Um estudo realizado para avaliar a violência que ocorre no sistema prisional de Minas Gerais foi divulgado nesta quinta-feira (25) e os resultados são expressivos. Precariedade das condições físicas das celas, quantidade de comida insuficiente, banheiros ruins, falta de assistência médica e violência por parte dos policias são algumas das situações reveladas pela pesquisa. A Secretaria de Justiça e Segurança e Pública (Sejusp) nega as irregularidades.
O primeiro estudo de vitimização da violência contra os presos realizado no Brasil foi divulgado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais. A intenção é retratar a violação dos direitos humanos e de atos de tortura que ocorrem no sistema prisional do estado. Entre outros pontos, a pesquisa revelou que para 92,3% dos presos o espaço das celas é insuficiente e a temperatura inadequada; os banheiros são ruins ou péssimos para 85,2%, que relataram situações degradantes; e mais da metade dos entrevistados afirmou não ter conseguido assistência de saúde quando precisou, sendo a odontológica a mais negligenciada.
Agressões por funcionários do sistema prisional
“As situações mais comuns de violência nas prisões envolvem a ação de funcionários, especialmente policiais penais, contra os internos. As agressões físicas perpetradas por funcionários do sistema prisional convencional foram mencionadas pela maioria absoluta dos presos”, expõe a pesquisa.
Os entrevistados revelaram terem sido vítimas de diversas formas de agressão física por parte dos policiais. Mais da metade dos detentos, 53%, afirmaram sofrer, frequentemente, agressões com spray de pimenta; 20,7% foram vítimas de disparos de balas de borracha; 17,5% com tapas e socos; 16,1% com chutes; e 7,7% foram agredidos com pauladas.
No caso das mulheres presas, o estudou revelou que a maior parte das agressões físicas ocorrem entre as próprias detentas. Há menos violência por parte de agentes, diferentemente dos homens encarcerados, que sofrem mais com maus-tratos de funcionários do sistema.
De acordo com a pesquisa, ameaças também são frequentes dentro dos presídios convencionais e o momento de revista de celas é um dos mais tensos no dia a dia dos detentos. Além disso, 18% dos entrevistados afirmaram que já foram colocados, como punição, em uma cela solitária escura sem ventilação adequada por mais de 15 dias.
O Judiciário mineiro foi um dos parceiros do estudo, ao lado da Associação Voluntários para o Serviço Internacional do Brasil (AVSI Brasil), do Ministério Público de Minas Gerais, da Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados (FBAC) e da Sapori Consultoria em Segurança Pública, agente executor da pesquisa.
2° Ato Minas Contra a Tortura
Diante desse cenário e somado a outras reivindicações, foi realizado na Cidade Administrativa, na tarde desta quinta-feira, o 2° Ato Minas Contra a Tortura. A manifestação denunciou a violação dos direitos dos presos e o descaso do estado frente às condições sanitárias da população carcerária.
O ato surgiu da união entre o Grupo de Amigos e Familiares de Pessoas Privadas de Liberdade e a Frente Estadual de Minas Gerais pelo Desencarceramento. De acordo com os manifestantes, o estado tem se aproveitado do contexto de calamidade pública para privar os familiares de terem notícias dos detentos por meio de transferências arbitrárias para outras unidades prisionais.
O grupo também teme que, diante da pandemia de coronavírus, essas transferências coloquem em risco a vida dos presos. Os familiares exigem a volta das visitas, respeitando as recomendações das autoridades sanitárias.
O racionamento de água dentro das prisões também foi uma questão apontada pelos manifestantes. De acordo com o grupo, em algumas unidades o acesso à água ocorre por nove minutos ao dia para celas superlotadas. Em outras, há água apenas quatro vezes ao dia durante 3 minutos, somando 12 minutos por dia e "obrigando-os a utilizar o sanitário dia sim dia não”, denunciaram.
“Constantemente recebemos denúncias de agressões físicas e outros tipos de tortura, práticas essas que ferem os direitos humanos e a dignidade da pessoa humana”, disseram os manifestantes por meio de nota.
Posição da Sejusp
"A Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), por meio do Departamento Penitenciário de Minas Gerais (Depen-MG), esclarece que não procedem as denúncias de "práticas autoritárias e de tortura" no sistema prisional mineiro. Com a suspensão das visitas, necessárias para contenção do vírus, os familiares podem ter contato com seus parentes de três formas: por meio de cartas (ação prevista para todas as unidades e com média de 35 mil recebimentos por semana), ligações telefônicas (cujo número é diferente em cada unidade e deve ser fornecido pelo presídio ou penitenciária; a média semanal é de 15 mil ligações realizadas) ou visitas virtuais por meio de videoconferências nas unidades em que essa tecnologia já está disponibilizada. Mais de 40% das unidades prisionais já realizam visitas familiares por videoconferência.
Com a suspensão das visitas e para esclarecer sobre novos procedimentos, o Departamento Penitenciário de Minas Gerais também tem emitido comunicados periódicos via WhatsApp para familiares que se cadastram, por meio do "Depen Comunica". Notícias sobre o sistema prisional são disponibilizadas diariamente também pelos canais oficiais da Sejusp e do Depen-MG.
Com relação às transferências, esclarecemos que o Depen-MG adotou um modelo pioneiro no país de circulação restrita de detentos no período de pandemia, classificado como referência pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública. Para evitar a contaminação por novos presos, foram criadas 30 unidades de referência, distribuídas em todo o território mineiro, que funcionam como centros de triagem e portas de entrada para novos custodiados do sistema prisional. Todas as pessoas presas em Minas Gerais estão sendo encaminhadas para uma unidade específica em cada região e ficam, pelo menos, 15 dias, em quarentena e observação, evitando possível contágio caso fossem encaminhadas de imediato para outras unidades. Após a observação e atestada a sua saúde, são encaminhadas para as demais unidades prisionais do Estado".
* Estagiária sob supervisão de Álvaro Duarte