Jornal Estado de Minas

Testes positivos para COVID-19 em Minas ultrapassam Nova York


A positividade de pessoas testadas para COVID-19 em Minas Gerais, que é a relação de testes realizados para infectados e doentes encontrados, já chega a 23% e é superior à verificada em Nova York, por exemplo, que era na casa de 20% durante o pico da epidemia. “O problema em Minas, infelizmente, é grande. Um em cada cinco se mostrando positivo, cada doente infecta 50 pessoas em pouco tempo. Isso significa que tem muita gente infectada circulando por aqui e que não deveria fazer distanciamento social, mas isolamento, inclusive da família”, afirmou ontem, após reunião on-line do Hospital Samaritano, em São Paulo, o professor da USP e cardiologista do Hospital Albert Einstein Márcio Sommer Bittencourt, uma das autoridades sobre controle do novo coronavírus (Sars-CoV-2) no Brasil. Ele recomenda medidas ainda mais duras no estado e critica a falta de testes em mortos e pacientes com síndrome respiratória aguda grave (SRAG), como mostrado pela reportagem do Estado de Minas desde 10 de maio.





O especialista se baseia em dados da Fundação Ezequiel Dias (Funed), de 19 de maio, que mostram que uma escalada acentuada da curva de exames positivos no estado. Ou seja, sempre que se faz testes, se encontra um número cada vez maior de infectados (veja a tabela) apesar de o número de amostras examinadas se manter no mesmo patamar diário. No início da epidemia em Minas Gerais, entre 22 e 28 de março, a positividade de testados era menor que 5%. Esse índice só foi alcançado entre 12 e 18 de abril. A escalada foi forte no mês de maio. Chegou a 10%, entre 3 e 9 deste mês, saltando para 15% entre 10 e 15 de maio e alcançando 23% do dia 17 ao 18.

“O gráfico de positividade mineira é assustador. Isso aqui assusta demais. Ter muitos resultados positivos significa testar pouco ou ter muitos doentes. Não aumentaram a testagem significativamente em Minas Gerais, que está em cerca de 222 exames por dia, sendo que o estado começou com menos de 5% (de positivos) e está agora com 23%”, destaca Bittencourt. “Nem na rede privada (MG) está com positividade baixa”, alerta.

O professor da USP e médico do Hospital Albert Einstein destacou também preocupação com a baixa testagem em Minas Gerais dos casos de SRAG, como vem alertando o EM. Na edição de ontem, a reportagem mostrou que a síndrome já afetou expressivamente mais mineiros que em 2019, com 8.099 doentes neste ano contra 1.024 do mesmo período do ano passado, uma alta de 691%. As mortes saltaram de 116 para 1.088, um aumento de 838% durante a pandemia. Contudo, entraram na testagem para a COVID-19 apenas 3.139 (38,7%) doentes e 307 (28,2%) mortos com esse quadro, segundo o Ministério da Saúde. “Só aí já dobraria o número de casos graves. São 234 óbitos por COVID-19 confirmados (atualmente). Mas a maioria dos óbitos de SRAG ficou sem diagnóstico. O estado realmente tem mais testes do que eu esperava, me informaram 19.601. Como explicam não ter testes para todas as SRAG? A capacidade instalada também sugere que dá para testar todos esses casos, mas, infelizmente, o estado fala em 222 PCR por dia (exame de laboratório que usa enzimas para detectar a presença do vírus no paciente)”, avalia Bittencourt.





ESTRATÉGIA

Para o médico, ainda é cedo para que se fale em abertura e o estado deveria planejar uma estratégia mais rígida de enfrentamento que poderia ser capaz de controlar a epidemia em menos de um mês. “Fazer só exame sorológico, depois que a pessoa está infectada, não adianta. Do ponto de vista do controle, quem está com sintomas (gripais) tem de fazer isolamento. Sair de circulação inclusive da família. Quem não pode, a população mais pobre, o estado teria de fornecer isso, com hotéis, hospedagem universitária, alguma solução. Enquanto isso, a família e as pessoas que tiveram contato se isolam”, indica.

Os casos confirmados atualmente são 7.516, mas os suspeitos, que têm sintomas e precisariam estar isolados até serem testados, chegaram a 101.572 segundo o último boletim que trazia esse tipo de informe, de 13 de maio. Naquela altura, os confirmados eram 3.733, ou seja, sofreram um aumento de 101%. Para o médico, as pessoas com suspeita deveriam estar totalmente isoladas, enquanto as que apresentaram sintomas precisariam de buscas ativas rastreando com quem tiveram contato e indicando o afastamento social a essas pessoas. “A média de tempo que uma pessoa transmite a COVID-19 é de nove dias. Se conseguirmos isolar os casos suspeitos e sintomáticos por 10 dias, isto é, uma semana e meia, você controla a doença mesmo não tendo muitos testes. Mas falta cair a ficha de que investir em respiradores é enxugar gelo, esperar muita gente adoecer e morrer. Não é controle da doença”, afirma Bittencourt. “A projeção é de que as mortes continuem, pois estamos em fase de progressão da doença no Brasil. A doença não acelera, mas também não desacelera”, avalia.

Transmissores podem ficar invisíveis


Comparando as realidades e estudos mundias sobre a doença, o médico Márcio Bittencourt revela algumas características importantes da COVID-19 que podem ajudar no controle da sua proliferação. Até agora, a maioria dos casos é pouco sintomática e transmissível, se tornando invisível sem a testagem. O novo coronavírus se espalha tanto, ironicamente, por não ser tão mortal. “Quando a doença é muito letal, a pessoa sai de circulação rápido e vai para o hospital, como no caso do ebola. Isso impede a transmissão. Já uma doença de média letalidade, como a COVID-19, torna o doente capaz de circular e transmitir o vírus antes de ser internado”, afirma.





