Um crime cruel, motivado pela intolerância que, por pouco, não tirou a vida de Cibelly Pâmela, espancada em plena rua, durante o carnaval de Belo Horizonte no dia 22 de fevereiro deste ano. Cibelly, que nasceu em Belém, precisa agora de ajuda financeira para voltar à terra natal, onde vive à família. O caso tem mobilizado as redes sociais e uma vaquinha neste site arrecada doações para tentar minimizar os danos na vida da jovem, que ficou paraplégica e perdeu parte do crânio, a fala e os movimentos do lado direito em decorrência das agressões. A vaquinha é organizada pela Rede Trans Brasil.
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Acidente entre ônibus e carreta deixa dois mortos na BR-381Incêndio atinge barracões no Bairro Santo André, em BH; bombeiros suspeitam de briga de casalMotociclista fica preso às ferragens ao ser atropelado por motorista inabilitado em UberabaCaso Cibelly: vaquinha ajuda mulher trans que ficou paraplégica após agressão a voltar para BelémRacismo motivou assassinato de idoso em BH, diz Polícia CivilPara a psicóloga e militante LGBTI, Dalcira Ferrão, que acompanha o caso de Cibelly desde a data do ocorrido, a arrecadação do montante será um divisor de águas no tratamento da jovem, já que atualmente Cibelly e o pai — que não está trabalhando e se dedica exclusivamente aos cuidados com a filha — estão sem renda e morando de aluguel em BH. “Eu digo que ela é uma sobrevivente, porque, as chances dela ter resistido a cirurgia já eram muito pequenas e ela conseguiu reverter essa situação, mas tudo indica que sequelas permanecerão ao longo desse processo. A perspectiva da vaquinha é viabilizar esse tratamento dela e de possibilitar o retorno dela e do pai para Belém”.
O crime
O Boletim de Ocorrência foi registrado em 28 de fevereiro, seis dias após o ocorrido, fato que dificultou a apuração e a escuta de testemunhas. No documento, é informada uma tentativa de assassinato na Rua Espírito Santo, próximo ao número 320, no Centro da capital mineira.
Na data, os policiais foram informados que havia uma pessoa hospitalizada no pronto-socorro vítima de agressão que ocorreu no dia 22. Uma amiga de Cibelly contou que recebeu uma uma mensagem vinda do telefone da vítima dizendo que tinha sido agredida por desconhecidos.
Relatos dão conta de que era carnaval e Cibelly resolveu ir à um bloquinho de rua para encontrar as amigas. Porém, por volta das 19h, cinco rapazes a abordaram, a agrediram brutalmente ao dizer “traveco do demônio vira homem". Os transfóbicos agressores fugiram quando populares tentaram chamar a polícia.
Solidariedade
Sandro Lúcio, 49 anos, é pastor da Igreja Cristã Contemporânea e responsável pela rede trans da igreja. Ele foi uma das primeiras pessoas a ajudar Cibelly logo após a agressão. “Eu conheci a Cibelly Pâmela através de uma menina trans que frequenta o culto da minha igreja. Ela me ligou muito aflita dizendo sobre a agressão. Até então eu não a conhecia. Mas a menina foi muito insistente pedindo que eu fosse ao hospital visitar a Cibelly para fazer uma oração por ela. O estado era muito grave”, contou. Por volta das 15h do dia 23 de fevereiro, ele foi ao encontro de Cibele, internada no Hospital João XXIII.
Ela estava em coma em um leito da unidade de tratamento intensivo (UTI). “Estava entubada, toda amarrada com sonda vesical e com uma lesão na cabeça. Era um corte de uma orelha a outra. Estava cheia de pontos e com afundamento no crânio”, relatou. Foi quando Sandro a chamou pelo nome, mas os batimentos cardíacos dela desaceleraram. “Foi quando eu disse ‘meu Deus ela vai morrer’. Orei e pedi para que ela não morresse. Eu disse para ela não desistir da vida e disse que o pai dela estava vindo ao encontro dela”, relatou. O pai de Cibelly veio de ônibus de Belém do Pará para ter notícias da filha vítima de um crime tão bárbaro.
Sandro disse que viu Cibelly pessoalmente uma única vez. Mas, se emocionou com a história dela e decidiu ajudar. “Eu e um grupo da igreja nos mobilizamos. Acompanhamos Cibelly com oração e com assistência social. Fizemos cestas básicas para ela”, disse. Ele relata que a vinda do pai dela fez toda diferença na recuperação: “É um homem maravilhoso com um carinho enorme que acompanhou toda a internação.”
Impunidade
Na contramão dos assassinatos em geral, que vêm diminuindo durante os anos, as denúncias de assassinatos de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis e intersexuais triplicaram no território mineiro, entre 2016 e 2017, segundo dados do último Atlas da Violência, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), divulgado no ano passado.
A psicóloga e militante LGBTI, ressalta que casos de assassinatos de travestis ou transexuais motivadas por ódio e preconceito escancaram a realidade da vulnerabilidade vivida por essa população. “Acompanho casos de violência de assassinatos de pessoas LGBTI, principalmente de travestis e trans e, de fato, o requinte de crueldade chama muita atenção. Confesso, que eu ainda custo a acreditar que um ser humano toma a iniciativa de tirar a vida de outra pessoa, pelo simples fato da existência dela. A gente ainda precisa avançar muito na perspectiva dos direitos das pessoas LGBTI,das pessoas travestis e trans principalmente e, na garantia da cidadania dessa população, que continua desguarnecida de políticas públicas adequadas, do papel do estado garantindo esse cuidado e essa proteção à essa pessoa”, lamenta.
A Polícia Civil de Minas Gerais informa que desde que tomou conhecimento, em 28 de fevereiro de 2020, seis dias após a tentativa de homicídio contra Cibelly, não poupa esforços para esclarecer o crime. Várias diligências foram realizadas para identificar e solicitar imagens de câmeras de segurança existentes ao redor do local dos fatos. “Infelizmente, nenhuma câmera captou o momento das agressões ou mesmo os agressores. Em uma delas, que se encontra com a perícia policial, é possível ver a multidão que estava presente em um bloco de carnaval e a equipe do SAMU que chegou ao local para prestar socorro a Cibelly”, informou a Polícia Civil de Minas Gerais.
Diversas pessoas foram chamadas a prestar informações, no entanto, testemunhas do fato não compareceram. A Delegacia Especializada em Repressão aos Crimes de Racismo, Xenofobia, LGBTfobia e Intolerâncias Correlatas esclarece que este caso continua sendo investigado e se coloca a disposição para receber qualquer informação que possa auxiliar nos trabalhos investigativos e identificar os autores da tentativa de homicídio contra Cibelly.
Além de dar mais qualidade de vida para Cibelly, a militante conta que a família luta por justiça. “Não vamos esquecer, não vamos deixar para lá. Eu estava conversando com o pai da Cibelly e é importante que a gente leve isso a diante primeiro para fazer justiça por tudo que ela vem passando e ainda vai passar. E segundo para evitar que outras pessoas corram o risco de sofrer o que ela está sofrendo”, afirma Dalcira Ferrão.
A Rede Trans Brasil, além de criar a vaquinha, também está cobrando as autoridades pertinentes providências para a apuração do caso.
A Rede Trans Brasil, além de criar a vaquinha, também está cobrando as autoridades pertinentes providências para a apuração do caso.