A disposição circular dos caminhões em um pátio ao lado de posto de abastecimento em Juatuba, na Grande Belo Horizonte, lembra as antigas formações de caravanas que assim se posicionavam para ganhar maior proteção contra índios e bandidos. E é exatamente para obter mais segurança que caminhoneiros brasileiros agora buscam se postar assim de forma unida e alerta ao passar por Minas Gerais, uma vez que os roubos e furtos de cargas dispararam no estado, mesmo com a pandemia e o isolamento social.
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De manhã bem cedo é que os caminhoneiros do pátio em Juatuba ficam sabendo se ocorreram ações criminosas enquanto dormiam dentro de seus veículos, já que pousadas e hotéis se encontram fechados por causa do isolamento social para conter a COVID-19. A novidade na manhã na qual a reportagem do EM chegou ao local era um furto. Os bandidos agiram na madrugada.
Eles se esgueiraram pelos círculos de caminhões até encontrar um deles que estava mais afastado e vulnerável. Sem deixar pistas ou alarde, conseguiram remover e levar a bateria da carreta, item essencial do veículo que representou prejuízo de mais de R$ 600 para o caminhoneiro, obrigado a comprar equipamento novo para seguir em frente.
Se há perigos mesmo no pernoite em pontos conhecidos onde os caminhoneiros buscam segurança nas grandes concentrações de veículos de carga, no meio da estrada a sensação que descrevem é de abandono e medo. “Outro dia, um colega estava na estrada e os bandidos chegaram pela janela e o renderam com um revólver em plena luz do dia mesmo. Como se tivessem passeando. Só que viram que o caminhão estava vazio. Deram uns tapas nele e levaram seus bens, celular, carteira”, conta o caminhoneiro Wederson Ferreira Saraiva, de 42 anos.
Segundo ele, mesmo quem percorre a rota costumeira acaba sendo roubado diversas vezes pelos mesmos assaltantes. “O pior é que a gente que roda nos mesmos locais e, por isso, fica esse medo de ser assaltado. Essa agonia que não é boa. Já fui assaltado mais de uma vez no mesmo trecho no Triângulo, por isso, não passo mais por lá à noite ou com a estrada vazia demais”, afirma.
O caminhoneiro pernambucano Rodrigo Campos Dias, de 36 anos, afirma já até saber os sinais usados pela quadrilha no momento da tentativa de assalto e, com essa amarga experiência, ele consegue evitar muitas das ações que podem terminar em violência e prejuízos. “Quando um mesmo carro te ultrapassa duas vezes, você sabe que pode ser alguém te perseguindo. O carro te passa uma vez. Aí some na estrada. Quando passa a segunda vez, aí você já fica naquele pânico. Fica olhando o tempo inteiro para o retrovisor para ver se vão tentar alguma coisa. Aquilo fica em você o resto da viagem. Pescoço duro, dor nas costas. Esse que é o preço de não ter segurança”, destaca.
A polícia, segundo Rodrigo e Wederson, conhece os locais mais perigosos, mas falha, muitas vezes, ao reforçar presença e averiguar situações rotineiras. “Já ficamos sendo roubados na beira da rodovia, cercados pelos bandidos e a polícia passou direto por nós, nem sequer pararam para perguntar se estava acontecendo alguma coisa, ou pedir documentos. Acharam que era uma quebra e foram embora sem checar”, reclama Wederson.
Sozinhos A insegurança é só um dos aspectos que mais preocupam os caminhoneiros, mas não é tudo, de acordo com o condutor nascido em Pelotas (RS) Cristiano Andrade Cruz Oliveira, de 43 anos. “Os governos e as autoridades estão se preocupando só com a pandemia e esqueceram o resto. Esqueceram da segurança e da estrutura de apoio. E o caminhoneiro não pode parar, porque senão o Brasil todo para também. Esse é o grande dilema”, afirma o caminhoneiro que transporta de alimentos a cerveja.
“Era preciso valorizar mais o caminhoneiro. Temos pátios sem banheiros, não temos esses pontos de apoio no meio da estrada. Estamos encarando praticamente sozinhos o transporte de alimentos e de mercadorias para quem está isolado nas cidades. Paramos em postos e muitos não têm mais comida, ou cobram valor abusivo. Não têm banheiros e, se o que estiver aberto não é bem recebido, acham que como passamos em vários locais podemos transmitir a doença também”, relata Cristiano.
Patrulhamento falho estimula os bandidos
O abandono e a insegurança que os caminhoneiros descrevem durante o trabalho nas rodovias de Minas Gerais também são observados em outros cantos do país de forma até mais grave. Ronaldo Batista, de 56 anos, já reúne 39 anos de serviços na boleia de um caminhão cruzando o Brasil. Seu último destino é o município de Balsas, no Maranhão, uma vez que começou há 4 meses o escoamento da safra para Cabedelo, na Paraíba, Cabo de Santo Agostinho, em Pernambuco, e São Luís.
