O comportamento dos popularmente chamados domingueiros – pessoas que aos domingos reúnem sua família, amigos e vizinhos para passeios –, pode ser um dos pontos fracos do afastamento social em Belo Horizonte e até comprometer os recentes avanços, como a reabertura gradual do comércio. De acordo com levantamento do aplicativo de trânsito Waze, desde o início da epidemia do novo coronavírus (Sars-CoV-2), os domingos têm sido sucessivamente os dias da semana de maior movimento de carros na capital mineira, superando em 28,92% a média de tráfego do período (veja o gráfico abaixo).
A Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) informou que todas essas informações são levadas em conta para ações pontuais de dispersão de aglomerações, bem como fechamento de áreas como praças e mirantes. Lembra, também, que uma piora nos indicadores da COVID-19 pode obrigar a uma regressão das recentes aberturas. Na sexta-feira, o prefeito Alexandre Kalil anunciou que o comitê de enfrentamento da PBH vetou a progressão da abertura do comércio, que começaria amanhã. Especialistas condenam esse comportamento, que leva perigo mesmo com as pessoas dentro dos carros.
Desde 16 de março, quando o primeiro doente de COVID-19 foi confirmado em BH e as aulas foram suspensas, o movimento de veículos caiu vertiginosamente, chegando a despencar 69,85% na sexta-feira, 20 de março, quando o decreto de situação de calamidade pública estadual (Decreto 47.891/20) foi publicado e o afastamento social começou de forma mais sistemática. Em média, o volume de carros, motos, caminhões e ônibus em circulação na capital mineira se restringiu a 26,75% do normal desde o início da epidemia e desse comportamento de maior reclusão da população.
O dia de menor movimento registrado foi 10 de abril, uma sexta-feira, com 9,91% do movimento normal da cidade, justamente um dia depois de começar a vigorar o decreto municipal que suspendeu o alvará de funcionamento de estabelecimentos considerados não essenciais, como boates, casas de festas e eventos, feiras, exposições, congressos e seminários, shoppings, cinemas, teatros, clubes, academias, parques, bares, restaurantes e lanchonetes.
Contudo, a paciência de uma parcela dos belo-horizontinos parece não suportar o afastamento aos domingos. Já no primeiro domingo de distanciamento, o fluxo de automóveis apresentou seu primeiro pico, elevando-se 56,85% acima do movimento da sexta-feira, chegando a 47,28% do volume de um dia normal antes da pandemia. Essa ampliação de movimento se repetiu sucessivamente pelos 10 domingos de pandemia, com esse dia da semana registrando em média 47,93% do tráfego de um dia normal, contra a média de 26,75% dos dias comuns do período da epidemia.
O domingo de maior movimento foi em 10 de maio, marcado pelo Dia das Mães, data em que o trânsito de veículos chegou a 74,60% do normal, o que representa um aumento de 179% em relação à média de circulação dentro do período de afastamento social.
Risco
De acordo com o médico Marcio Sommer Bittencourt, pesquisador do Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica do Hospital Universitário da USP e professor da Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein, o trânsito se ampliando aos domingos amplia também a possibilidade de dispersão do novo coronavírus em Belo Horizonte e demonstra um afrouxamento que ele considera perigoso no comportamento de afastamento. “Se alguém entrar no carro e estiver infectado, é um risco de contágio para a comunidade. Ninguém entra para circular na Pampulha e fica apenas dentro do carro. Sempre desce do carro, interage e tem contato com o local aonde foi. Quem sai de casa de carro, sai para fazer alguma coisa. Vai ao mercado, num parque, visitar os pais ou avós. Se é constante e expressivo, é também preocupante numa época em que a epidemia não está controlada, mas em expansão”, afirma o especia- lista.
Bittencourt afirma que é necessário um outro tipo de postura para ajudar a conter a epidemia. “Tudo indica que se o movimento se dá aos domingos, trata-se de atividades opcionais, e não essenciais. É preciso que se entenda que esse período não é de férias, não é para lazer. Não é porque a pessoa não trabalha que pode expor a comunidade a riscos, como a ampliação do trânsito de pessoas. O surto não está controlado e esse problema aumenta a capacidade de o vírus progredir”, avalia.
Monitoramento é usado pela PBH para definir ações
O aumento de tráfego e o comportamento dos ocupantes dos veículos é observado pela Prefeitura de Belo Horizonte por meio de diversos serviços e sistemas de monitoramento, podendo desencadear ações caso traga alguma ameaça sanitária. De acordo com o subsecretário de Promoção e Vigilância à Saúde da Secretaria Municipal de Saúde (SMSA), Fabiano Pimenta, é possível detectar quais comportamentos trazem riscos com grande velocidade e isso é um fator importante para a tomada de decisões, como abertura ou fechamento de atividades. “Ao observar que houve algum desequilíbrio que cause aumento de casos, temos indicadores muito sensíveis e muito importantes, que nos permitem detectar dados diários da COVID-19 nas unidades de saúde, nos laboratórios, na rede de hospitais privados e isso tudo nos orienta”, informou.
O subsecretário afirma que o trânsito é um indicativo importante e que também é monitorado por outros aparatos da administração municipal. “Temos o Centro de Operações da BHTrans, que nos orienta sobre o fluxo de veículos por meio de câmeras e outros sistemas. Temos também informações sobre o transporte público de passageiros pela BHTrans”, afirma.
Os resultados de uma grande concentração de veículos num local podem ser também monitorados para levantar o risco que trazem. “Se notarmos um aumento de fluxo num determinado local, temos vários órgãos municipais que podem traduzir isso e alertar se é um comportamento perigoso, como a Superintendência de Limpeza Urbana (SLU), a BHTrans, a Guarda Municipal, a Secretaria Municipal de Saúde (SMSA), Secretaria de Desenvolvimento Econômico, a Secretaria de Planejamento e Gestão. Vamos procurar entender, em cada uma dessas regiões onde isso vier a ocorrer, quais são os motivos disso, se houve uma abertura de um determinado segmento que provocou aquilo. Se o fluxo estiver muito voltado para um determinado local, podemos observar se há a adesão de uso das máscaras e outros comportamentos”, afirma.
Se o fluxo intenso trouxer perigo de ampliação de casos da COVID-19, ações mais drásticas poderão ocorrer. “Medidas poderão e deverão ser adotadas se houver ameaças, inclusive regressão da abertura comercial. Acho que não há problema nenhum em recuar nessa abertura ao observar precocemente algum desequilíbrio em função de um vetor claro que causou esse desequilíbrio, esse aumento de casos. Não há nenhum problema em se fazer isso”, avisa Pimenta.