Uma surpresa em solo histórico valoriza ainda mais a história do patrimônio mineiro. A 14 centímetros da superfície do século 21, sob camadas de asfalto, brota um pedaço do passado de Minas, na forma de calçamento em pedras pé de moleque: é o que se vê diante da Capela Nosso Senhor do Bonfim, em Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Durante obras de readequação do adro do templo, que fica entre as ruas Direita e Floriano Peixoto, no Centro Histórico, a equipe encarregada do serviço encontrou a pavimentação de décadas atrás, que, se não é a original dos primeiros tempos da cidade de rico acervo barroco, ajuda a resgatar um pedaço de sua história.
Localizada em área tombada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG) e também protegida pelo município, a capela do fim do século 18, mais conhecida como Igrejinha do Bonfim, é uma joia colonial da cidade, tendo sido restaurada em 2008. Em visita ao espaço para acompanhar o trabalho iniciado há 20 dias e com previsão de término em 15 de julho, o secretário municipal de Cultura, Ulisses Brasileiro do Couto Filho, disse que o projeto tem recursos de R$ 138,4 mil do Fundo Municipal de Cultura e Turismo. “A readequação do adro será como um cartão de visitas para quem chegar ao Centro Histórico de Santa Luzia, pois fica bem na entrada”, afirmou.
Segundo a arquiteta Márcia Souza, da prefeitura, o adro ficará com 239 metros quadrados, já que foi acrescido de 60 metros quadrados a partir de projeto elaborado por ela e por Fabiane Calazans. “O objetivo maior da intervenção é proteger a edificação. Para nossa equipe, foi uma surpresa encontrar o calçamento debaixo do asfalto. Por isso, estamos fazendo novas prospecções para verificar se existe mais debaixo da parte mais alta que circunda a capela”, disse Márcia ao lado do superintendente de Cultura, Marco Aurélio Fonseca, da conservadora de arte Maria Clara de Assis e do turismólogo Tiago Nascimento.
O calçamento descoberto data das décadas de 1930 e 1940. Antes, houve outro, de pedras maiores, possivelmente entre o fim do século 19 e início do 20, conforme retratos da época. De acordo com Márcia Souza, as intervenções no templo contemplam composição paisagística, sistema de iluminação e também pintura da capela. O projeto prevê ainda mudança na questão viária, ficando o acesso para quem sobe a Rua Direita um pouco mais distante da construção. Desde o começo da obra a área se encontra fechada por tapumes. No projeto paisagístico, deverão ser colocadas floreiras para ornamentação.
REIVINDICAÇÃO A readequação do adro da igrejinha do Bonfim é uma antiga reivindicação da comunidade de Santa Luzia, com solicitação encaminhada ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). Em 2007, foi elaborado pelo Iepha “um projeto de remanejamento” até que, em setembro de 2013 foi firmado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre o MP, representado pela então promotora de Justiça da comarca de Santa Luzia Vanessa Campolina, com a prefeitura, Iepha, Paróquia Santa Luzia e Conselho de Políticas Culturais.
Para o promotor de Justiça da cidade, Marcos Paulo de Souza Miranda, “ a intervenção é importante para resgatar a maior visibilidade do monumento, o aspecto antigo da pavimentação e maior segurança para os pedestres”. O presidente da Associação Cultural Comunitária, Adalberto Andrade Mateus, comemora a ação. “Desde a restauração da capela, em 2008, aguardamos essa obra. Com certeza, é um passo importante para a valorização e segurança de nosso patrimônio.”
HISTÓRIA Nascida no período do Ciclo do Ouro, Santa Luzia, banhada pelo Rio das Velhas, tem como destaque do Centro Histórico a igreja matriz dedicada à padroeira e que, em 2020, comemora 20 anos como santuário arquidiocesano.
O tombamento estadual do núcleo histórico foi homologado pela então Secretaria de Estado da Cultura em 1998, e inscrito nos livros do Tombo arqueológico, etnográfico e paisagístico, do Tombo de belas artes e do Tombo histórico, das obras de artes históricas e dos documentos paleográficos ou bibliográficos.
De estrutura simples, reconstruída entre fins do século 18 e início do 19, a Capela do Bonfim tem características ornamentais rococós e neoclássicas, contando com um pequeno acervo de imagens e alfaias (peças religiosas tecidas em linho) do período disponíveis para visitação. O projeto de readequação do adro teve aprovação do Conselho Municipal de Cultura e do Iepha, que faz a supervisão técnica da obra.