A segurança e a redução da criminalidade em Minas Gerais, em muito explicada pelo distanciamento social por causa da pandemia de COVID-19, não são compartilhadas por todos os mineiros. Entre janeiro e o dia 20 de abril, das 79 áreas atendidas por unidades da Polícia Militar em municípios sede, 37 (46,8%) apresentaram aumento de homicídios tomando por base o mesmo período de 2019. Os números são de pesquisa ao Armazém do Sistema Integrado de Defesa Social (Sids) detalhando as ocorrências com vítimas de homicídio em batalhões e companhias especiais da corporação, ao qual o Estado de Minas teve acesso com exclusividade.
O estado registrou queda de 33% desse tipo de crime, e Belo Horizonte apenas 3% de retração. Contudo, mesmo na capital há locais onde os assassinatos apresentaram alta, como nas regiões Oeste, Norte e Centro-Sul. As polícias Militar e Civil decidiram não se manifestar sobre os números e as causas da violência nessas comunidades pelo fato de as informações não se tratarem de divulgação oficial de estatísticas.
As mortes em BH atingiram maior variação na Região Oeste. No ano passado, foram apenas cinco vítimas e neste ano já chegaram a 12 antes do fim do quarto mês – alta de 140%.
Essa área é de responsabilidade do policiamento do 5º Batalhão da PM e compreende vias importantes, como a Amazonas e a Via Expressa, os bairros Buritis, Prado, Estoril, Jardim América, Gutierrez, Gameleira, Salgado Filho, Palmeiras, Betânia e Nova Granada. Também concentra aglomerados que são alvos de ações de enfrentamento ao tráfico, como da Cabana do Pai Tomás, do Nova Cintra, do Vista Alegre e da Ventosa.
''Conflitos pelo tráfico de entorpecentes, disputas territoriais e de mercado entre criminosos não se encerram com o distanciamento social. São refreados, mas ficam latentes''
Bráulio Figueiredo Alves da Silva, professor da UFMG
Na Região Centro-Sul da capital, as mortes subiram de seis para 10 (+66,7%) dentro do perímetro da Avenida do Contorno, área de atuação do 1º Batalhão da PM, e apresentaram leve elevação na Região Norte, sob responsabilidade do 13º Batalhão da PM – de 12 para 13 registros ( 8,3%). Houve casos de redução importante também, com destaque para a Região de Venda Nova, que passou de 20 para 12 assassinatos (-40%).
Ainda sob a influência direta da capital mineira, a Grande BH e o Colar Metropolitano concentram municípios onde mais pessoas foram mortas em ações criminosas. Algumas são cidades próximas, em mesmo vetor urbano, como Pedro Leopoldo e Lagoa Santa, onde os índices criminais relativos a assassinatos subiram 125% e 112,5% respectivamente.
Uma situação em que a alta dos homicídios chama a atenção é a de Igarapé. Banhada pelas rodovias BR-262 e BR-381, Igarapé já tinha 19 óbitos no período pesquisado, índice 46,15% maior que os 13 registros do ano passado.
A quantidade de vítimas é preocupante nesse município atendido pela 7ª Companhia Independente da PM, uma vez que se aproxima do volume de lugares maiores como Sete Lagoas. Enquanto Igarapé, com 43 mil habitantes registrou 19 homicídios, Sete Lagoas, com 239,6 mil (5,5 vezes mais pessoas), marcou 22 óbitos neste ano contra 15 de 2019 (alta de 46,7%).
A quantidade de vítimas é preocupante nesse município atendido pela 7ª Companhia Independente da PM, uma vez que se aproxima do volume de lugares maiores como Sete Lagoas. Enquanto Igarapé, com 43 mil habitantes registrou 19 homicídios, Sete Lagoas, com 239,6 mil (5,5 vezes mais pessoas), marcou 22 óbitos neste ano contra 15 de 2019 (alta de 46,7%).
