Jornal Estado de Minas

COVID-19

UFMG pesquisa imunização baseada na BCG, que previne tuberculose

Professor Sérgio Costa coordena as pesquisas para o desenvolvimento da vacina contra a COVID-19, utilizando a base da BCG (foto: Sara Grunbaum)

Além das pesquisas avançadas envolvendo indústrias estrangeiras para desenvolvimento de imunização contra o novo coronavírus, há estudos 100% brasileiros em curso. É o caso do trabalho conduzido por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais, que estão desenvolvendo estudos para a criação de uma fórmula utilizando como base a vacina BCG, que previne contra a tuberculose.



 

Quem coordena o projeto é o professor Sérgio Costa Oliveira, titular do Departamento de Bioquímica e Imunologia da UFMG. Em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina, Instituto Butantan e o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Doenças Tropicais (INCT-DT), pesquisadores tentam produzir uma vacina dupla, que proteja contra a tuberculose e a COVID-19.

 

“A gente aproveitaria a plataforma da BCG, que é uma vacina utilizada para o controle da tuberculose, para também, controlar a COVID-19. Lembrando que a tuberculose é uma doença pulmonar, como também os sintomas mais graves do novo coronavírus vão atingir o pulmão. Então, o que estamos tentando é fazer com que a bactéria BCG – base da vacina contra a tuberculose – possa produzir proteínas importantes do novo coronavírus, para que a gente faça uma vacina dupla. Esse é o princípio do projeto”, explica o professor.

 

Uma das principais vantagens do estudo conduzido pelos pesquisadores, de acordo com o pesquisador, é a biossegurança da vacina da BCG, aplicada em bilhões de pessoas e integrante do Programa Nacional de Vacinação do Ministério de Saúde. “A gente está trabalhando ainda em laboratório, em experimentos com ela. A ideia por trás do projeto é adotar a BCG, que é uma vacina extremamente segura, já utilizada há décadas no Brasil e em outras partes do mundo. Bilhões de indivíduos já a receberam sem nenhum efeito colateral. É uma grande vantagem, porque outras vacinas que estão sendo desenvolvidas com o vírus ainda têm uma questão de biossegurança bem complexa, que tem que passar por várias fases”, acrescenta.



 

A pesquisa ainda está na primeira etapa. Mas, de acordo com o professor, a previsão é de que os estudos avancem para o segundo estágio no fim do ano, quando animais em laboratório receberão as doses da vacina formulada. “Estamos no processo de construção dessa BCG, que a gente chama de recombinante, produzindo essas partículas do vírus da COVID-19. A previsão é de que no fim do ano comecemos a fazer testes em animais no laboratório. Se tudo der certo, no próximo ano faremos testes humanos”, detalha.

 

Brasil ganha com múltiplas pesquisas

Com diversas frentes de pesquisas em andamento, os brasileiros veem uma esperança em meio ao alto número de casos confirmados de COVID-19 e mortes provocadas pela doença no país. Para o governador de São Paulo, João Dória, quem ganha com a multiplicidade de estudos é o país.

 

“Estaremos caminhando simultaneamente com a vacina de Oxford e da AstraZeneca, que começa sua testagem, também, nos próximos dias. Tanto melhor para o Brasil ter duas boas produtivas e corretas vacinas. Mais pessoas vacinadas, mais pessoas imunes. Ganha o Brasil e a saúde do país”, disse.



 

O professor Sérgio Costa Oliveira, da UFMG, também não acredita que uma vacina irá excluir a outra. No entanto, ele alerta que tudo dependerá da terceira e decisiva fase, que, de fato, vai detectar a eficácia das doses. “São diferentes abordagens. A gente não sabe, até o momento, se alguma delas tem uma eficiência comprovada. Vai depender dos ensaios de fase 3, com vários indivíduos, para ver se haverá efetividade”, afirmou.

 

Ele explica a importância das pesquisas nacionais, mesmo que em fases menos adiantadas: “Essas são vacinas feitas fora do Brasil. O que estamos tentando desenvolver, inclusive outros colegas também estão, em outras estratégias aqui no Brasil, é uma tecnologia nacional. Não quer dizer que uma vai excluir a outra. Às vezes, uma vacina de Oxford, por exemplo, vai ativar e proteger o indivíduo parcialmente. E pode haver outra, inclusive uma nossa, que vai dar maior proteção”, analisou.

 

Degraus até a proteção

Afinal: quais as etapas para o desenvolvimento de uma vacina? Quem conta o passo a passo é Maria Augusta Bernardini, diretora médica da farmacêutica multinacional AstraZeneca

 

 

  1. Pesquisa em laboratório, que possibilitará a definição de melhor estratégia da vacina
    “O desenvolvimento de uma vacina segue altos padrões de exigência de qualidade e protocolos de procedimentos éticos em todas as fases. O processo inclui a pesquisa inicial em laboratório (chamada de pesquisa in vitro), seguida por testes em animais (chamada de pesquisa pré-clínica) e em seres humanos (chamada de pesquisa clínica), até a avaliação final dos resultados pelas agências reguladoras. Após estudos sobre o mecanismo da doença, inicia-se a fase exploratória ou laboratorial, momento em que são avaliadas dezenas e até centenas de moléculas para se definir a melhor composição da vacina.”


  2. Testagem em animais
    “A fase pré-clínica vem logo em seguida, após a definição dos melhores componentes para a vacina, quando são realizados testes em animais para comprovação dos dados obtidos em experimentações in vitro.”

  3. Testagem em humanos, subdividida em três fases
    “Começa a parte do processo em que a vacina é testada em humanos. Ela se divide em 3 fases. A primeira envolve pequenos grupos de indivíduos sadios, para avaliar a segurança do produto e quais seriam as doses iniciais para uso humano. Na fase 2, centenas de voluntários são escolhidos de forma aleatória, incluindo alguns pertencentes a grupos de risco, com foco em analisar mais detalhadamente a segurança do novo produto e também qual a dose ideal em relação à eficácia produzida/desejada. A fase 3 é a etapa final do desenvolvimento, quando milhares de testes são realizados para avaliar a eficácia em condições naturais de presença da doença, ou seja, em locais onde a doença está com a curva de contágio ascendente, como é o caso do Brasil.”

  4. Registro e distribuição da vacina
    “Uma vez que os resultados se mostrem positivos, a vacina é submetida às autoridades regulatórias para aprovação e posterior produção e distribuição. Mesmo depois de aprovada, a nova vacina continua sendo monitorada em busca de eventuais reações adversas. Outros estudos continuam a ser conduzidos para responder a diferentes condições clínicas, como aumento/inclusão de diferentes populações-alvo, durabilidade de efeito etc.”