Jornal Estado de Minas

COVID-19

Mercado de testes rápidos para coronavírus explode, e os riscos também

 
Em meio à pandemia do novo coronavírus, e diante da enxurrada de informações sobre a COVID-19, os chamados testes rápidos começaram a ocupar cada vez mais espaço nos estoques de drogarias Brasil afora, na mesma velocidade com que explodiu a procura por eles. O que surgiu com a proposta de dar mais velocidade ao diagnóstico da doença se tornou um problema na visão de especialistas, pois é cada vez maior o número de pessoas que passam pelo procedimento, feito a partir da coleta de uma gota de sangue, sem indicação médica. E pior, sem acompanhamento de um profissional de saúde, o que aumenta ainda mais a possibilidade de resultados falsos ou mal interpretados. Tudo isso em um cenário no qual essa avaliação é considerada a menos fidedigna das três disponíveis no mercado e é também a única que não tem cobertura obrigatória por planos de saúde (veja quadro).



O peso da dúvida que pode custar caro, tanto em caso de um falso-positivo quanto de um falso-negativo. “São exames de uso profissional. Não é igual ao teste de gravidez, que a pessoa compra e faz em casa”, alerta a presidente do Conselho Regional de Farmácia de Minas Gerais (CRF/MG), Junia Medeiros. 
 
De acordo com fontes ouvidas pelo Estado de Minas, alguns testes são comprados pelo comércio a cerca de R$ 90, e revendidos por aproximadamente R$ 200. Um gasto que, se não for indicado por médico e analisado por profissional competente pode ser em vão. “Infelizmente, já tem rede de farmácia, talvez laboratórios também, com propaganda dizendo ‘Faça seu teste rápido e, dependendo do resultado, você pode visitar sua família’. Olhe que perigo”, alerta a presidente do CRF/MG.
 
A equipe do EM comprovou que pelo menos uma rede de saúde com atividade em Belo Horizonte oferece o serviço sem prescrição médica, o que é contraindicado pelos profissionais. “Muitas pessoas podem estar fazendo testes de forma equivocada, acreditando que o teste, isoladamente, é a solução para saber se tem ou não o vírus. A decisão de fazer um exame complementar deve ser inteligente, pautada em um motivo clínico para se testar e no momento adequado. Caso contrário, há chance de um falso-negativo em alguém positivo, por exemplo”, explica Leandro Duarte de Carvalho, professor e coordenador do Eixo Ético-Legal da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais.




 
O teste rápido é feito a partir de uma fita de nitrocelulose que reage com o sangue e detecta ou não os anticorpos produzidos pelo corpo humano para combater a COVID-19. É indicado que só seja feito a partir do sétimo dia de sintomas, justamente pela possibilidade de o organismo não ter tido tempo de gerar defesa antes desse período.
 
É esse processo de detecção que põe em xeque a eficácia do teste, porque o procedimento não mapeia o novo coronavírus, mas sim anticorpos. “Um resultado falso-positivo pode ocorrer por eventual interferência de anticorpos de contato prévio com outros coronavírus, ou seja, o paciente já tem anticorpos ligados ao micro-organismo do tipo, mas não contra o Sars-Cov-2, que causa a COVID-19”, explica o professor Leandro Duarte de Carvalho.
 
Mas, então, por que o teste rápido continua à venda? Justamente pelo adjetivo que o acompanha: como o resultado é ágil, em alguns casos ainda se justifica o uso desse exame. “Em Betim (na Grande BH), por exemplo, o protocolo é esse: se a pessoa faleceu antes de sair o outro resultado, que demora em torno de três a cinco dias, é utilizado o teste rápido para fazer o atestado de óbito”, detalha Junia Medeiros, que além de presidente do CRF também trabalha em pronto-atendimento.




 
Outra indicação do teste rápido, segundo ela, é quando se detectam sintomas da COVID-19 em uma pessoa que convive em grupo durante a pandemia, como trabalhadores de serviços essenciais. 
 
Se um profissional de saúde, por exemplo, apresenta sinais da virose é indicado que ele passe pelo exame com resultado mais ágil para, se for o caso, ser isolado.
 
Ainda assim, é preciso cuidado. Isso porque, em razão da possibilidade de falso-negativo, é preciso que um farmacêutico, no caso das drogarias, avalie o quadro clínico por completo. 
 
“A pessoa precisa entender que, se um resultado de exame deu  negativo, mas está com sintomas, deve procurar o serviço de saúde”, pontua a presidente do CRF/MG.

(foto: Arte EM)

 

Consumidor vulnerável 

 
Para o advogado Renato Assis, especialista em direito da saúde e responsável pelo escritório Assis Videira, a pouca orientação das autoridades sobre o teste rápido deixa o consumidor vulnerável, sobretudo em um momento de tensão como o da pandemia. “O consumidor está em um papel de grande fragilidade neste momento. A melhor saída é buscar orientação com os próprios planos de saúde, para quem tem acesso. Só que estamos falando de 25% da população. Quem não tem precisa procurar um atendimento de profissional de saúde, mesmo que a distância”, recomenda.




