Um médico, um cachorro, um caiaque e um desafio: percorrer 300 quilômetros do Rio Cipó a remo. Entre pedras, cachoeiras e corredeiras, foram 12 dias de aventura rio abaixo, numa viagem que rendeu a Guilherme Benfica Duarte e ao fiel escudeiro, Bono, um feito inédito e boas história para contar.
Eles remaram da nascente do rio, dentro do Parque Nacional da Serra do Cipó, em Santana do Riacho, até o encontro das águas com o Rio das Velhas, em Presidente Juscelino. A expedição virou documentário e um livro de fotografias. O lançamento está previsto para a segunda quinzena de agosto.
Guilherme é médico de família na região da Serra do Cipó desde 2014, quando se formou em medicina pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Foi lá que conheceu Bono, um beagle muito teimoso que virou seu amigo e parceiro inseparável de aventura.
A viagem foi um presente para os dois. “Amo canoagem e tinha muita vontade de remar o rio inteiro. E, como vida de cachorro é muito curta, eu queria dar um significado para a vida do meu filho e viver uma aventura que marcasse a nossa história”, conta Guilherme, ao explicar como surgiu a ideia da expedição.
A viagem foi um presente para os dois. “Amo canoagem e tinha muita vontade de remar o rio inteiro. E, como vida de cachorro é muito curta, eu queria dar um significado para a vida do meu filho e viver uma aventura que marcasse a nossa história”, conta Guilherme, ao explicar como surgiu a ideia da expedição.
Era outubro de 2019. Sem férias programadas para a época, Guilherme definiu que o roteiro seria feito em etapas, aos fins de semanas. Arrumou a mochila com os itens básicos de sobrevivência, separou os equipamentos para registro audiovisual, pegou o caiaque e foi fazer o convite ao amigo.
Sim, era preciso saber se Bono realmente queria viver aquela aventura um tanto quanto arriscada com o dono. “Fiz um acordo. O Bono só iria se ele quisesse. E aí, quando eu pegava o caiaque, ele começava a pular. Eu abria a porta do carro, ele já entrava e não saia mais. E quando eu descia o caiaque, ele pulava pra fora e já ia nadando no rio. Aí, pensei: ‘Ah, esse cachorro está curtindo o rolê’”, conta, aos risos.
Sim, era preciso saber se Bono realmente queria viver aquela aventura um tanto quanto arriscada com o dono. “Fiz um acordo. O Bono só iria se ele quisesse. E aí, quando eu pegava o caiaque, ele começava a pular. Eu abria a porta do carro, ele já entrava e não saia mais. E quando eu descia o caiaque, ele pulava pra fora e já ia nadando no rio. Aí, pensei: ‘Ah, esse cachorro está curtindo o rolê’”, conta, aos risos.
O Rio Cipó nasce do encontro dos córregos Mascates e Bocaina, dentro do Parque Nacional da Serra do Cipó. E foi nesse ponto que a viagem começou. A região é famosa por cachoeiras e formações rochosas de beleza peculiar. Características que deram à expedição as doses de emoção e obstáculos necessárias para se tornar a celebração de uma grande amizade. “Era uma cachoeira atrás da outra. Algumas eu conseguia descer remando, outras eu tinha de descer do caiaque, amarrar ele numa corda e deixar descer aos poucos. Era complicado”, lembra Guilherme.
Foram necessários quatro fins de semana para completar o percurso de 252 quilômetros do rio até o encontro com o Paraúna, em Presidente Juscelino, e mais cerca de 50 quilômetros até a junção com o Rio das Velhas. Nesse período, a dupla experimentou todas as nuances que uma aventura na natureza pode proporcionar.
Do contato mais íntimo com a beleza da biodiversidade, dentro e ao redor do rio, sem conforto e estrutura de apoio. “Nós dormíamos no chão mesmo, em qualquer lugar que fosse mais ou menos plano, de preferência numa prainha ou numa pedra no meio do rio”, conta o aventureiro. O conforto de passar as noites na proteção de uma barraca foi dispensado em solidariedade ao amigo de patas que não suporta dormir coberto por uma lona.
Do contato mais íntimo com a beleza da biodiversidade, dentro e ao redor do rio, sem conforto e estrutura de apoio. “Nós dormíamos no chão mesmo, em qualquer lugar que fosse mais ou menos plano, de preferência numa prainha ou numa pedra no meio do rio”, conta o aventureiro. O conforto de passar as noites na proteção de uma barraca foi dispensado em solidariedade ao amigo de patas que não suporta dormir coberto por uma lona.
