O casamento durou 15 anos. Os últimos, marcados por traições, abusos psicológicos e, por fim, agressão física. Ana Flávia Couto, de 40 anos, conta que os seguidos arremessos contra a parede que sofreu do ex-marido, em julho de 2019, ocorreram na frente do filho, na época, com 8. Ela não suportou mais. Enquanto a polícia a escoltava, pegou duas malas, colocou roupas para ela e a criança, jogou no porta-malas do carro e dirigiu por 18 horas. Deixou Cascavel (PR) e viajou para a casa dos pais, em Belo Horizonte. Desde aquela tarde de terça-feira, foram 11 meses de silêncio, dor e solidão. Na quarentena, no entanto, descobriu que não estava mais sozinha.
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Presente em 88% dos municípios, COVID-19 já soma 73.813 e 1.550 mortes em Minas GeraisCelular, vilão que virou queridinho nas aulas em tempos de COVID-19Entre solução e pesadelo na pandemia, ensino remoto ainda é desafio8 conselhos de 'coach de separação' que ensina mulheres a esquecerem os exTécnico de enfermagem morre de coronavírus em BHCasos de COVID-19 passam dos 75,8 mil em Minas; 1.576 morreramArtistas trocam obras por cestas básicas para doação na Grande BHO estranhamento inicial que Ana sentiu ao abrir seu coração para pessoas desconhecidas foi quebrado pela empatia. “Tinha uma mulher da Flórida (EUA)... Ela virava pra mim e falava: ‘Nossa, eu queria poder estar aí para te abraçar’. Engraçado que uma frase tão pequena foi que me deu forças para ir dormir tranquila”, recorda Ana Flávia. Duas semanas após a primeira reunião, ela consegue entender o que viveu. “Foi um destrave. Era como se fosse uma mangueira entupida e, quando eu resolvi falar, tudo saiu. Destravou tudo”, comenta. Para ela, o acolhimento foi transformador. “Meus problemas não mudaram. O que mudou fui eu. Quando entendi que ali estava sendo recepcionada por pessoas que entendiam minha dor, por mais que o caso não fosse o mesmo, isso me deu um alívio”, afirma.
“A dor de perder um amor, de dar novo significado ao seu papel social, tudo é muito solitário. Tive uma cliente que falou que se sentiu ‘expulsa da pracinha’. Agora, com a pandemia, as coisas pioraram”, conta a advogada Gabriella Sallit. Em março, quando o avanço da COVID-19 forçou o distanciamento social no país, ela se sentiu ainda mais preocupada com mulheres que passaram a viver confinadas em um relacionamento que já havia se esgotado ou na solidão do divórcio.
“Os conflitos entre casais aumentaram, mas o acesso ao Judiciário e aos advogados diminuiu, assim como a possibilidade de coisas práticas, como procurar um apartamento e mudar de casa”, comenta Sallit. Foi aí que ela procurou as psicólogas Lívia Guimarães, Júlia Oliveira e Junia Diniz e, juntas, criaram o projeto de apoio a mulheres em processo de divórcio.
A essência do projeto está no apoio e na troca de experiências. Segundo a psicóloga Lívia Guimarães, não existe fórmula pronta para solução dos traumas, perdas e mudanças de uma separação. O que os encontros dessas mulheres têm mostrado é que contar e ouvir histórias umas das outras tem trazido alívio e força para enfrentar dores individuais. “Uma palavra, mais uma palavra, mais outra palavra favorecem a construção de um novo laço social, oferecendo a oportunidade de cada mulher dar um destino singular àquilo que foi coletivamente produzido”, ressalta a profissional.
Poda
Assim como as palavras de conforto e o abraço enviados pela jornalista Natália Machado, de 32, da Flórida, nos Estados Unidos, chegaram como um afago a Ana Flávia, ela também encontrou apoio no grupo. “O diferencial da terapia em grupo e on-line é que a gente consegue juntar mulheres de vários lugares, com várias realidades. Por isso que me interessou tanto e achei tão rico”, conta Natália, que se separou há quase dois anos, mas vive ainda os dilemas da reconstrução social. “Acho muito lindo este título ‘Se podar, a gente brota’, porque é exatamente isso que eu senti. Apesar de eu e meu meu ex-marido termos uma relação boa, sinto que eu estava sendo podada no relacionamento”, avalia.
