mudanças nos horários do transporte coletivo. “Eu mesma, de 9h para trás é que posso tomar ônibus. Tudo está difícil”, constata. Na avaliação dela, a pandemia é uma prova de Deus. “As pessoas querem passar por cima Dele, não querem ter caridade. Muita coisa está ocorrendo para ver ser os seres humanos mudam”, afirma.
Um dos patriarcas dos Arturos, Mário Braz da Luz, conta que nunca enfrentou situação parecida em seus 87 anos de vida. “Se Deus quiser acabar com o mundo, é coisa de minuto”, filosofa. Ele acredita que a epidemia exige que as pessoas tenham mais união, mas lamenta a suspensão das festas religiosas, tão tradicionais na comunidade. “Semana Santa não teve procissão. As igrejas estão todas vazias”, lamenta.