Longe do conforto do home office e das garantias do trabalhador formal, cerca de 200 entregadores de aplicativos se reuniram na manhã desta quarta-feira (1) na Praça da Assembleia, Região Centro-Sul de Belo Horizonte, para anunciar uma paralisação de 24 horas. A greve denuncia as condições de trabalho precárias dos motofretistas, além de reivindicar direitos e melhorias.
O movimento faz parte de um iniciativa internacional, com adesão de entregadores de todo o Brasil e de países da América Latina, como Chile e Argentina.
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'É desumano'
Na pauta dos grevistas estão o aumento do valor mínimo das corridas e da remuneração por quilômetro rodado, seguro de vida que inclua cobertura de roubos e acidentes, sala de apoio para aguardar os chamados dos aplicativos, além do fornecimento de itens de proteção individual contra o coronavírus pelas empresas - máscaras e álcool em gel.
"Saímos de casa sem garantia sequer de que retornaremos. Estamos aqui exigindo o mínimo, que é sermos tratados como trabalhadores. Motoboy tem família, precisa sobreviver dignamente e faz planos como qualquer pessoa", argumenta a entregadora Vanessa Muniz, uma das organizadoras do movimento em BH.
"As pessoas não têm ideia de que, na maioria os dias, trabalhamos para comprar o arroz e o feijão. Frequentemente, voltamos para casa ao fim do dia com menos de 30 reais. Fora que somos trabalhadores da linha de frente e mal recebemos máscaras e álcool em gel dos aplicativos. Se eu adoecer, morrer ou me acidentar, quem vai sustentar meus filhos?", queixa-se o motoboy Marques Suelio Pinheiro. Ele diz que trabalha há cinco anos como entregador e ganha, em média, menos de R$5 por corrida.
"Os aplicativos levam de 27 a 40% do valor dos pedidos. A gente fica com 25% desse valor descontado. Ou seja, sobra muito pouco pra nós. Tem mês que eu pago pra trabalhar, porque ganho o suficiente só pra cobrir a gasolina", conta o trabalhador.
O motociclista Jefferson Ferreira denuncia ainda o que chama de "atitudes indignas" das empresas. "Se eu tiver um pedido cancelado, mas já tiver rodado 10 quilômetros para chegar no local, o prejuízo é todo meu. Não recebo um centavo do aplicativo por isso. Fora que recebi, até hoje, um único vidro de álcool em gel desde o início da pandemia e poucas máscaras de má qualidade. Estamos muito expostos, sem apoio nenhum. É desumano", reclama.
A categoria também se queixa de falta de diálogo com os aplicativos e com o poder público. O movimento inclusive reivindica uma reunião com a prefeitura e com o governo do estado para discutir a regulamentação da profissão de entregador. "Também queremos que os governos nos ajudem a mediar uma conversa com as empresas, que praticamente nos ignoram", relata a líder Vanessa Muniz.
Apps contestam queixas
O Estado de Minas solicitou esclarecimentos aos principais aplicativos de entrega que atuam em Belo Horizonte - Ifood, Rappi, Uber Eats e 99 Food- sobre as queixas e reivindicações dos grevistas. Todos disseram apoiar o direito à livre manifestação dos trabalhadores e negaram planejar qualquer tipo de punição aos participantes do movimento desta quarta-feira (1°). Além disso, contestaram as reclamações dos motofretistas, como remuneração abaixo do salário mínimo e falta de suporte para o enfrentamento da COVID-19.
Ifood
O aplicativo esclareceu que o preço médio das rotas é de R$ 8,46. Segundo a empresa, todo os parceiros são informados do valor da corrida antes de aceitar ou declinar a entrega. Os deslocamentos teriam valor mínimo de R$5 por pedido. “Em maio, o valor médio por hora dos entregadores foi de R$ 21,80. Para fins de comparação, esse valor é 4,6 vezes maior do que o valor por hora tendo como base o salário mínimo vigente no país”, diz a nota enviada pelo app. Ainda de acordo com o Ifood, os ganhos médios mensais daqueles que têm a atividade de entregas como renda principal - 37% dos parceiros cadastrados na plataforma - aumentaram 70% em maio na comparação com fevereiro.
O aplicativo também alega que oferece a todos os seus fretistas um seguro de acidente pessoal sem custo, com cobertura de despesas médicas e odontológicas, bem como indenização em caso de invalidez temporária ou permanente ou óbito causado pelo acidente. Sobre medidas de enfrentamento do Covid-19, o Ifood informou que criou um fundo de auxílio financeiro, ao qual foram destinados R$ 25 milhões. O dinheiro é empregado no auxílio financeiro de parceiros que pertencem ao grupo de risco da COVID-19 ou que apresentem sintomas da doença - e portanto estão impedidos de trabalhar. A empresa alega, por fim, que iniciou a distribuição de álcool em gel e máscaras reutilizáveis aos entregadores.
Rappi
A Rappi também argumenta que oferece seguro de vida e proteção à integridade dos fretistas desde o ano passado que, além da cobertura de despesas médicas e hospitalares, oferece parcerias que possibilitam descontos em serviços de manutenção de veículos. Outro ponto mencionado pela empresa é a criação de bases físicas para descanso dos parceiros - os chamados de Rappi Points.
Sobre a remuneração dos entregadores, a Rappi afirma que 75% dos motoboys e motociclistas ganham mais de R$ 18 por hora quando ativos em entregas, e quase metade deles passa menos de uma hora por dia conectada. “Entre fevereiro e junho, a empresa identificou um aumento de 238% no valor médio das gorjetas e de 50% no percentual de pedidos com gorjeta. Todo valor pago é integralmente repassado ao entregador”, acrescenta o comunicado enviado pelo aplicativo.
Para auxiliar os parceiros no enfrentamento da pandemia do novo coronavírus, o app diz ter iniciado a distribuição de álcool em gel e máscaras, além da sanitização de carros, motos, bikes e bags. A exemplo do Ifood, a Rappi relata que instituiu um fundo de auxílio financeiro aos entregadores infectados pela COVID-19, com suspeita de infecção pelo vírus que, no Brasil, está sob a gestão da Cruz Vermelha.
Uber Eats
O aplicativo enviou à reportagem uma nota assinada pela Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (AMOBITEC). O texto ressalta que empresas associadas à entidade (Uber, 99, Buser, Movo, Lime, Quicko, Ifood e Grow) implementaram ações de apoio aos entregadores parceiros desde o início da pandemia. Como exemplo, citou a distribuição gratuita ou reembolso pela compra de materiais de higiene e limpeza, como máscara, álcool em gel e desinfetante, e a criação de fundos para o pagamento de auxílio financeiro aos parceiros diagnosticados com Covid-19 ou que estão incluídos em grupos de risco.
"Além disso, os parceiros cadastrados nas plataformas estão cobertos por seguro contra acidentes pessoais durante as entregas", afirma o comunicado.