A padeira Fabíola Maia de Oliveira e os jovens fãs de K-pop (música pop coreana) ocupam os extremos da linha do tempo que atravessa os últimos 100 anos. A idosa de 91 não tem ideia do que seja YouTube, enquanto os entusiastas do ritmo oriental, muito provavelmente, nunca tocaram num cilindro de madeira, antigo instrumento utilizado para abrir massas diversas.
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Os negócios andavam um tanto parados, até que as netas Bárbara e Mariana Maia, de 32 e 21 anos, decidiram dar um “empurrão” nas vendas. Há cinco dias, Bárbara criou para dona Loca um perfil no Instagram, o Coxinha da Vovó Loca. Mariana, fã de K-pop, o catapultou à fama. “Meu Deus, galera de Belo Horizonte, o que custa vocês comprarem o pão e a coxinha da minha avó? Olha a bichinha mais linda de 91 anos sendo empreendedora”, postou a estudante de geografia no Twitter.
O apelo funcionou. Primeiro, relata Mariana, dentro das mobilizadas comunidades do ritmo coreano, com as quais ela interage com mais frequência. Depois, internet afora: a conta de Dona Loca no Instagram já reúne quase 50 mil seguidores. “Muitos não têm o privilégio de comer uma comidinha de avó, então, para quem mora em BH, está aí a oportunidade. Eu mesma, como estou longe, não tenho”, diz a jovem, que mora em Curitiba (PR). “Garanto que são as melhores coxinhas do mundo. Para você ter uma ideia, eu não gosto de coxinha. Mas a da minha avó, eu como”, completa.
No último sábado (20), Dona Loca protagonizou sua primeira live (transmissão ao vivo) no Instagram. “Adorei! Recebi muitas mensagens carinhosas. Ganhei muitos netos”, comemora a pensionista, que vai entregar duas mil coxinhas e 20 roscas da rainha até o fim da semana. “Mas eu dou conta de fazer até mil coxinhas por dia”, diz a empreendedora. Ela trabalha com o auxílio da filha e da neta Bárbara, responsável por administrar os pedidos. “A gente tem encomendas fechadas para quinze dias. Fizemos uma lista de espera. Mal consigo responder as mensagens que chegam pelo WhatsApp. Então, peço que tenham um pouco de paciência”, avisa a fotógrafa. Os salgados são vendidos a R$ 100 o cento. As roscas, a R$ 10.
Pioneira
Mãe de 14 filhos e avó de 20 netos, dona Fabíola diz que a produção de pães e salgados a ajudou a sustentar a prole. Os produtos - feitos manualmente, assados no forno à lenha - eram vendidos de porta em porta. “Meus filhos é que vendiam para mim. Todos eles. Levavam no balaio e ofereciam de casa em casa. Toda vida foi assim. Eu abria massa em cilindro de madeira, ninguém usa isso mais. Depois vieram as padarias, cheias de maquinário e eu reduzi bem as vendas. Mas nunca parei de trabalhar”, relembra a idosa, que guarda as receitas na memória. Além das coxinhas e da rosca rainha, outra especialidade da cozinheira é o pão jaú, que ela define como um pão doce incrementado. “Leva manteiga, ovos, ingredientes de verdade. Tudo o que esses pães de padaria não têm”, alfineta.
Segundo Bárbara, o sucesso do perfil de dona Loca no Instagram fez com que ela fosse redescoberta por antigos clientes, saudosos de suas delícias. “Recebemos muitas mensagens de gente do Morro do Pilar, dizendo que passou a infância comendo os pães da minha avó. Ela fica muito contente com isso”, comenta.