Nem mesmo os 88 dias de distanciamento social pela COVID-19 foram capazes de baixar o número de pessoas assassinadas neste ano em Minas em relação a 2019. Pelo contrário, ainda que o quantitativo de crimes violentos em geral tenha sido reduzido em 30,81% em Minas Gerais, de acordo com os dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), entre janeiro e maio deste ano, na comparação com o mesmo período de 2019, o volume de vítimas de homicídios aumentou.
A tendência de alta dos assassinatos vinha sendo mostrada pelo
Estado de Minas desde o dia 8 deste mês, quando a reportagem revelou, com exclusividade, que de janeiro ao dia 20 de abril, das 79 áreas atendidas por unidades da Polícia Militar em municípios-sede, 37 (46,8%) apresentaram aumento de homicídios tomando por base o mesmo período de 2019. Os números são de pesquisa ao Armazém do Sistema Integrado de Defesa Social (Sids) detalhando as ocorrências com vítimas de homicídio em batalhões e companhias especiais da corporação, mas as polícias e a Sejusp não quiseram comentar os dados à época.
De acordo com os registros da Sejusp, de janeiro a maio de 2019 foram computados 32.303 crimes violentos, contra 22.348 no mesmo período de 2020. São considerados crimes violentos o homicídio, o estupro, a extorsão, o roubo e o sequestro e cárcere privado em suas diversas formas. O impacto do isolamento nesse bloco de crimes foi grande, considerando que de janeiro a março, quando não se tinha afastamento comunitário, os registros caíram de 20.059 para 15.632 (-22%), enquanto nos meses de isolamento completo, de abril e maio, a redução foi de 45,14%, passando de 12.244 em 2019 para 6.716 neste ano. A baixa é expressiva e a redução do quantitativo de roubos foi o que mais contribuiu para a criminalidade despencar, com o ano de 2019 tendo ficado com 25.558 registros desses crimes contra 17.364 (-32%) assinalados neste ano (veja quadro).
Contudo, os homicídios, que são os crimes considerados os mais graves, não se reduziram sequer com a intensificação do isolamento social para evitar o contágio pelo novo coronavírus (Sars-Cov-2). Entre os cinco primeiros meses de 2019, 1.131 pessoas foram mortas, contra 1.138 vítimas no mesmo período deste ano, uma alta, de 0,6%.
De acordo com os dados, a Grande BH foi onde os assassinatos tiveram maior recuo. A capital mineira fechou maio com 3,9% de queda no total de vítimas, de 154 para 148, exatamente o mesmo índice também verificado em Betim e em Contagem, as maiores cidades da sua região metropolitana. Em Ribeirão das Neves, que é um dos municípios que mais sofre com pobreza e violência, a queda de mortes chegou a 39,1%. Em Uberlândia, no Triângulo Mineiro, a segunda cidade mais populosa de Minas Gerais, com 691 mil habitantes, a redução foi de 45,8% das vítimas de homicídios.
Por outro lado, várias cidades do interior registraram ampliações expressivas no número de pessoas que perderam suas vidas em decorrência de ações criminosas. Em Uberaba, por exemplo, cidade também no Triângulo, que tem 333 mil habitantes e fica a apenas 108 quilômetros de distância de Uberlândia, a alta foi de 114%, com o número de vítimas passando de sete, em 2019, para 15 neste ano. O levantamento mostrado pela reportagem do EM no início deste mês já apontava essa tendência, uma vez que entre janeiro e 20 de abril deste ano os homicídios tinham sido ampliados em 200%, segundo as ocorrências do batalhão de Uberaba no comparativo com o mesmo período de 2019, saltando de quatro para 12.
O crescimento dos homicídios também se deu de forma vertiginosa nas cidades mais ricas do Leste mineiro. Em Ipatinga, por exemplo, que é o município mais industrializado do Vale do Aço, com 263 mil habitantes, o número de vítimas na comparação entre os dois períodos passou de oito para 13, uma ampliação de 62,5%. O mesmo ocorreu em Governador Valadares, maior cidade da Bacia do Rio Doce, com 279 mil habitantes. Nos cinco primeiros meses deste ano, foram registrados 43,8% mais óbitos criminosos de valadarenses do que no mesmo período de 2019, com o número subindo de 32 para 46 vítimas. Em Juiz de Fora, na Zona da Mata, o impacto foi um pouco menor, com alta de 4,5% dos registros, passando de 22 para 23 mortos no mesmo período.