 
Vale lembrar que a Prefeitura de Belo Horizonte fornece o serviço de teleconsulta durante a pandemia. Basta acessar o aplicativo ou o site da PBH e se cadastrar para uma consulta on-line. Após confirmar o cadastro no SUS-BH, o paciente entra em uma tela para escolha da data e horário, dentro da disponibilidade da rede SUS. No dia e hora agendados, o usuário entrará novamente no sistema com seus dados cadastrais (CPF e data de nascimento) e terá acesso à consulta por vídeo.
 
Ainda assim, o advogado Renato Assis recomenda que os consumidores estejam atentos ao que é oferecido por drogarias e laboratórios, justamente para não gastar dinheiro equivocadamente. E dá dicas para que o consumidor haja. “Quem usa plano de saúde pode procurar os serviços de atendimento específicos ou até mesmo o Procon. Além disso, indico uma plataforma da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon). É um órgão ligado ao Ministério da Justiça, que faz um trabalho mais ágil e assertivo que os Procons para esse tipo de atendimento”, opina.
 
O especialista alerta, contudo, que em casos mais graves o consumidor pode acionar até mesmo a Justiça. Apesar disso, Renato pontua que esse caminho é demorado e pode ter custos elevados caso um advogado seja contratado. 




 

Opções mais seguras e cobertas por planos 

 
Além dos chamados testes rápidos, há outras duas opções para detectar a infecção pelo novo coronavírus: os exames molecular e sorológico. Os dois são cobertos pelos planos de saúde no Brasil graças a duas resoluções da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Porém, da mesma forma, é indicado que um médico receite o procedimento. As operadoras de plano só custeiam os diagnósticos com pedido profissional.
 
O teste molecular também é conhecido como RT-PCR. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), esse procedimento é reconhecido como padrão ouro: o mais fidedigno entre as alternativas do momento. Isso porque é capaz de detectar o material genético do vírus a partir da coleta da secreção presente no nariz e na faringe do paciente. O ideal é fazer o exame entre três e sete dias do surgimento dos primeiros sintomas da doença.
 
Foi exatamente essa a opção do produtor de vídeos Lucas Félix, de 25 anos, de Contagem, na Grande BH. Ele viajou com a família para um cruzeiro em Santos em março, ainda no início da pandemia. Quando retornou, apresentou sintomas da doença e quis fazer o teste.




 
“Viemos de Santos e ficamos um fim de semana em contato com outras pessoas. Foi justamente na semana em que a chave virou no Brasil, e o isolamento social foi iniciado. O laboratório não fazia sem a receita, então fomos a uma médica, que prescreveu o exame. Daí, passei pelo procedimento quatro dias depois de retornar”, conta. O resultado deu negativo, mas o caminho adotado pelo jovem é o indicado pelos médicos.
 
Quem também adota o procedimento apontado como adequado pelos especialistas é o proprietário e responsável técnico pela clínica oftalmológica Elo, no Bairro Funcionários, Centro-Sul de BH, Fábio Kanadani. Como se trata de serviço essencial, o estabelecimento tem funcionado na pandemia e adotado medidas que vão além da higienização das dependências e conscientização dos funcionários. A clínica tem um protocolo de testes executado quando trabalhadores apresentam sintomas gripais.
 
De imediato, a pessoa que apresenta sinais de infecção passa pelo teste molecular, o RT-PCR, e é afastada de suas atividades enquanto o resultado não sai. Se o exame for positivo para a virose, o funcionário segue afastado até completar o período de 14 dias (janela de incubação).




 
Se o RT-PCR for negativo, o trabalhador faz mais um teste: desta vez o rápido, para assegurar que não está infectado. E só retorna caso o resultado seja novamente negativo. “Já tivemos que adotar um protocolo para duas funcionárias. Uma foi positivada (no molecular) e se afastou por 14 dias. A outra foi negativada no primeiro e no segundo. Então, voltou ao trabalho sete dias depois”, conta Kanadani.
 
Além das alternativas adotadas pela clínica, existe ainda o teste sorológico, que entrou para o rol de obrigações dos planos de saúde no último dia 29. Os exames, realizados a partir de coleta sanguínea, detectam a presença de anticorpos produzidos pelo organismo após exposição ao vírus. O ideal é que seja usado a partir do oitavo dia de sintomas. 
 
Quando publicou a resolução sobre os sorológicos, a ANS ressaltou que o uso dos testes deve ser feito apenas por profissionais. Também destacou que sua execução requer o cumprimento de protocolos e diretrizes técnicas de controle, rastreabilidade e registros das autoridades de saúde.