Jornal Estado de Minas

Cidade "adormecida"

Congonhas enfrenta avanço da COVID-19 e crise intensa no turismo



Os profetas do Aleijadinho vigiam a cidade histórica de Congonhas, meio adormecida sem o vaivém frenético de turistas e assustada com o avanço do novo coronavírus. Após o fechamento das igrejas, o turismo declinou e o comércio cerrou as portas por dois meses e meio. Além da quarentena, o município da Região Central de Minas Gerais lida com o aumento no número de casos da doença respiratória.





Há 15 dias, em 22 de maio, o boletim epidemiológico da Secretaria Municipal de Saúde apontava 2 confirmações da COVID-19. Ontem, registrou 39 casos confirmados e um óbito, representando quase 20 vezes mais diagnósticos positivos. Outros 518 registros estão sendo monitorados. O primeiro caso positivo de coronavírus em Congonhas foi registrado em 10 de maio.

A reportagem do Estado de Minas esteve no município, que tenta retomar às atividades locais. Depois de dois meses e meio fechado, o comércio reabriu as portas, mas os turistas aparecem em conta-gotas. É o caso do empresário Guilherme Henrique da Silva, de 30 anos, que visitou o município antes do isolamento social e não se lembra de ter visto a cidade com tão pouco movimento. A trabalho na cidade, ele acredita que, aos poucos, a vida volta ao “novo normal”. “Vi muita gente na rua, usando máscaras. Parece que está (o município) voltando aos poucos”, disse.

Há 30 anos no ramo do comércio, Adriana de Souza diz nunca ter visto crise como a atual (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)


Fontes ligadas à prefeitura, que pediram para não ser identificadas, informaram que o coronavírus chegou ao município quando um médico de Belo Horizonte foi designado para fazer plantão em um dos hospitais de Congonhas. O profissional atendeu pacientes, dormiu na cidade e dividiu o quarto com outro médico, que também teria se contaminado. A transmissão também teria acometido uma funcionária do hospital e o filho dela. O médico estaria assintomático e só desconfiou da contaminação ao retornar à capital, onde fez o teste e comprovou que estava com a COVID-19.



O pastor Edson Ferreira se mudou do Recife para Congonhas para realizar trabalho de evangelização na cidade. No entanto, ele não esperava que a cidade enfrentaria a epidemia. “Amamos esta cidade. Cidade de Aleijadinho, católica, de um povo maravilhoso. Não esperávamos enfrentar isso que estamos passando agora e como essa epidemia comprometeria a estabilidade turística e econômica”, afirmou.

Ferreira diz que o ideal é ficar em casa, mas que precisa sair para realizar ações de solidariedade. “A gente precisa agir para ajudar outras pessoas que, estando em casa, não têm recursos, não têm saída. A nossa atividade é levar conforto às pessoas que não têm condições de buscar um refúgio, buscar um alimento”,afirmou. Neste momento de avanço da doença, ele disse que pastores e padres estão unidos com o objetivo de ajudar a população a enfrentar a pandemia.

O empresário Guilherme Silva visitou a cidade a trabalho e se surpreendeu com a calmaria (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)


A comerciante Adriana de Souza Maia está desolada com a queda do movimento. Há 30 anos no ramo, ela diz nunca ter visto crise parecida. Embora o comércio tenha sido reaberto, o número de turistas, que movimentam o setor, é muito baixo. “Praticamente, atendo duas ou três pessoas por dia. É assustador. Estamos ansiosos quanto ao cenário que virá nos próximos seis meses e até o fim do ano. Os compromissos estão aí. A gente não está com esperança de muita visita. O povo vai voltar à vida, mas para viajar acho complicado. As pessoas ainda estão com cautela. Nosso movimento é do turismo, este ano não vai ser tão fácil”, diz. Na segunda-feira, ela atendeu um casal de São Paulo e outro do Rio de Janeiro, mas nos outros dias desta semana não recebeu nenhum cliente.





Assistência O Hospital Bom Jesus tem área reservada para assistência às pessoas infectadas pelo coronavírus, chamada de “covidário”. A ala dispõe de oito leitos clínicos exclusivos para atendimento aos casos de COVID-19. Além disso, conta com seis leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) destinados exclusivamente às vítimas da doença. Até o último dia 1º, segundo dados divulgados pela instituição, os leitos para pacientes com diagnóstico ou suspeita da doença não estavam ocupados.

Registros de COVID-19 no município histórico somam 39 casos, aumento de 20 vezes em 15 dias (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)


O aumento no número de casos estaria relacionado ao aumento na testagem. A assessoria da prefeitura local informa que, com o aumento das testagens, foi possível identificar casos positivos de coronavírus, muitos deles em pacientes assintomáticos, provocando, assim, elevação no número de registros na cidade. A mineradora Vale e a siderúrgica VSB, com atuação na região, têm aplicado testes rápidos em seus funcionários. As empresas acionam a Vigilância Epidemiológica de Congonhas para repassar o número de casos positivos entre seus trabalhadores que residem no município.

