Quando deixou o país natal para fazer residência no Instituto Emílio Ribas, em São Paulo, há 20 anos, o peruano José Vidal sequer pensava em se fixar na “Terra da Garoa”. Tudo mudou quando ele começou a namorar com a também médica Paula Marques. Mas o que nenhum dos dois poderia sonhar, no começo dessa história de amor, era que, duas décadas e dois filhos depois, o casal de infectologistas teria de unir também forças e compartilhar conhecimentos para atravessar a mais grave crise de saúde que os dois – e todo o planeta, em sua história recente – enfrentariam: a pandemia causada pelo novo coronavírus. Neste Dia dos Namorados, eles contam um pouco de como vêm se virando para dar conta da vida de casal, de pais e de médicos em tempos tão difíceis para cada uma dessas missões.
Mineira de Ipatinga, no Vale do Aço, Paula é responsável por coordenar o controle de infecção nas unidades de uma rede particular de hospitais. Além disso, dá expediente no Hospital Regional de Osasco. José trabalha em três unidades públicas de saúde: hospitais das Clínicas e Emílio Ribas, ambos na capital paulista, e uma policlínica gerida pela Prefeitura de São Bernardo do Campo, no ABC Paulista. Ele faz interconsultas, como são chamadas as avaliações dos pacientes internados.
Cada um em seu setor, o casal se viu unido também pelo desafio do combate à COVID-19. Desde fevereiro, a rotina profissional de Paula, que tem entre as atribuições trabalhar para expandir o número de leitos disponíveis para pacientes, está totalmente voltada para enfrentar o novo coronavírus. Já José enfrenta a missão de encarar a ameaça no dia a dia dos atendimentos.
Se, normalmente, o trabalho já era assunto de parte das conversas do casal, a pandemia fez a troca de experiências aumentar. Durante o dia, em meio a assuntos da rotina, o WhatsApp é usado também para compartilhar artigos científicos. “Estou voltada para a prevenção, enquanto ele está na assistência direta (aos pacientes). Assim, um auxilia o outro. Se preciso achar um artigo ou tenho dúvidas sobre algum tema, peço ajuda a ele e trocamos ideias. Às vezes, preferimos o silêncio, mas a pandemia é um assunto frequente dentro e fora de casa”, diz ela. E se esse é o tema para todo mundo, poderia ser diferente com um casal de médicos?
Mulher Maravilha e Super-Homem?
Médicos, mas também marido e mulher, pai e mãe. E como tal, os dois compartilham, além das missões da medicina, todos os desafios que qualquer casal comum enfrenta. Paula afirma que, no contexto atual, Diego, de 11, e Eduardo, de 8, são os mais sacrificados pela rotina dos pais. Ela e José tentam adaptar as tarefas cotidianas para passar maior tempo possível com os filhos. Porém, nem sempre é possível dar conta de tudo. “Não sou Mulher Maravilha. Tenho minhas limitações e, neste momento, a medicina tem me exigido muito”, desabafa.
E como o pai também não é Super-Homem, o jeito é unir poderes bem humanos para pôr ordem nessa rotina corrida. Por isso, entre os papos sobre videogames e vídeos engraçados, temas que compõem o cotidiano dos filhos, uma lei impera na casa da família Vidal: durante pelo menos meia hora do dia, ninguém lá é doutor. É o tempo destinado ao convívio familiar: “O que virou rotina por aqui é ver, todas as noites, desenhos ou filmes, com a presença obrigatória de pipoca – ‘Com muita manteiga, mamãe’. Nós quatro nos sentamos e, mesmo que seja por 30 minutos, ficamos juntos. É um momento para desligar e curtir a família”, relata a mãe.
“Não trabalhamos presencialmente nos fins de semana. Portanto, aproveitamos sábados e domingos para passar mais tempo juntos e também resolver as pendências da semana”, completa o pai – embora muitas vezes o casal precise, mesmo em casa, lidar com questões profissionais. Mesmo assim, sobra tempo para exercitar o gosto familiar por jogos como o xadrez.
Médicos, namorados como qualquer casal, mas também pais e, portanto responsáveis pela educação dos filhos, Paula e José se veem às voltas também com as salas de aula virtuais agora frequentadas por Diego e Eduardo. A ausência do contato direto com os professores tornou ainda mais crucial o papel dos dois na vida escolar dos pequenos. “O menor, Eduardo, requer maior direcionamento nas lições da escola. O Diego tem maior independência, mas sempre que possível conversamos e discutimos temas e atividades escolares”, pontua o peruano radicado no Brasil.
A pandemia e as crianças
Curiosas, as crianças fazem perguntas sobre o trabalho dos pais e, consequentemente, querem entender o momento vivido pelo mundo. José diz que a COVID-19 é tema de muitas conversas com os filhos. “Passamos por uma tragédia sanitária e, diariamente, vivenciamos histórias individuais muito fortes. Acho importante que eles saibam e sintam o que está acontecendo, mas de forma clara e proporcional às idades deles. A realidade já é bastante complicada para nós, adultos. Eles são muito curiosos e sempre têm questões que muitas vezes nos surpreendem, mas é importante ouvi-los com atenção, respondendo-os de forma direta”, conta o médico, que como todos os pais e mães nestes tempos, vem se tornando também doutor em relacionamento familiar.
Apaixonados também pela profissão
O coronavírus pode comprometer o sistema nervoso de várias formas. Há pacientes que desenvolvem sintomas como a perda de olfato e paladar. Outros têm complicações como isquemia e encefalia (inflamação cerebral). O principal foco de trabalho de José Vidal é a neuroinfectologia, ramo que estuda, justamente, o impacto das doenças contagiosas no sistema nervoso.
Trabalhador do Sistema Único de Saúde, José tem esperanças de ver melhorias no SUS após o caos provocado pelo novo coronavírus. “Antes da pandemia, o cenário da saúde pública se mostrava preocupante em todo o Brasil. Tenho visto uma deterioração progressiva da rede pública em geral, fruto, principalmente, do baixo investimento em saúde. Existem ilhas de excelência, mas que, lamentavelmente, não refletem a situação global dos serviços de saúde. Espero que haja melhora após a pandemia”, pontua ele.
Embora as consequências da pandemia sejam imensuráveis, Paula acredita ser possível tirar lições do momento. “Nós nos tornamos profissionais melhores nesta pandemia. Aprendemos a ser mais tolerantes, flexíveis e criativos. Vimos que não importa quem está certo ou errado. O que importa, de fato, é encontrar a melhor solução para aquele contexto, naquele dia, pois tudo muda muito rápido. O que era verdade hoje, amanhã já não faz sentido. Aprendemos que trabalhar em equipe traz resultados mais rápidos e facilita o percurso, seja por novas sugestões ou mesmo por ter um ombro para compartilhar as angústias.”
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