Jornal Estado de Minas

Saúde e economia desafiam BH 15 dias após freada na flexibilização

Mapa informativo que mostra a situação de Minas Gerais com o COVID-19 (foto: Mapa informativo que mostra a situação de Minas Gerais com o COVID-19)


Duas semanas após anunciar o retorno à “fase zero” do isolamento social – quando somente comércios e serviços considerados essenciais podem funcionar –, o prefeito Alexandre Kalil (PSD) precisa lidar, além dos impactos da pandemia do novo coronavírus sobre o sistema de saúde, com a pressão de representantes do comércio, que pedem a retomada das atividades econômicas em Belo Horizonte. Nesta segunda-feira, o decreto que autoriza apenas o funcionamento dos serviços essenciais completa 15 dias de vigência. E, pelo menos por mais algum tempo, a capital mineira vai continuar sob as rédeas das restrições.



O relaxamento ou o arrocho das medidas em BH é determinado por três critérios: o número médio de transmissão por infectado (Rt) e as taxas de ocupação de UTIs e leitos clínicos. Na sexta-feira, quando divulgou seu boletim semanal da epidemia, a cidade tinha 10.618 casos e 248 óbitos em virtude da doença (no documento da Secretaria de Estado de Saúde de ontem, o número de casos confirmados ainda era um pouco menor, 10.369, mas já havia uma morte a mais). Segundo a saúde municipal, 88% das vagas de terapia intensiva destinadas aos infectados estavam indisponíveis na sexta, o que significa alerta vermelho — um dia antes, eram 92%. Em estado máximo de atenção também está o percentual de enfermarias ocupadas: 76%.

O boletim de monitoramento semanal da epidemia de BH apontava na sexta que o número médio de transmissão por infectado na cidade estava em 1,11, o que equivale ao nível amarelo de atenção. Os outros indicadores, contudo, elevam o status geral ao alerta vermelho. Na sexta anterior, dia 3, o Rt era de 1,13. No documento, a Prefeitura de Belo Horizonte argumenta que, mesmo ante a abertura de vagas no sistema de saúde, casos e internações continuam subindo. “Não se observa alteração no quadro epidemiológico e assistencial da cidade que permita o retorno da flexibilização das atividades comerciais. A partir desse cenário, recomenda-se a permanência na fase de controle”, diz o texto.

A avaliação dos índices é feita constantemente pelo Comitê de Enfrentamento à Epidemia da COVID-19, composto por infectologistas e liderado pelo secretário Municipal de Saúde, Jackson Machado Pinto. “Optamos por manter a fase zero. Caso contrário, colocaríamos em risco não só o sistema de saúde, mas a vida de vários belo-horizontinos”, explica um dos integrantes da equipe, o médico Unaí Tupinambás.



Kalil e os integrantes do comitê costumam se reunir, mesmo que virtualmente, três vezes por semana. Em pauta, é claro, os números que refletem a situação da COVID-19 na cidade. Só é possível cravar a efetividade ou problemas de cada fase 14 dias após sua adoção. O retorno à “fase zero” ocorreu em 29 de junho. As duas semanas são o tempo que a ciência estipula como seguro para avaliar os impactos de ações de restrição ou relaxamento.

Pressão


Geralmente, a prefeitura promove entrevistas coletivas às sextas-feiras para anunciar os próximos passos da cidade no combate à doença respiratória. Nas duas últimas semanas, contudo, a decisão de manter Belo Horizonte no estágio dos serviços essenciais fez com que o encontro fosse cancelado.

A continuação do estágio atual por por mais alguns dias gerou críticas da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL/BH). O presidente da entidade, Marcelo de Souza e Silva, cobrou a abertura de mais leitos. “Muitos já fecharam e milhares de pessoas já estão sem emprego e renda, afetando o sustento das famílias”, disse, alegando faltar “ação e diálogo” à administração municipal. O setor já havia protestado quando Kalil optou por “voltar casas” no processo de flexibilização. À época, Marcelo também pediu a abertura de vagas de UTIs e enfermarias.



O penúltimo capítulo da “guerra” entre o Executivo municipal e a entidade ocorreu na quarta-feira, quando o prefeito resolveu cancelar reunião com a CDL. Para se justificar, Kalil recorreu à matemática. “Os números não nos permitem nada diferente do que está acontecendo hoje. Então, nós não temos por que fazer uma reunião sem objetivo. Eu recebo duas, três vezes por dia os números das ocupações (de leitos de UTI e de enfermarias), as transmissões (Rt)”, sustentou.

Logo no primeiro dia do novo decreto, Kalil viu manifestantes contrários ao recuo se aglomerarem em frente à sede da prefeitura, na Avenida Afonso Pena. Com direito a um caixão simbolizando o sepultamento do comércio de BH, o grupo, formado por cerca de 250 pessoas, gritava palavras de ordem como “queremos trabalhar” e pedia a saída do chefe do Executivo.

Na mesma semana, em entrevista ao Estado de Minas, o prefeito minimizou os protestos. “Nós temos eleição. Não interessa se vai ser agora ou daqui a um mês ou dois. Chega lá e vota em outro. Eu já disse e repito: quem tem medo de buzina é cachorro distraído”, afirmou. Carreatas de apoio ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) têm carregado tambémpedidos de “fora, Kalil”.



Apoio e defesa


Em contrapartida, além dos infectologistas que compõem seu grupo de conselheiros, Kalil tem recebido importantes apoios. Na semana passada, ele se reuniu com um grupo pró-isolamento social, que entregou documento pedindo a manutenção das medidas e, até mesmo, a implantação de lockdown caso necessário. O texto foi assinado por mais de 70 entidades.

Um dos organizadores do manifesto e integrante do Conselho Municipal de Saúde, Bruno Pedralva destacou que a intenção do encontro foi, justamente, “fortalecer” a atuação do comitê e respaldar as medidas tomadas pelos especialistas.

Para Unaí Tupinambás, a adesão do Executivo municipal às restrições é fundamental para manter BH com menos óbitos em relação a outras capitais. “Se nada tivesse sido feito, talvez estivéssemos muito piores. A gente não vê quem ficou vivo, mas só quem morreu. Quantas vidas foram salvas?”, questiona.