Disputas e conflitos
Uma das explicações para esse aumento dos crimes, quando se esperava uma redução consistente com o afastamento social, se daria pela oportunidade de acertos entre rivais em áreas de disputa pelo tráfico e outras modalidades criminosas.Segundo o professor Bráulio Figueiredo Alves da Silva, do Departamento de Sociologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pesquisador do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) da UFMG, os crimes iniciados por conflitos passionais ou desentendimentos são mais sujeitos à redução pelo isolamento, mas não aqueles praticados por membros de atividades criminosas mais estruturadas.
“Certamente, as mortes por embriaguez em botecos e por desentendimentos sofreram importante redução com a pandemia, uma vez que esses estabelecimentos estão fechados. Nesses casos, o crime depende de oportunidade, de exposição da vítima ao autor e de ausência de guardião. Mas como estão todos em casa, a dinâmica não se completa”, aponta o especialista.
Por outro lado, mortes sobretudo entre criminosos continuam a ocorrer. “Conflitos pelo tráfico de entorpecentes, disputas territoriais e de mercado entre criminosos não se encerram com o distanciamento social. São refreados, mas ficam latentes, pois essas pessoas vivem no mesmo local e têm um desejo de matar o outro por rivalidade, para passar um recado, marcar posição ou outro motivo. É um ambiente onde a oportunidade encontra pessoas armadas e dispostas. Muitas vezes, a pessoa sabe que o rival quer matá-lo e se antecipa cometendo o homicídio como forma de defesa”, observa o professor Bráulio da Silva.
A avaliação do professor Bráulio da Silva do Crisp/UFMG de que criminosos profissionais continuam agindo com violência e, por isso, muitos homicídios podem ter continuado a ocorrer e até mesmo se ampliado, com fatores como a redução de testemunhas e de pessoas nas ruas, ganha mais força quando se analisam onde os assassinatos proliferaram entre as cidades acima de 100 mil habitantes. A maioria desses casos se concentra em eixos de atuação de quadrilhas sob forte influência de facções do crime organizado paulista como no Sul de Minas, no Triângulo Mineiro e no Alto Paranaíba.
A avaliação do professor Bráulio da Silva do Crisp/UFMG de que criminosos profissionais continuam agindo com violência e, por isso, muitos homicídios podem ter continuado a ocorrer e até mesmo se ampliado, com fatores como a redução de testemunhas e de pessoas nas ruas, ganha mais força quando se analisam onde os assassinatos proliferaram entre as cidades acima de 100 mil habitantes. A maioria desses casos se concentra em eixos de atuação de quadrilhas sob forte influência de facções do crime organizado paulista como no Sul de Minas, no Triângulo Mineiro e no Alto Paranaíba.
Dos municípios acima de 100 mil habitantes com os oito maiores índices de ampliação de homicídios dentro do período de janeiro a 20 de abril, seis estão nesse eixo de influência, sendo que Uberaba (aumento de 400% nas mortes), Ituiutaba (166,7%), Araguari (50%) e Araxá (33,3%) estão no Triângulo e Alto Paranaíba, enquanto Varginha (166,7%) e Passos ( 100%) são pontos de maior preocupação no Sul de Minas. Completam essa estatística Coronel Fabriciano ( 66,7%), na Região Central, e Governador Valadares ( 12,1%), no Vale do Rio Doce.
A reportagem do EM procurou a Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) e a Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG), mas a resposta que obteve de suas assessorias de imprensa é que esse tipo de dado estratificado por regiões, bairros e áreas de atuação não é divulgado por questões políticas de mercado e estratégicas.
Em nota, a PC informou que “a instituição somente se posiciona, em relação a dados do estado quando divulgados oficialmente pelo Governo de Minas”.
Já a PMMG afirma que “a divulgação de dados estatísticos é feita pela Secretaria de Justiça e Segurança Pública (Sejusp). A PMMG esclarece ainda que qualquer divulgação de fonte diversa pode não trazer alinhamento com verdade e, por isso, a instituição não comenta dados que não são oficiais”.
Já a PMMG afirma que “a divulgação de dados estatísticos é feita pela Secretaria de Justiça e Segurança Pública (Sejusp). A PMMG esclarece ainda que qualquer divulgação de fonte diversa pode não trazer alinhamento com verdade e, por isso, a instituição não comenta dados que não são oficiais”.