Uma família de Belo Horizonte promete ir à Justiça contra a Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) e a prefeitura local por não conseguir velar um idoso de 78 anos, morto na última quinta-feira (16). O sepultamento direto aconteceu porque o atestado de óbito da vítima apresentava como causa uma “pneumonia suspeita por coronavírus”, quadro que é negado pelos parentes.
De acordo com a filha da vítima, o pai “não tinha sintoma algum de COVID-19”, e a pneumonia foi causada por aspiração de uma sonda nasal. Já a prefeitura e o estado (leia mais abaixo) informam que seguiram o protocolo das autoridades de saúde.
“Ele estava completamente isolado. Ele estava em tratamento em uma clínica de reabilitação, morava em uma clínica na Pampulha. Estávamos há 90 dias sem vê-lo, justamente para protegê-lo. Era muito claro que não era COVID-19. Tínhamos um relatório do geriatra dele comprovando isso. Nós vamos mover uma ação contra o governo”, afirma.
Segundo relatos da família, J.C.O. deu entrada na Unidade Pronto-Atendimento de Venda Nova no início da semana passada. No local, ainda de acordo com a filha, mesmo sem sintomas da virose o idoso foi colocado em uma ala destinada a pacientes com suspeita/confirmação da COVID-19.
“Na hora em que eu cheguei, me chamou muita atenção. Eu falei com médico: ‘tire ele dessa sala vermelha’. Ele veio com a maca, puxando, e pôs ele lá na enfermaria, ao lado de um cara com confirmação da COVID-19. Ele (o outro paciente da enfermaria) mesmo me disse: ‘eu estou com COVID-19 mesmo, está confirmado”, lembra a filha do idoso.
Diante da situação, a família pediu a transferência dele para outra unidade, fato que aconteceu na quarta-feira (15). O idoso foi encaminhado ao Hospital Júlia Kubitschek, administrado pela Fhemig no Barreiro, ainda em BH.
Lá, a família relatou o quadro clínico do paciente à equipe do hospital, com objetivo de evitar que o idoso ficasse na ala destinada à COVID-19. Novamente, sem sucesso.
“Quando ele foi admitido, eu conversei com o diretor-clínico do hospital. Expliquei pra ele a situação. Falei com ele: ‘olha, a gente não admite, porque nós temos aqui um relatório do geriatra dele confirmando que ele não tem COVID-19, mas, sim, uma pneumonia aspirativa’”, conta a filha.
Num primeiro momento, a queixa deu resultado, e o idoso foi transferido. Segundo a família, o próprio diretor do Hospital Júlia Kubitschek confirmou a ausência de sintomas do paciente, já que a pneumonia era aspirativa.
“Só que, no outro dia, outro médico me ligou e disse: ‘olha, a gente está voltando ele para ala de COVID-19, porque a direção do hospital não acatou”, relembra a familiar do idoso. Ele morreu justamente naquela data, na madrugada de quinta-feira (16).
Enterro
Como o idoso morreu na ala para pacientes com suspeita ou confirmação de infecção pelo novo coronavírus, a família não teve permissão de realizar o velório dele. Por isso, o sepultamento foi direto.
Pai de três filhos, J.C.O. criou a família em BH, onde sustentou os entes queridos trabalhando no comércio. Também deixou cinco netos, a esposa e a mãe, de 97 anos, ainda lúcida. A idosa não pôde se despedir do filho, o que partiu o coração dos familiares.
“A morte dele já era uma coisa para que a gente vinha se preparando há anos, por causa da gravidade da doença dele. Masa situação que aconteceu é assustadora. Você não ter a chance de se despedir do seu ente querido é o maior sofrimento nosso”, lamenta a filha.
“Se ele tivesse sido tratado com respeito, talvez a gente teria um limite (de pessoas) no velório. Não estaria essa suspeita no atestado de óbito dele”, completa.
Testes
O idoso passou por dois testes para detecção da COVID-19 e em ambos o resultado foi negativo. Os dois são do modelo RT-PCR, também conhecido como molecular, o padrão-ouro da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Os exames do paciente que apresentam resultado negativo para o novo coronavírus, contudo, saíram depois do enterro do homem.
Outro lado
Procurada para dar seu ponto de vista sobre o tratamento oferecido na UPA Venda Nova, a Prefeitura de Belo Horizonte informou que “o quadro clínico do paciente se encaixava como suspeita de COVID-19. Portanto, foi adotado protocolo específico, seguindo orientações do Ministério da Saúde”.
Já a Fhemig esclareceu que, no dia da admissão do paciente no Júlia Kubitschek, "o caso foi discutido com a Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH), que, seguindo as normas internacionais para o enfrentamento da pandemia, orientou o isolamento do paciente na ala para COVID-19”.
Ainda de acordo com a fundação hospitalar, “o resultado negativo (para COVID-19) foi posterior ao óbito. Seguindo as orientações dos órgãos sanitários, para os pacientes suspeitos ou confirmados de COVID-19, na declaração de óbito tem que constar a suspeita pela infecção do novo coronavírus”.