Jornal Estado de Minas

Do pó ao vírus

Máscaras são realidade em Sabará antes mesmo da pandemia do coronavírus

Janeiro de 2020: Maria das Dores Raimundo, depois das chuvas do início do ano, voltava da farmácia com um pacote de 12 máscaras para a família (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press - 28/1/20)

As máscaras que passaram a compor a paisagem das cidades brasileiras, em muitas delas como proteção obrigatória para a COVID-19, começaram a se integrar à rotina dos brasileiros em abril, quando o Ministério da Saúde passou a indicar seu uso indiscriminado. Porém, um dos  municípios da região metropolitana que fazem limite com Belo Horizonte, Sabará, “não tira a máscara” desde o fim de janeiro, quando fortes chuvas levaram ao transbordamento do Rio das Velhas e do afluente Sabará, com inundação de 25 bairros.


O segundo maior efeito da enchente foi a poeira que subiu nas ruas a partir do ressecamento da lama, exigindo operações de limpeza pública com máquinas e um batalhão de operários.

 

Na época, para proteger moradores, a prefeitura local comprou 20 mil máscaras cirúrgicas. Foi a sobra desse estoque que supriu, de início, os profissionais de saúde que atuam na guerra contra o  novo coronavírus. Há dois meses, foi criado o comitê de enfrentamento do novo coronavírus e decretada situação de emergência no município.

 

Janeiro de 2020: Vânia de Oliveira Franco, antecipando situação que se tornaria obrigatória meses depois mais tarde: "É a primeira vez que uso, mas nesta situação é fundamental" (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press - 28/1/20)

 

“Foi uma infeliz coincidência”, diz a secretária municipal de Saúde, a enfermeira Nicole Cuqui Alves, sobre os dois episódios subsequentes: “Logo no início da pandemia do novo coronavírus, as máscaras estavam em falta no mercado. Mas, devido à enchente, tínhamos um bom estoque”, conta.

Agora, a prefeitura acaba de comprar, já com entrega, mais 20 mil peças, aguardando 30 mil que serão repassadas pelo estado. Para a população, de forma especial os vulneráveis, foram distribuídas 7 mil em tecido.



 

Na cidade de cerca de 140 mil habitantes, as restrições como isolamento social, fechamento de comércio – à exceção das atividades essenciais – e de escolas e uso obrigatório de máscaras acompanham as decisões de Belo Horizonte, explica Nicole. “Não poderia ser diferente, pois estamos ligados à capital. Na Avenida Contagem, no Bairro Ana Lúcia, por exemplo, um lado da via é BH e o outro, Sabará”, afirma.

 

Na semana passada, o comitê de enfrentamento se reuniu mais uma vez com o prefeito Wander Borges e houve flexibilização de medidas municipais. Assim, desde segunda-feira estão reabertos papelaria, serviço automotivo, artesanato, lojas de artigos de cama, mesa e banho, de brinquedos, bicicletas, clínica de estética e salões de beleza.

"Não podemos dizer que o quadro é de tranquilidade, mas é certo que o isolamento social tem surtido efeito. Em março, houve um aumento no número de casos suspeitos da COVID-19, mas depois caiu e se mantém graças ao isolamento social, em vigor desde 18 de março", diz Nicole.



 

 

Até esse sábado, Sabará registrava 1.301 casos notificados, 44 confirmados e seis em investigação. Não há óbitos e 288 casos foram descartados. "De 21 de março a 4 de abril, tivemos uma redução de 52% no número de casos, em função do isolamento social", destaca a secretária de Saúde.


DOIS TEMPOS Na Praça Melo Viana, no Centro Histórico de Sabará, até mesmo o monumento que homenageia um ilustre filho da terra ganhou “proteção” – o busto de Fernando de Melo Viana (1878-1954), que foi governador (na época, “presidente”) de Minas de 1924 a 1926 e vice-presidente da República entre 1926 e 1930 no governo de Washington Luís (1869-1957).

É num banco do espaço público, em uma manhã de domingo, que o aposentado José Gonçalves, de 71 anos, também usando máscara, fala das mudanças às quais assiste.

 

“O jeito que temos é nos proteger com as máscaras. E pedir a Deus para nos ajudar. Nunca imaginei que viveríamos uma situação assim. Mas precisamos enfrentar”, considera.


Perto dali, um jovem de 24, também “mascarado”, conforme se declara, conta que toma todos os cuidados. “Estou há mais de três meses, praticamente, desse jeito. Tivemos aquela sujeira danada depois das enchentes e, quando a poeira abaixou, veio o novo coronavírus”.

 

Quem esteve em Sabará em janeiro e fevereiro viu a situação dramática, embora sem óbitos, que a cidade, nascida no século 18, enfrentou. Era barro para todo lado, obrigando a prefeitura a colocar 300 operários nas ruas para os serviços de urgência em decorrência das chuvas, consideradas históricas em Minas.

 

Mostrando contrastes entre dois cantos do planeta, o Estado de Minas, na sua edição de 29 de janeiro, estampava na capa as manchetes “O medo do ar”, com a notícia de mortes pela COVID-19 na China e casos suspeitos no Brasil, e o “Medo na lama (Do barro ao pó)”, com a situação em Sabará. A foto retratava trabalhadores com máscara de segurança no meio do lamaçal em que se transformou a entrada da cidade.



 

Na reportagem sobre Sabará, uma das entrevistadas foi Maria das Dores Raimundo, que, precavida, voltava de uma farmácia com um pacote de 12 máscaras para a família. “Tenho usado quando saio. É um jeito de não adoecer”, contou, antecipando o que meses mais tarde se tornaria obrigatoriedade.

 

Em estabelecimentos comerciais, as pessoas se protegiam, entre elas a funcionária de padaria Vânia de Oliveira Franco. “É a primeira vez que uso máscara, mas nesta situação é fundamental.” Curiosamente, a primeira frase da reportagem era “Sabará: se for, vá de máscara.” Uma realidade que parece ainda ter longa duração.