A distribuição do vírus é muito variável. A maior parte das pessoas não infecta ninguém, mas algumas infectam muitos. E os chamados superdisseminadores, que são pessoas com grande capacidade de infectar outras, no caso da COVID-19, estão ligadas a um conjunto de situações. “Desde uma pessoa com grande produção de saliva, à reunião de grupos em ambientes mais infectantes, fechados. Cenários oportunistas, como igrejas e cultos, onde as pessoas cantam. Cantar produz mais saliva e a projeta para mais longe. Teve um caso em um coral que todos pegaram e seis morreram. Nas academias, a capacidade de distanciamento é pequena e a permanência das pessoas é prolongada. Nesses locais a infecção é maior. Ao ar livre são muito poucos casos”, diferencia.


Governo admite subnotificação de 10%

Em meio ao enorme crescimento de mortes por síndrome respiratória aguda grave (SRAG) neste ano em relação a 2019, que conforme levantamento divulgado pelo Estado de Minas chega à marca de 838%, o governo do estado admitiu ontem que há subnotificação de casos de COVID-19 em Minas Gerais. "Dentro de uma lógica de vigilância, é natural supor que você tem um grau de subdetecção e um grau de subnotificação. Isso para qualquer patologia, em qualquer momento. Isso antes, durante e após a COVID-19”, disse o subsecretário em Vigilância e Saúde da Secretaria de Estado de Saúde (SES), Dario Ramalho. Para ele, contudo, o número de diagnósticos da doença pode ser corrigido em 10% – um caso extra para cada 10 –, o que significaria um acréscimo de 751 casos confirmados em Minas, que elevariam para 8.217 o total de infectados pelo novo coronavírus.

“Para qualquer patologia, existem inúmeras pessoas lá fora, que nós não temos capacidade de fazer o diagnóstico de todas elas", explicou Dario Ramalho, durante entrevista coletiva, deixando claro que há dificuldade por parte do estado para testar pessoas. Já o titular da Saúde Mineira, Carlos Eduardo Amaral, informou, na mesma coletiva, que foram distribuídos para as prefeituras 551 mil testes rápidos e que a orientação é para que sejam feitos em servidores da área da saúde e segurança que apresentem sintomas. A testagem, nesses casos, seria prioridade para que essa parcela da população possa voltar ao trabalho o quanto antes.





As afirmações foram feitas um dia depois de o próprio governador Romeu Zema (Novo) negar que houvesse subnotificação em Minas Gerais. “No passado, as pessoas, talvez, não procurassem tanto o atendimento médico. Hoje, estão procurando. Agora, podemos estar tendo, simultaneamente, aumento no número de gripes, resfriados ou algum problema respiratório, mas que não são COVID-19. Quando as pessoas têm sintomas (do novo coronavírus), são testadas. É um surto viral que não a COVID-19”, declarou em entrevista exclusiva ao EM.

Na edição de ontem, a reportagem do EM mostrou que há um aumento de 838% no número de mortes por Síndrome Respiratória Aguda (SRAG): de 116 no ano passado para 1.088 em 2020. E uma alta de 691% nos casos: de 1.204 nos 12 meses de 2019 para 8.099 neste ano, até a última semana epidemiológica com dados fechados pela Secretaria de Estado de Saúde. Apesar de os aumentos serem substanciais, entraram na testagem para a COVID-19 apenas 3.139 (38,7%) doentes e 307 (28,2%) mortos com esse quadro, conforme balanço obtido junto ao Ministério da Saúde.

Sobre a situação dos testes e seus resultados em Minas, a SES disse, por meio de nota, que segue as orientações do Ministério da Saúde, e fez “grande quantidade de testes”: um total de 20.254 exames PCR em sua rede pública de laboratórios. “É importante frisar que neste momento, conforme orientação do Ministério da Saúde, a indicação para realização para coleta de amostra e testagem é para unidades sentinelas de Síndrome Gripal (SG) e Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG); todos os casos de SRAG hospitalizados, todos os óbitos suspeitos, profissionais de saúde sintomáticos, agentes de segurança pública sintomáticos, por amostragem representativa e público privado de liberdade”, disse o órgão, em nota.





Para a secretaria o número de positivos alto em relação à testagem é observado de outras formas. “Mesmo não realizando exames em 100% dos casos notificados, a SES-MG possui mecanismos de controle capazes de avaliar o real cenário da doença. Um destes mecanismos é o acompanhamento diário dessas notificações”, diz o texto.


HIPÓTESES

Na mesma nota, a SES comentou o aumento de óbitos por SRAG, dizendo que há inúmeras hipóteses sobre o tema. “Pode estar relacionado à maior sensibilidade em notificar casos de SRAG, à circulação de outros vírus sazonais e à circulação da COVID-19 na população mundial. A SES-MG, ressalta, ainda, que todos os casos graves de SRAG são testados, conforme protocolo. Em 2020, tivemos um número maior de notificações, mas esse aumento não refletiu linearmente na sobrecarga do sistema público de saúde”.

A SES-MG destacou também que o número de óbitos em Minas Gerais é “relativamente pequeno, em relação a uma pandemia tão grande, e o sistema de saúde em Minas está preparado”. E acrescenta: “É necessário compreender também as dificuldades para se realizar a testagem das pessoas diante de um cenário que é de escassez no mundo inteiro”. (Márcia Maria Cruz  e Gabriel Ronan Com MP)