O número de animais silvestres feridos por linhas com cerol e linha chilena teve crescimento expressivo, alerta o Instituto Estadual de Florestas (IEF). Apenas nos seis primeiros meses deste ano, o Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) de Belo Horizonte recebeu mais de 60 pássaros com ferimentos causados por linhas cortantes, total que já ultrapassou o dobro registrado no mesmo período em 2019.
“E este número é só uma parte das aves que têm a sorte de serem encontradas por alguém disposto a trazê-las para cá. Hoje, nós estamos com um gavião que não teve a asa muito comprometida pela linha e vamos tentar introduzi-lo de novo na natureza. Porém, mais de 90% dessas aves que chegam aqui acabam morrendo. A maioria das que sobrevive, depois de recuperada, precisa viver em cativeiro”, explica Érika Procópio, médica-veterinária do Cetas de Belo Horizonte.
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Outros pássaros que frequentemente chegam ao local com ferimentos causados por linhas com cerol ou chilenas, desde leves escoriações a mutilações de membros, ou até mesmo mortos, são periquitos, bem-te-vis e pardais. Segundo a veterinária, apesar de receberem tratamento intensivo, muitos não conseguem voltar ao seu habitat. “Elas não apenas são feridas durante o voo. Algumas aves utilizam essas linhas para fazer ninhos, onde os filhotes já começam a se desenvolver emaranhados nessas linhas, o que pode causar sérios ferimentos e gangrenas que resultam na amputação de um de seus membros, podendo até interromper suas vidas”, relata.
Soltura
As aves que conseguem ser reabilitadas são enviadas às áreas de soltura do Projeto Asas (Áreas de Soltura de Animais Silvestres), uma parceria entre o IEF, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e as organizações não governamentais (ONGs) Waita Instituto de Pesquisa e Conservação e a Águas Vivas Socioambiental.Em Minas Gerais existem 51 áreas cadastradas junto ao IEF e aptas para soltura, o que inclui outros tipos de ocorrências além dos problemas com cerol e linha chilena e não se restringe a aves. De acordo com Liliana Adriana Nappi Mateus, diretora de proteção à fauna do IEF, as ações do instituto têm propiciado a soltura de uma média de 55% do total de animais recebidos.
Ela explica também que algumas espécies necessitam de tempo maior de reabilitação para serem soltas. Em 2019, 6.928 animais foram recebidos nos Cetas de Minas Gerais e 3.640 retornaram ao seu habitat, o que representa 52,5%. Neste ano, os Cetas já receberam, até maio, 2.421. Destes, 1.350 foram reintroduzidos em seu ambiente natural, equivalendo a 55,7%.
Em 2019, garoto sofreu amputação
Além dos animais silvestres, as linhas cortantes causam também a morte e ferimento de pessoas. Até junho de 2020, 16 vítimas receberam atendimento no Hospital João XXIII, em Belo Horizonte. Segundo a Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), apenas os pacientes em estado grave são levados para o HPS.
Um dos casos mais emblemáticos das consequências do uso da linha chilena foi o acidente com Gabriel Nascimento, em 20 de julho do ano passado. Enquanto o garoto, então com 15 anos, caminhava pela calçada em Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, foi atingido por uma linha chilena presa a um ônibus. O corte foi tão grave, que a perna esquerda de Gabriel precisou ser amputada. Uma ação solidária ajudou na colocação de uma prótese. Seu sonho era ser jogador de futebol.
O IEF adverte a que o uso de linhas cortantes é proibido por lei estadual em Minas Gerais desde 2002, o que foi ampliado pela Lei 23.515, que veta a comercialização e o uso das linhas cortantes, punindo com multas pesadas. Uma lei federal de 1990 também define a venda ou exposição de linhas com cerol como crime, prevendo multa e detenção de dois a cinco anos. Caso a linha apreendida esteja em poder de criança ou adolescente, seus pais ou responsáveis legais serão notificados pela infração. Esse tipo de denúncia pode ser feito de forma anônima pelo telefone 181 (Disque Denúncia).