Para todos os casos confirmados até o momento, o município conseguiu estabelecer vínculo epidemiológico com casos importados. As pessoas diagnosticadas ou que estão com suspeita de ter sido infectadas pelo coronavírus ficam em isolamento domiciliar, com acompanhamento da Vigilância Epidemiológica. O órgão municipal também faz o rastreio dos contatos desses pacientes. Caso seja necessário, uma equipe multiprofissional, devidamente paramentada, realiza o atendimento médico em domicílio.



Agentes comunitárias de saúde (ACS) circulam pelas ruas da cidade orientando os cidadãos sobre os cuidados preventivos à infecção, e distribuem máscaras. No terminal rodoviário do município, profissionais de saúde aferem a temperatura de passageiros e recomendam cuidados. Outras medidas adotadas são o monitoramento da Feira do Produtor Rural e a fiscalização do comércio. A limpeza das ruas está sendo feita três vezes na semana, assim como dos abrigos de ônibus.

Municípios mineradores buscam ampliar testes


O aumento de casos confirmados de contaminação pelo coronavírus em cidades com atividades de mineração chamou a atenção de autoridades sanitárias nas últimas semanas. Apesar dos registros em vários municípios, a relação entre a atividade econômica e o avanço da doença não tem comprovação. “Não há comparativo, a não ser que realizássemos testes em massa para certificar”, explica o infectologista e coordenador da Vigilância em Saúde de Itabirito, Marcelo Campos. O aumento de casos tem relação direta com quantidade de testes.

A atividade extrativista de minerais não foi suspensa durante a pandemia, e as empresas passaram a realizar testes rápidos em todos os seus empregados. O infectologista chama a atenção para os dados estatísticos que incluem os testes rápidos, que apenas detectam a presença de anticorpos. O resultado positivo, em geral, não dá pista do momento em que o paciente foi infectado, dificultando transformar essa informação para a população. Itabirito tem 52 casos confirmados e um óbito.



Marcelo Campos alerta que são vários os tipos de testes rápidos, realizados em farmácias, clínicas e outros locais, e apesar de haver autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), não há um procedimento que ateste a qualidade de todos. “Esse tipo de teste pode apresentar resultado tanto falso-negativo, quanto falso-positivo”.

O infectologista sugere uma ação conjunta reunindo as instâncias da saúde municipais, estaduais e federal e o meio acadêmico e de pesquisas, de forma a normatizar procedimentos de diagnóstico e divulgação dos resultados, além de uma padronização desses testes, com garantia de qualidade.

Em Mariana, com mais de 250 casos confirmados e sete mortos pelo coronavírus, conforme boletim da Secretaria de Estado da Saúde (SES) divulgado na quarta-feira, a secretaria do município passou a exigir das empresas mineradoras apresentação de plano de testagem rápida de todos os funcionários diretos e terceirizados.



Em Ouro Preto, o secretário de Saúde, Paulo Marcos Xavier da Silva, informou que a prefeitura monitora a evolução dos casos confirmados e identificou um maior impacto a partir das atividades mineradoras. “Estamos em constante articulação com as empresas e prestadoras de serviços. Já temos mapeadas as áreas mais impactadas e as acompanhamos”, disse.

Em Barão de Cocais, na Região Central do estado, foram 29 os testes positivos. A prefeitura confirmou o salto de casos identificados e que já havia determinado medidas restritivas ao funcionamento de estabelecimentos e à promoção de aglomerações, além da ampliação da realização de testes rápidos.

Por meio de nota, o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) afirmou que tem orientado as 130 companhias associadas a tomarem as providências estabelecidas pelas autoridades públicas e a Organização Mundial da Saúde (OMS), com a finalidade de aumentar a proteção à saúde de seus empregados, terceirizados e demais pessoas com as quais essas mineradoras mantêm contato diário. *Leandro Couri (de Congonhas) 

Perto de casa


A Prefeitura de Congonhas pretende recriar roteiros turísticos em conjunto com a Secretaria de Turismo da Prefeitura de Belo Vale. A aposta é que, após a pandemia da COVID-19, o turista vá procurar atrações próximo de casa. Estão em andamento em Congonhas obras de reforma do Teatro Municipal, do Centro Cultural Romaria e Parque Natural da Romaria. Antes da quarentena, já haviam sido restaurados os elementos artísticos da Igreja Nossa Senhora do Rosário, Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição e Basílica do Senhor Bom Jesus de Matosinhos. Foi também requalificada a Alameda das Palmeiras. O projeto contemplará a expansão do Museu de Congonhas, espaço anexo ao do santuário, inaugurado em 2015.






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