Após o corte, a renovação
A escolha do lema “Se podar, a gente brota” como nome do grupo não foi por acaso. “As podas são ações necessárias à planta, servindo para impulsionar o desenvolvimento, para crescer de forma vigorosa e se proteger de pragas e doenças”, explica Júlia Oliveira, outra psicóloga do projeto. A analogia com o corte de ramos de vegetais norteia as fases da terapia. “A literatura nos ensina que existem três tipos de poda: de formação, de renovação e de floração”, enumera.
A primeira etapa, na poda de formação, segundo ela, é atribuída ao momento de enxergar que algo que não vai bem no relacionamento. “O sujeito olha para si e faz um corte: faz uma separação do outro, passando a se enxergar como um sujeito apartado, com desejos próprios. Tenta a partir daí se encontrar na trama construída pelo casal. É o início de um resgate de si”, explica.
Em um segundo momento, vem a renovação. A psicóloga explica que, nessa fase, a pessoa vivencia o seu luto pela separação, cada um com seu próprio tempo. “O luto da separação é um processo psíquico importante de ser realizado. Somente a partir dele o sujeito conseguirá se separar de fato daquele objeto ou situação e conseguirá estar novamente disponível para eleger outros objetos de afeto”, ressalta.
Por fim, vem a floração, etapa que marca a superação e o recomeço. “O sujeito elabora a sua separação. Faz as pazes com suas perdas. Encontra saídas para o seu mal-estar, faz apostas, sente-se confortável em eleger novos objetos de amor. Floresce para a vida novamente”, conclui, a profissional.
De desnorteada a orientadora
A engenheira civil e decoradora Hulla de Kássia de Oliveira, de 45 anos, conseguiu completar todas as etapas após dois anos de divórcio. Hoje, ela participa do grupo para compartilhar sua história de superação e recomeço com outra mulheres. O casamento de 10 anos acabou no fim de 2017. “Eu me encontrei divorciada, desempregada, com um filho pequeno. Aí, pensei: ‘Gente, o que eu vou fazer da minha vida?’” recorda.
Na família, terapia e grupos de ajuda, ela conseguiu o apoio e a força de que precisava. “Você tem que se resgatar, resgatar sua autoestima e cuidar da sua cabeça”, comenta. A corrida foi outra parceira que encontrou após a separação. Nos dias tristes, a atividade física ao ar livre era sua válvula de escape. Para as colegas de terapia, ela indica o mesmo. “Tire meia hora para você, nem seja para uma caminhada. Coloque um fone de ouvido e esqueça de tudo”, aconselha a veterana.
Hoje, ela e o ex-marido têm uma boa relação e conseguem se unir novamente no cuidado com o filho. E ela decidiu participar do projeto a convite de uma das psicólogas, para mostrar a outras mulheres que é possível vencer as perdas e dores de uma separação, mesmo com uma sociedade que ainda as oprime.
Se por um lado não existe receita para tratar os envolvidos em um processo de separação, por outro, é sim possível observar um perfil comum. “Se há algo que podemos observar naqueles que iniciaram a jornada de separação, naqueles em processo e naqueles que superaram esse acontecimento foi que a maioria deles volta o olhar para si e se reconhece enquanto sujeitos desejantes”, define a psicóloga Junia Diniz.
“Se podar, a gente brota” tem grupos semanais de terapia. As sessões remotas são organizadas pela Cativar – Espaço Familiar. “Gostaríamos de ressaltar primeiramente que divórcio é algo que se resolve no âmbito jurídico. Tratamos aqui de separações”, define Junia. Os grupos têm, no máximo, cinco participantes, acompanhadas por duas psicólogas.