Um espaço cultural de Belo Horizonte que é tradicional palco de festas, feiras, exposições e até baile de carnaval tem agora uma função muito mais social. Nos próximos dias, a Serraria Souza Pinto, construção dos primeiros tempos da capital e integrante do conjunto arquitetônico da Praça da Estação, na Região Centro-Sul, vai funcionar como local de referência para acolher a população em situação de rua, fatia da população muito vulnerável à contaminação pelo novo coronavírus. A iniciativa é da Pastoral de Rua da Arquidiocese de Belo Horizonte, por meio do projeto Canto de Rua Emergencial.
Segundo a irmã Cristina Bove, da Pastoral Nacional do Povo da Rua, com sede em BH e organismo da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a ação na Serraria – como o prédio tombado pelo patrimônio é mais conhecido – faz parte da frente humanitária criada para atender homens e mulheres, de todas as idades, "principalmente diante da falta de políticas públicas específicas para o enfrentamento da situação". Entusiasmada com a iniciativa, a irmã destaca o papel, agora nesta pandemia, do imóvel "emblemático" para a cultura, pertencente à Fundação Clóvis Salgado, vinculada à Secretaria de Estado de Cultura e Turismo.
Nesses últimos dias, o interior do prédio vem sendo readequado para receber pessoas que, além da ameaça da COVID-19, enfrentam baixas temperaturas nas ruas – neste inverno rigoroso, já há registro de um óbito em rua de BH. Conforme dados do Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico), do governo federal, a capital tinha, em fevereiro, 9.060 pessoas em situação de rua.
Para melhor atendimento ao público, o espaço interno da Serraria será dividido em praças: de saúde, com profissionais para avaliar se há sintoma do novo coronavírus; de lanche; e da dignidade, envolvendo higienização (sanitários e banho). A questão social também será atendida para informações sobre documentos, denúncia a respeito de violência e explicações com relação aos direitos humanos. "O objetivo é dar atenção integrada a até mil pessoas por dia, dentro da concepção de garantia de direitos e promovendo ações de cuidados, proteção e informação", diz a irmã Cristina.
Ao mesmo tempo, a iniciativa está providenciando hospedagem, de modo especial para idosos e portadores de doenças crônicas. Cento e cinquenta pessoas serão recebidas em pousadas, sendo que 42 já estão hospedadas. Há mais duas ações: oferecimento de café da manhã e, a partir da semana que vem, em diversos pontos da cidade, de um kit de inverno, com saco de dormir, blusa de frio e meias.
Mãos dadas
A iniciativa mobilizou o poder público e empresas numa “rede do bem”, junto à Prefeitura de Belo Horizonte, Vicariato Episcopal para Ação Social, Política e Ambiental da Arquidiocese de BH e outras instituições, como o Instituto Unibanco, e entidades. Irmã Cristina destaca que a população de rua é, diariamente, "vítima de discriminação e preconceito, alvo de violações de direitos e carente de acesso a diversas políticas públicas. Assim, diante desse cenário e em função da pandemia, o Canto da Rua Emergencial será um espaço temporário de apoio e atendimento com diversos serviços".
Conforme os organizadores, toda a estruturação teve a interlocução com o Comitê da COVID-19, atendendo às orientações de distanciamento social, uso e distribuição de máscaras, higienização de mãos e do próprio espaço, tendo ainda planejamento para evitar aglomeração.