A retomada do isolamento em Belo Horizonte, restringindo as atividades, inclusive do comércio, ao nível essencial devido à pandemia da COVID-19 teve menor impacto do que quando a medida foi decretada, em 20 de março. Isso mostra uma menor adesão da população, apesar de mais pessoas contaminadas e óbitos pelo novo coronavírus. No período inicial, o decreto de isolamento radical passou a valer no dia 20 daquele mês e durou 66 dias, até 25 de maio, quando a primeira flexibilização ocorreu. A resposta da população medida pelo volume de congestionamentos da ferramenta de navegação e trânsito Waze, do Grupo Google, mostrou um fluxo que representa 27,6% do normal, ou seja, pré-pandemia. Já a média de tráfego verificada entre 30 de junho e 1º de julho, quando BH retornou à situação de abrir apenas o essencial, o tráfego ficou mais alto, em 32,6%. Especialistas dizem que isso reflete o medo de aglomerações no transporte público e a degradação do espírito de colaborar da população.
Quando primeiramente foi decretado que apenas as atividades essenciais poderiam funcionar, em março, o tráfego atingiu seu menor patamar da pandemia, com média de 22% do volume normal de veículos nas ruas. Mas, quanto mais tempo a população foi deixada em regime de afastamento social, pior esses índices se tornaram, com abril registrando 24,7% e maio, 33,2%. Ou seja, a adesão atual, de 32,6%, está no mesmo patamar do último e pior mês em termos de adesão ao isolamento máximo já enfrentado pela capital mineira.
Como a reportagem do Estado de Minas vem mostrando desde maio, os piores índices de engarrafamentos são aos sábados e domingos, o que mostra que muitas pessoas estão saindo para lazer em vez de ficar em casa afastadas do contato interpessoal e auxiliando no bloqueio à disseminação do novo coronavírus. Para ter uma ideia, os domingos seguiram escala crescente, com março registrando média de 42,5% de um dia normal, abril, de 45,25%, maio, 58,4%, e junho com um salto impressionante que chegou a superar os níveis pré-pandemia, com média de 101,8% do volume anterior à circulação do novo coronavírus em BH. Com movimento de 74,1% do corriqueiro, os sábados de junho também tiveram grande incremento de carros ante março (28%), abril (28,5%) e maio (41,2%).
Esse aumento no movimento de pessoas, muitas sem usar máscaras e ignorando procedimentos como o distanciamento, a não formação de aglomerações e a higiene das mãos, corpo e roupas, levou a COVID-19 a índices graves. Quando a primeira flexibilização ocorreu, em 25 de maio, por exemplo, permitindo que algumas atividades e o comércio voltassem a operar moderadamente, o número de mortos em BH era de 42 e o de casos confirmados chegava a 1.392. Em 29 de junho, véspera da retomada do fechamento de atividades e sua restrição ao essencial, as mortes já eram 130 e os casos positivos acumulavam 5.310 pacientes.
Indicadores
Em conjunto com os especialistas do Comitê de Enfrentamento à Epidemia da COVID-19 na capital mineira, o prefeito Alexandre Kalil decidiu então retroceder à forma mais rígida de distanciamento para tentar frear a COVID-19. No processo de tomada de decisão, foram analisados três indicadores principais: o número médio de transmissão por infectado (R0) e as taxas de ocupação de UTIs e leitos de enfermaria específicos para pacientes com a doença, que já estavam beirando 90%, o que poderia levar a um colapso no sistema de saúde.
Durante os 108 dias da pandemia em BH monitorados pelo relatório do Waze, foram registrados picos (índices mais altos) e vales (resultados mais baixos) da série histórica. Os dois dias com maior movimento foram 14 de junho, primeiro domingo após o segundo anúncio de flexibilização das atividades, com 155% de um movimento normal pré-pandêmico, e 21 de junho, com 120,7% do regular. Já o domingo seguinte, com o anúncio de retrocesso ante a estatísticas críticas de casos, doentes, mortos e a falta de leitos, o movimento no domingo, dia 28 enfraqueceu e ficou em 74,7%. As datas de menor movimento foram 10 de abril, uma sexta-feira, com 9,7% do fluxo regular, e 21 de abril, uma terça-feira, com 9,8%.
IsolamentoX Flexibilização
3 Impactos das medidas no tráfego de Belo Horizonte
17/3 (Decreto de Situação de Emergência em Saúde Pública)
18/3 (Escolas suspendem as aulas)
20/3 (Isolamento – Fase 0 – apenas atividades essenciais)
25/5 (Fase 1 de flexibilização – comércios e atividades abrem)
8/6 (Fase 2 de flexibilização – salões de beleza e comércios populares)
29/6 (Retorno à fase 0 – apenas atividades essenciais)
Reflexos do isolamento no trânsito
16 a 19 de março (pré-isolamento)
51%: normal (antes da pandemia)
20 de março a 24 de maio (isolamento fase 0)
27,6%: normal
25 de maio a 7 de junho (Fase 1 da flexibilização)
40,1%: normal
8 de junho a 28 de junho (Fase 2 da flexibilização)
65,5%: normal
30 de junho a 1º de julho (regressão ao isolamento Fase 0)
32,6%: normal (mais alto que antes)
Fonte: Waze, PBHTroca do ônibus por carro e moto
O aumento progressivo dos engarrafamentos em BH, mesmo quando medidas mais duras visando ao controle da COVID-19 fecham o comércio e outras atividades, pode ser explicado pelo fato de as pessoas tentarem evitar o transporte público e suas tradicionais concentrações de passageiros. “Estamos tendo um problema sério. As pessoas não querem ficar aglomeradas. Com isso, o crescimento do transporte individual por carros e motos tem sido grande. Mesmo quem tem carro, mas evitava usá-lo no dia a dia, preferindo o veículo para momentos de lazer, a partir de um determinado momento e com a tarifa alta está usando a opção privada e ampliando o tráfego”, afirma o professor de transporte e trânsito da Universidade Fumec, Márcio Aguiar.
Avaliando esse comportamento em BH, o especialista diz acreditar que toda vez que as atividades abertas recuarem, será normal perceber o trânsito se ampliando. “Mesmo com o comércio mais fechado, as pessoas permanecem ainda ativas e quando tiver uma reabertura voltam a circular de forma ainda maior. No pós-pandemia, deve aumentar demais o transporte particular com esse costume tendo ficado. Isso reflete também um transporte público ruim, caro e ineficiente”, afirma Aguiar.
Outro motivo que deve ser levado em conta até para o planejamento de flexibilização ou regressão de isolamento, na avaliação do professor da Fumec, é a disposição das pessoas em ficar isoladas que vai se esvaindo com o tempo se nada mais for feito. “As pessoas não aguentam isso. Aproveitam o fim de semana para visitar alguém. Estão saindo mais do isolamento e isso reflete nessa ampliação de casos. Há um limite para contar apenas com a colaboração das pessoas em ficar em casa”, pondera Márcio Aguiar.
Por meio da BHTrans, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) informou que os números referentes à semana de 29 de junho a 3 de julho ainda estão sendo contabilizados pela empresa de transporte e trânsito, que aguarda consolidar o movimento de veículos no Centro da capital mineira. “Os números da movimentação do tráfego são repassados ao Comitê de Enfrentamento à COVID-19 da Prefeitura de Belo Horizonte e servem de base e análise às medidas que serão tomadas”, informou a BHTrans.