A opção por dormir ao relento, no entanto, rendeu aos amigos algumas surpresas desagradáveis. Como o dia em que dormiram no meio de uma trilha e foram atacados por uma correição de formigas. “Acordei com o Bono coçando e meio que chorando. Quando eu abri os olhos, tinham bilhões de formigas andando em cima de mim, me mordendo, entrando em meu nariz, na minha orelha, e o Bono correndo com aquela formigada em cima dele. Tive que sair correndo pelado para a beirada do rio para tirar aquela formigueira de mim”, relembra. Essa, inclusive, foi uma das poucas vezes em que Bono foi surpreendido pelo inimigo, contrariando um ranking que classifica o beagle como a espécie de cachorros mais desprovida de inteligência.
Ao longo da viagem, o cão demonstrou que os humanos é que ainda precisam aprender muito com eles. “Quando a gente estava descendo o rio, ele era muito safo. Além de nadar super bem, tinha uns momentos que eu ia descer algumas corredeira, ele olhava assim, e eu acho que ele sabia que eu ia me dar mal. Ele pulava do caiaque e nadava para a margem. Em geral, eu realmente me dava mal”, conta. As habilidades do cão de antever o perigo acabaram por construir um caminho inverso na relação. “Com o passar do tempo, eu que fiquei obedecendo ele. Então eu acho que ele me adestrou”, brinca Guilherme.
A compensação dos percalços também era diária e vinha em doses revigorantes, como relata o médico. “A quantidade de animais que eu vi foi surpreendente. Nadei com cardume de 20, 30 dourados. Mergulhei com cardumes gigantescos de pacú e curimba, de curimatãs, que são peixes bem comuns na região”.
E a cada percurso, novas descobertas . “Entre o encontro do Rio Cipó com o Parauninha, em Santana do Riacho, até o Rio de Pedras, eu vi uma mata ciliar muito maravilhosa. Parecia que eu estava remando na Amazônia”. Nos trechos ermos, de mata virgem, a companhia dos moradores locais também era certa. “Remávamos ao lado de lontras, com capivaras. Tucanos toda cruzando o rio. Alguns passarinhos que são mais raros de ver como o curió e o azulão. Foi muito gratificante”, define o médico.
ATRAÇÃO RIBEIRINHA
Não demorou muito para a expedição ganhar fama. “As pessoas ficaram sabendo que eu estava descendo o rio com um cachorro. E aí, algumas me esperavam nas prainhas pra me dar comida, lanche, suco, cerveja. Eu achei isso muito legal, a população foi muito carismática comigo”, comenta.
Os encontros eram sempre permeados de muita curiosidade e uma boa dose de espanto. “Quando eu via alguém nadando no rio, eu já sabia que seria um grande alvoroço a minha chegada. O povo me fazia várias perguntas, pedia para tirar foto, saia correndo atrás de mim, me seguia um tempo pela margem do rio. Era bem engraçado”, relembra.
Ao fim de cada etapa, era hora de voltar para casa. “Como era difícil retornar. No primeiro trecho, quando terminei, eu andei oito quilômetros com um caiaque de 20 kg na cabeça, com uma mochila de 20kg nas costas, remo e um monte de coisas. Esta parte era sempre angustiante, e quase sempre na base da carona”, relembra.
Ao fim de cada etapa, era hora de voltar para casa. “Como era difícil retornar. No primeiro trecho, quando terminei, eu andei oito quilômetros com um caiaque de 20 kg na cabeça, com uma mochila de 20kg nas costas, remo e um monte de coisas. Esta parte era sempre angustiante, e quase sempre na base da carona”, relembra.
Antes das chuvas de novembro, Guilherme e Bono alcançaram o encontro das águas límpidas do cipó com as turvas do Rio das Velhas. Aquela foi a última grande aventura da dupla antes da pandemia. Não que o passeio tenha sido um roteiro que incluía aglomerações. Muito pelo contrário. “Isolamento social maior do que foi o nosso, é impossível. Era eu e um cachorro. Tinha vários dias que não víamos nenhum ser humano. Eu acho que esse é um ótimo esporte para o mundo pós-pandemia”, indica Guilherme.