Ao mesmo tempo em que olhos do mundo se voltam para a evolução da pandemia no Brasil, e a população acompanha com temor a escalada da COVID-19 no país, em laboratórios, cientistas trabalham arduamente perseguindo vacinas eficazes para prevenir a doença. Essa realidade se tornou mais próxima dos mineiros com a informação, divulgada na semana passada, de que uma das fórmulas será testada no estado, sob coordenação da Universidade Federal de Minas Gerais – instituição que também é responsável por estudos nacionais em busca de um imunizante contra o novo coronavírus.
Dos trabalhos em andamento, alguns estão em estágios mais avançados, como as parcerias firmadas pelo Ministério da Saúde com a Universidade de Oxford e do governo de São Paulo com o laboratório Sinovac, da China. Esse último desenvolve a pesquisa cujos resultados serão testados também em pacientes mineiros, entre 9 mil brasileiros.
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Na sexta-feira, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou o início dessa fase. Além de Minas e São Paulo, haverá testes da fórmula em voluntários em Brasília, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Paraná. Como as fases 1 e 2 de pesquisas, incluindo as provas em animais, já foram superadas, o Butantan vê a vacina como uma das mais promissoras para o enfrentamento da COVID-19.
EXPECTATIVA “O Butantan realizará o desenvolvimento final da vacinação. Pela minha expectativa, essa é uma das vacinas mais promissoras do mundo. Havendo registro, vamos sair já com um acordo de disponibilização para o Brasil, a princípio, de 60 milhões de doses (fabricadas inicialmente na China)”, afirma o presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas.
De acordo com ele, se as expectativas se confirmarem, as doses fabricadas na China devem ficar prontas em setembro. A partir daí, a distribuição e a definição do público-alvo da campanha de vacinação no Brasil ficariam por conta do Programa Nacional de Imunização, do Ministério da Saúde. Além desses 60 milhões de doses importadas, o Instituto Butantan deve produzir 100 milhões. Porém, isso exigirá uma adaptação que pode levar até 10 meses.
“O acordo com o laboratório Sinovac prevê, especificamente, a transferência de tecnologia para produção em escala industrial da vacina contra o coronavírus em São Paulo, pelo Butantan. A imunização será distribuída gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde, em São Paulo e em todo o país. A capacidade de produção do Butantan é de 100 milhões de unidades”, disse o governador paulista, João Dória.
Ainda de acordo com Dória, a Sinovac já fez testes em mil voluntários. A grande diferença da “Coronavac” – como é chamada a vacina desenvolvida pelo laboratório chinês – para as demais em pesquisa é o uso de fragmentos inativos do novo coronavírus para induzir o sistema imunológico a produzir anticorpos contra a COVID-19.
“A vacinação desses 9 mil voluntários será na escala de um para um: uma pessoa recebe a vacina, outra recebe a substância chamada placebo, que é inócua. E tudo isso será acompanhado, por um determinado tempo, por um organismo internacional que verifica os dados (que indicam se a vacina é eficiente e segura)”, disse o presidente do Butantan.
Fórmula de Oxford para 5 mil brasileiros
Em outra frente, a Universidade de Oxford, que conta com vários pesquisadores brasileiros, também vem desenvolvendo uma vacina para prevenir a infecção pelo coronavírus, em parceria com o grupo farmacêutico anglo-sueco AstraZeneca. As doses, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), são consideradas as mais promissoras até o momento. Essa fórmula será testada no Brasil por meio da parceria do Ministério da Saúde e Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
A vacina, de acordo com a diretora médica da AstraZeneca, Maria Augusta Bernardini, já está em fase avançada de desenvolvimento. Em todo o mundo, 50 mil voluntários estão envolvidos para a testagem das doses, sendo 10 mil no Reino Unido e 30 mil nos Estados Unidos. Pessoas da África e da Ásia também participarão. No Brasil, serão 5 mil participantes, como profissionais de saúde, sob coordenação da Unifesp. A autorização para os estudos e testes foi concedida pela Anvisa em 2 de junho.
“É na fase 3 que acontecem os estudos multicêntricos envolvendo milhares de pacientes, por um período de tempo maior, geralmente em comparação com outros tratamentos existentes, trazendo novos dados relacionados à eficácia, segurança e imunogenicidade da vacina”, explica Maria Augusta Bernardini, da AstraZeneca.
O acordo fechado com a farmacêutica multinacional também prevê a compra de ingredientes e transferência de tecnologia para que a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, possa produzir a vacina em larga escala. Caso a pesquisa seja bem-sucedida, as doses serão produzidas antes mesmo dos resultados finais e do registro oficial do imunizante. Está prevista a produção de 15,2 milhões de doses em dezembro e de outras 15,2 milhões em janeiro, segundo informou em audiência virtual na Câmara dos Deputados a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima. O custo será de US$ 127 milhões.
Distribuição pode ter início em dezembro
Caso a vacina seja aprovada, outros 70 milhões de doses serão produzidas ao custo de US$ 161 milhões. Os resultados iniciais da terceira e decisiva fase estão previstos para sair entre outubro e novembro. A expectativa é de que os dados parciais atestem a eficácia das doses, para que a AstraZeneca, em parceria com a Anvisa e demais entidades regulatórias mundiais, busque autorização de registro em caráter excepcional. Dessa forma, será possível iniciar a distribuição em dezembro deste ano.
A estratégia usada nessa vacina é a de um vetor viral não replicante. Os pesquisadores usam um vírus diferente do coronavírus como uma forma de “enganar” o organismo. Nesse caso, é usado um adenovírus, que é geneticamente modificado para ser fraco e incapaz de se replicar no corpo humano, contendo material genético de uma proteína do novo coronavírus. Quando a vacina é inserida no corpo, espera-se que o sistema imunológico promova uma resposta que bloqueie o causador da COVID-19.
“As vacinas foram administradas a mais de 6 mil pessoas até o momento e mostraram-se seguras e bem toleradas, embora possam causar efeitos colaterais leves e temporários numa minoria dos vacinados, relacionados temporalmente ao momento e poucos dias subsequentes à aplicação, como aumento da temperatura, sintomas semelhantes aos da gripe, dor de cabeça ou dor no braço”, salientou Bernardini.