Jornal Estado de Minas

Denúncia

Coronavírus: familiares de presos protestam contra transferências e tortura

Familiares e amigos de pessoas inseridas no sistema carcerário se uniram em um ato nesta quinta-feira (04), em frente à Assembleia Legislativa de Minas Gerais, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, para denunciar o autoritarismo por parte do Estado, a manutenção da tortura e o genocídio da população negra e periférica no sistema prisional em Minas.


Entre as principais pautas estão as transferências de presos durante a pandemia do novo coronavírus colocando em risco a vida de quem está dentro do sistema e também de quem está fora dele.

O protesto foi organizado pelo Grupo de Amigos e Familiares de Pessoas Privadas de Liberdade em conjunto com a Frente Estadual de Minas Gerais pelo Desencarceramento.

Os manifestantes realizam o ato respeitando o uso obrigatório de máscara e o distanciamento adequado entre as pessoas.

Maria Teresa dos Santos é coordenadora da agenda estadual pelo desencarceramento e presidente da Associação de Amigos e Familiares de Pessoas Privadas de Liberdade. "Nós estamos em plena pandemia e, enquando a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda o isolamento, o sistema prisional tem movimentado presos todos os dias", afirma.


  


Ela aponta que os presos são transferidos para longe dos familiares.

"A lei é clara, e pessoas de Belo Horizonte, Contagem e Betim, foram mandadas para Formiga (Região Centro-Oeste do estado). Também soubemos de pessoas que estavam presas em Congonhas (Região Central) e foram levadas para a Nelson Hungria. Outros 60 presos da Nelson Hungria foram para Francisco Sá (Norte de Minas)", afirma.

Ela ainda pontua os presos não cometeram nenhuma falta que justifique a transferência. 

Ainda de acordo com familiares das pessoas em privação de liberdade, não se tem notícia dos parentes que foram transferidos.

  

Denúncias de agressões

"Constantemente recebemos denúncias de agressões físicas, uso de spray de pimenta nas celas e outros tipos de tortura, práticas essas que ferem os direitos humanos e a dignidade da pessoa humana", acrescenta Maria Teresa dos Santos.


Ela aponta que, com as visitas suspensas, os presos ficam mais vulneráveis a esse tipo de abuso: "A família vai até o presídio aos sábados, e se depara com o preso ferido. Mas, sem as visitas, não temos nenhuma notícia".

O grupo ainda denuncia que, em algumas unidades, o acesso à água é limitado a nove minutos ao dia para celas superlotadas e, em muitos casos, os kits de higiene enviados por companheiras, irmãs, esposas e mães não são entregues, contribuindo para tornar a saúde mais vulnerável e as unidades cada vez mais insalubres.

"E os que são entregues, muitas vezes, são recolhidos nas inspeções de celas. Ou parte dos materiais não é nem entregue, sendo colocada para doação", revela.


OAB APURA


O advogado especialista em assuntos carcerários e ex-presidente da Comissão de Assuntos Carcerários da Ordem dos Advogados do Brasil em Minas Gerais (OAB/MG) Fábio Piló sustenta que o número de transferências tem sido "elevadíssimos".


“O elevadíssimo número de transferências que ocorreram de abril para cá facilita muito o contágio de outras pessoas pelo vírus. Nós tivemos, segundo reportagens de 20 ou 30 dias atrás, aumento de 60% no número de transferências a partir de abril. Na Nelson Hungria mesmo, foram mais de 400 presos transferidos”, detalhou.

O advogado Anderson Marques Martins Pereira, presidente da Comissão de Assuntos Penitenciários da OAB/MG, também critica o número de transferências: "A transferência acaba efetivamente colocando em risco a vida dos indivíduos privados de liberdade e também dos próprios agentes penitenciários. Isso sim, aumenta e muito a propagação do vírus".

A Comissão de Assuntos Penitenciários da OAB/MG já oficiou o Estado. "De acordo com a comissão, essas transferências não estão seguindo de acordo com a lei de execução penal. Muitas dessas pessoas privadas de liberdade estão sendo transferidas para unidades distantes dos familiares e da comarca onde esta tramitando o processo. Isso fere a Lei por completo",  disse, confirmando as denúncias dos familiares. 