Menos oportunidade e mais vigilância
O distanciamento social praticado pela população devido à pandemia do novo coronavírus e a ampliação do patrulhamento ostensivo com a utilização de policiais de funções administrativas seriam os motivos mais importantes para a redução da criminalidade violenta entre janeiro e maio deste ano, na avaliação do especialista em inteligência de Estado e segurança pública, coronel Carlos Júnior. “Na maioria dos estados, os crimes violentos se reduziram, pois as vítimas mais frequentes estão em casa e isso as tirou da rota dos criminosos. Reduziu o roubo. Um arrombamento, hoje, pode terminar como sequestro, porque as pessoas estão em casa. Os criminosos estão mais cautelosos também. Ao mesmo tempo, em Minas Gerais, o policiamento ostensivo tem sido incrementado pelo efetivo administrativo, como o Batalhão Metrópole, que atua em Belo Horizonte. Essa presença inibe a ação de criminosos”, avalia.
Outro fator que também contribui é a interação das pessoas por meio de redes sociais e grupos cada vez mais coesos e engajados. “A polícia teve resultados importantes com a rede de vizinhos protegidos, que trazia a vigilância das ruas para a atenção das pessoas, passando a ser importantes colaboradores. Agora, com as redes sociais, os olhos da polícia triplicaram. Se temos grupos onde se divulga em que farmácia o álcool em gel está mais barato, qual supermercado está mais vazio, também se fotografam pessoas em atitudes suspeitas e se denuncia mais por esses meios”, compara o coronel, ao salientar que os índices de criminalidade vêm caindo nos últimos 3 anos.
Marcas regionais
Sobre o aumento dos homicídios, o especialista destaca ser importante avaliar que não é necessariamente um fenômeno de uma cidade, mas de uma área. No caso do Triângulo, muito ligado ao crime organizado paulista. “Em São Paulo, o domínio de uma facção impede homicídios por lá. Precisam ser autorizados pela facção. Mas muitos desses criminosos estão deste lado da divisa, em Minas, onde podem agir”, indica Júnior. Já em Ipatinga e Governador Valadares, as disputas entre quadrilhas seriam culturalmente mais violentas. “Na Região Leste e Rio Doce temos um comportamento violento inerente de quadrilhas e de famílias, que encomendam a morte de desafetos. A própria polícia, quando desarticula uma rede de tráfico ou uma boca de fumo, acaba promovendo a abertura de uma disputa por aquele ponto de venda de drogas. E as bocas de fumo continuam a pleno vapor. A ação dos criminosos e sua intenção de eliminar os desafetos e concorrentes também segue plena”, avalia o coronel Carlos Júnior.
Em estudo
Na primeira reportagem do EM que mostrou a ampliação de homicídios em 46,8% das áreas atendidas pela Polícia Militar, a corporação, a Polícia Civil e a Sejusp não quiseram tecer comentários sobre a ampliação dos assassinatos de janeiro a abril, alegando que a fonte não era oficial.Desta vez, contudo, a secretaria informou que não comentaria, pois estuda o motivo dessa redução de crimes violentos e a ampliação dos homicídios. Por meio de nota, a Sejusp disse que, “mesmo no período da pandemia, o trabalho integrado realizado por todas as forças e sistemas da Segurança Pública do Estado – Polícia Militar, Polícia Civil, Corpo de Bombeiros, Prevenção à Criminalidade e Sistemas Prisional e Socioeducativo – é uma importante resposta que está trazendo interessante queda dos indicadores de criminalidade nos últimos meses. A Sejusp não vai comentar, no momento, os dados de queda de criminalidade no período janeiro a maio, buscando um melhor entendimento do fenômeno”.