"Não tenho ideia de quem fez isso, pois não tenho inimigos”, diz Odilon Tavares, dono do sebo a céu aberto instalado há três anos na calçada da Rua Grão Mogol, na região da Savassi. O acervo de 5 mil obras amanheceu queimado no último sábado (27). “Só sei que foi de propósito e que não é coisa de maloqueiro”, afirma o livreiro, com a perspicácia de quem foi morador de rua e, portanto, conhece bem os personagens e tramas do cenário.
todos coletados no lixo de bairros nobres da Região Centro-Sul da capital. A boa notícia é que o espírito de solidariedade e o apreço pela leitura prevaleceram sobre o vandalismo. Quatro dias após o ataque, Odilon recebeu mais de dez mil doações e já faz planos de retomar o negócio.
O incêndio, que está sob investigação da Polícia Civil, destruiu quase 3 mil livros. Ou seja, mais da metade do estoque do comerciante, que reunia de clássicos da literatura a romances adolescentes - “Agora tenho mais que o dobro de livros que eu tinha antes. Fiquei muito satisfeito. A recuperação foi muito mais rápida do que eu pensava. Sinal de que há muito mais pessoas boas no mundo do que ruins”, reflete o empreendedor. A grande quantidade de donativos é fruto de uma mobilização nas redes sociais. Contada no Twitter e no Instagram, a história do livreiro comoveu os moradores de BH, que promoveram uma campanha para ajudá-lo a se reerguer.
Quem passa pela Savassi em BH deve conhecer esse sebo do seu Odilon. Ele vende livros a $5 de quaisquer gênero.
%u2014 Jamais Malik %uD83C%uDF39 (@voodoododia) June 30, 2020
Covardemente, este fim de semana ele foi destruido e queimado em ato de vandalismo.
Se aqui está rede é mais viral, bora ajudar?
A foto é de Paulo Nogueira. pic.twitter.com/9FHOqdoiN5
Tavares elogia a qualidade dos volumes recebidos - romances, coletâneas de poesias, obras de autoajuda e best sellers: “A grande maioria está em muito bom estado. Alguns livros são novos. Trouxeram para mim de tudo um pouco. Tem de Harry Potter a Machado de Assis por aqui”, relata.
Quem quiser contribuir para a estante de Odilon basta comparecer ao ponto de vendas do dele, que fica na Rua Grão Mogol, esquina com Avenida do Contorno, no passeio da papelaria Kalunga. O vendedor fica por lá de 9h às 20h. “Caso eu não esteja presente, meu amigo Horácio, que dorme ali, recebe para mim”, avisa.
Duzentos livros por dia
Ex-catador de papelão, Odilon Tavares, de 58 anos, é de Carandaí, na Região Central de Minas. Ele estudou até a quarta série do Ensino Fundamental e conta que nunca leu um livro completo. As leituras costumam ficar pela metade pois, segundo o comerciante, as obras dos estilos pelas quais ele se interessa - religião, administração e marketing - são vendidas rapidamente. Os exemplares saem pelo preço médio de R$ 5. Num bom dia, o microempreendedor diz que chega a vender 200 volumes. A clientela é composta basicamente por pessoas que circulam na Região Centro-Sul e por outros sebos.
Casado, pai de duas filhas, Odilon morou na rua durante quase todo o ano passado, época em que esteve separado da mulher. A história dele, no entanto, acumula muitos outros períodos “sem teto”. Ele relata que o incêndio não foi único episódio violento de sua trajetória como livreiro. “Teve uma época, quando eu estava dormindo na calçada, que queimaram meus pertences. Colchão, cobertor, material de higiene. Me deixaram sem nada. Depois, me roubaram carrinhos e 5 mil livros. Sou um cara preparado para a vida. Essas coisas já não afetam o meu psicológico”, filosofa.