“O problema é que você para no posto e um cara vem atrás de você com um revólver, te leva para uma estrada vicinal de chão e leva embora a carga e o caminhão”, conta. Segundo ele, nas regiões Norte e Nordeste, quando não se pode levar o caminhão e a carga, os bandidos começaram a depenar os veículos. “Está acontecendo demais também. Eles vêm armados, param o caminhão, vêm com borracheiro e tiram os pneus do caminhão para vender. Deixam só as rodas no asfalto”, conta Ronaldo.
Em Minas Gerais, na avaliação do caminhoneiro, os locais mais inseguros estão na região Norte, próximos aos municípios de Montes Claros, e no trecho entre Taiobeiras e a Bahia. “Nessa região, há roubo de caminhão e de carga todos os dias. Um atrás do outro. Tem demais”, afirma.
Para Ronaldo, falta uma intensificação do patrulhamento. “Ali tem nos postos da polícia uma viatura que é chamada de ronda, que serve para patrulhar os trechos. Mas você pode passar o dia todo na estrada que não vai ver passar nenhuma vez. Tive um pneu dianteiro furado lá, perdi um tempão até arrumar e não vi a tal da (viatura de) ronda. Você chega depois e pergunta no posto onde está a ronda e eles dizem que está atendendo a ocorrência, mas nunca ninguém vê. Se passasse à noite, ajudava muito a gente. Só de vir com as luzes do giroflex ligadas já ajudaria demais”, argumenta. (MP)
Especialista defende nova ação policial
Se, por um lado, o fluxo de carros diminuiu intensamente nas rodovias com as ações de isolamento social, de outro, a necessidade de escoamento de cargas foi ampliada em alguns setores da economia, como observa o especialista em Inteligência de Estado e Segurança Pública, coronel Carlos Júnior. “Mesmo na pandemia o transporte aumentou nos segmentos de saúde e subsistência. Ou seja, os caminhoneiros não ficaram em casa. As estratégias das organizações policiais e da própria iniciativa privada precisam, então, ser adaptadas a essa situação em que os criminosos se aproveitam do movimento de cargas e da extensa malha viária. A duração da pandemia vai exigir uma remodelação completa das estratégias de prevenção criminal”.
Segundo o especialista, é necessário que se mantenha ações ostensivas de policiamento em alvos mais cobiçados pelos ladrões. “É como foi feito pelo Programa Minas Segura (da PMMG), que se justifica a importância da atividade preventiva nas estradas, nas áreas de galpões e locais de armazenamento de produtos. No atual contexto econômico de pandemia, com queda vertiginosa da arrecadação fiscal, essas operações e ações ostensivas nas rodovias e zonas industriais e agrícolas vêm a contribuir, também, na área tributária, para redução da evasão fiscal”, destaca. O coronel Carlos Júnior lembra que os crimes fiscais também se aproveitam da situação de epidemia.
A despeito dos números negativos sobre a segurança nas estradas, o coronel destaca que o policiamento ostensivo rodoviário em Minas tem um histórico de sucesso que difere da realidade dos roubos de carga em todo o país, em especial nas divisas com Rio de Janeiro, Bahia e Espírito Santo. “Temos a maior malha viária do país e alguns gargalos. Os roubos ocorrem muito em rodovias federais e nos anéis rodoviários, quando os caminhoneiros trazem as cargas para as regiões metropolitanas. O trabalho é sempre dinâmico e ajustado à realidade. Mas, por exemplo, aqui não há pedágios ilegais como em outros estados, onde os motoristas acabam extorquidos. O bem mais importante a ser protegido é a vida dos caminhoneiros”, salienta.
A reportagem procurou a assessoria de imprensa da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) que redirecionou a questão à Polícia Militar. A corporação não comentou o comparativo de roubos e furtos de cargas feito exclusivamente em datas de pandemia, de abril e maio, preferindo se concentrar no período de janeiro a maio, quando ocorreu uma queda do roubo de cargas de 10%.
“O empenho dos militares do Comando de Policiamento Rodoviário (CPRV) e as operações constantes no Anel Rodoviário e rodovias estaduais e federais delegadas sob a responsabilidade do CPRV, principalmente nesse período de pandemia, bem como criteriosa análise dos dados estatísticos com direcionamento das ações/operações para os locais indicados pelos números, culminou, neste ano de 2020, na prisão de 270 pessoas com mandados em aberto, no registro de 245 ocorrências por tráfico de drogas e na apreensão de 407 armas de fogos. Além disso, 329 veículos foram recuperados pelo CPRV durante as ações preventivas realizadas nas rodovias estaduais e federais delegadas”, informou a corporação. (MP)
Risco ao volante
A série de reportagens do EM sobre os desafios que a pandenia trouxe para os transportadores mostrou ontem, com as matérias “O risco pelo retrovisor” e “Motoristas ficam separados de outros trabalhadores”, as dificuldades na coleta e entrega de frutas produzidas no Norte de Minas Gerais, que abastece sobretudo Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro. O perigo de contágio e disseminação do vírus agravam a condição dos caminhoneiros e levam a relatos, muitas vezes, dramáticos de profissionais mantidos à distância de outros trabalhadores nas regiões produtoras por prevenção. Ele também vivem casos de preconceito nos pontos de parada pelas estradas.