Sobre os kits, Anderson afirma: "Os kits estão sendo enviado apenas por Sedex e, muitas das vezes, os Correios entregam e as unidades não recebem. Isso está sendo uma prática por parte dos presídios, infelizmente. E já é algo que está sendo questionado junto à comissão."

A OAB também diz ter ciência sobre o racionamento de água

COVID-19 NOS PRESÍDIOS


O sistema prisional é um dos setores que mais preocupam no Brasil em relação à transmissão da COVID-19.  Até o momento, a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) confirma oficialmente nove casos da doença nos presídios de Minas, que têm 70 mil internos.

O advogado Fábio Piló dá conta que relatos de profissionais que atuam no sistema prisionais e OABs locais indicam que a quantidade de pessoas infectadas pode ser maior.

“Na Dutra (Penitenciária Dutra Ladeira), PPP (Penitenciária Público Privada, em Ribeirão das Neves), (Complexo Penitenciário) Nelson Hungria, (Presídio Inspetor José Martinho) Drummond, (Presídio de São Joaquim de) Bicas II e outras unidades temos agentes penitenciários e técnicos. O mais recente foi no Ceresp da Gameleira e antes na PPP e na Nelson Hungria com técnicos que foram infectados. Na Drummond, semana passada. Está se espalhando”, disse.


Ele reclama da falta de testagem e também cita as transferências ocorridas nos últimos meses entre detentos de diversas unidades, o que poderia contribuir para o aumento de casos da COVID-19.

SEJUSP FALA

De acordo com a Sejusp, hoje são nove detentos no sistema, mas já foram 11– dois receberam alvará de soltura e não estão mais sob a custódia do sistema prisional mineiro. "Com relação às demais unidades mencionadas pelo Fábio Piló, não procede a informação de eventuais novos detentos testados positivo para a COVID- 19, além daqueles que já informamos", afirma.

Sobre as transferências, pasta esclarece que o aumento se deu em decorrência da criação das 30 unidades prisionais que passaram a funcionar como porta de entrada do sistema prisional mineiro.

Essa foi uma das principais frentes de atuação da Sejusp, por meio do Departamento Penitenciário de Minas Gerais (Depen-MG), para combater a disseminação da COVID-19 no ambiente prisional – iniciativa elogiada, inclusive, pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública.

"Atualmente, cerca de 98% das transferências realizadas no sistema prisional mineiro são para cumprir esse protocolo: ou seja, transferência do presídio porta de entrada para outro presídio ou penitenciária, após completa certeza que, vindos do ambiente extramuro, não estão contaminados. Outras transferências que não são da porta de entrada, durante a pandemia, são excepcionalidade e levam em conta questões de segurança", disse nota.


A Sejusp esclarece ainda que a maior parte das contaminações registradas se deu justamente em presos que estão nessas unidades porta de entrada, ou seja, presos que se contaminaram no ambiente extramuros. Nada tem a ver, segundo a pasta, com as transferências.

"Importante ressaltar que a Sejusp não só estabeleceu novos protocolos de admissão de presos, pautados em regras científicas de não circulação de pessoas de ambientes extramuros em ambientes prisionais, como está atuando totalmente em ressonância com todas as recomendações da área de saúde, adotando várias medidas como suspensão de visitas, alargamento da escala de trabalho, entre outras", acrescenta.

A pasta informa também que todos os servidores que apresentam sintomas de novo coronavírus são afastados imediatamente do trabalho e passam por testes. Os exames também são realizados em os servidores que tiveram contato com os casos suspeitos.

"A saúde dos servidores e também dos custodiados é monitorada de perto pelo Departamento Penitenciário de Minas Gerais. O sistema prisional está produzindo máscaras para uso nas próprias unidades, para garantir a segurança de todos. Todos os servidores são obrigados a circular no interior das unidades de EPIs e, a eles, esse material é fornecido sistematicamente. Os presos também utilizam máscaras quando estão com algum sintoma suspeito ou quando pertencem a alas ou pavilhões onde outro detento foi testado positivo para a doença", finaliza.