Jornal Estado de Minas

COVID-19

Temor e cautela com possibilidade de volta dos bares de Santa Tereza

A boemia pode, em breve, ganhar permissão para regressar ao Bairro Santa Tereza, Região Leste de Belo Horizonte. A retomada vai depender do desfecho do conflito instaurado há cerca de um mês entre a Prefeitura de BH e Associação Brasileira de Bares e Restaurantes em Minas Gerais (Abrasel-MG) – e que foi parar na Justiça. Porém, a reabertura do setor não parece entusiasmar nem os moradores, nem os proprietários dos estabelecimentos instalados no tradicional bairro da capital mineira. Foi o que constatou o Estado de Minas nessa quarta-feira (22), ao circular nos arredores da Praça Duque de Caxias, área de maior movimento da localidade.





A cientista política Lívia de Souza, de 33 anos, que caminhava na praça volta de 10h na companhia da cadela Lola, conta que é frequentadora dos bares da região. Confinada em casa há quatro meses, ela confessa que tem saudade das cervejinhas que costumava beber no antigo restaurante Bolão e em outras casas do bairro, mas considera que, nesse momento, a flexibilização é precoce.

“Sinto muita falta, mas não é hora de abrir. Não há condição de abrir bar em plena pandemia, pois não há como garantir o cumprimento de medidas de segurança sanitária dentro de locais que, por natureza, pressupõem muvuca. Então, mesmo que os botecos voltem a funcionar, eu só pretendo frequentar quando houver maior controle da pandemia, o que eu acredito que vamos ter só quando tivermos vacina”, analisa.

''Não não há como garantir o cumprimento de medidas de segurança dentro de locais que, por natureza, pressupõem muvuca'' - Luiza Montes, estudante (foto: Edésio Ferreira/D.A Press)


A estudante Luiza Montes, de 23 anos, diz estar revoltada com o possível retorno ao funcionamento dos restaurantes em Santa Tereza. Ela teme que a clientela acabe promovendo aglomerações descontroladas e consequente propagação da COVID-19 pelo bairro, onde a população de idosos é significativa. “Meus avós moram aqui também e não os vejo há quatro meses para preservar a saúde deles. O máximo que eu faço é ir até a varanda da casa onde eles moram para dar um ‘tchauzinho’, de longe. Então, eu fico revoltada de estar afastada há tanto tempo da minha família, enquanto tem um pessoal que não está nem aí, que só pensa na própria diversão, e que vai lotar os bares assim que eles abrirem as portas. Permitir que isso aconteça pode jogar todo o nosso esforço de isolamento no lixo. Um ab”, afirma.





O aposentado Elindores Pinto, de 77, foi dos poucos abordados pela reportagem que disseram aprovar a reabertura. “Concordo que tem que voltar, embora já não frequente barzinho. Meu tempo passou!”, brinca. Ele conta que foi comerciante por quatro décadas e, portanto, é solidário ao empresariado da região. “Do jeito que está, vai quebrar todo mundo. As pessoas vão falir e começar a passar fome. Não tem perigo abrir os bares, desde que cada um tome os devidos cuidados, use máscara e mantenha a distância recomendada para não espalhar o coronavírus”, defende.
 

Indefinição

''Mesmo que me dessem a oportunidade de colocar mesas na Praça Duque de Caxias, não sei se faria isso. Teria que contratar mais pessoas'' - Luiz Cláudio Rocha, sócio-proprietário do restaurante Bolão (foto: Edésio Ferreira/D.A Press)
Instalado há 58 anos no bairro Santa Tereza, o restaurante Bolão – que já chegou a funcionar em expediente de 24 horas diárias, sete dias por semana – atende em esquema exclusivo de delivery desde o primeiro decreto municipal de quarentena, editado em 18 de março. O faturamento do negócio caiu mais de 50%, segundo um dos sócios da casa, Luiz Cláudio Rocha. O empresário relata que, após quatro meses de portas fechadas, vai precisar fazer algumas demissões. “Seguramos o quanto pudemos, mas, agora, é inevitável. Todas as nossas reservas foram embora. Ainda não sei quantos empregados vamos dispensar mas, infelizmente, já estou discutindo essa questão com os meus sócios”, lamenta.

A possibilidade de voltar a receber clientes, no entanto, não chega a animar o proprietário, que demonstra receio em relação ao processo de reabertura. “Gostaria que o setor, primeiro, chegasse a uma conciliação com a Prefeitura de Belo Horizonte. Eu entendo que, nesse momento, a gente precisa de segurança. Estamos lidando com vidas. Só que deixar a nossa economia morrer, como está acontecendo, eu também não concordo. Então, a primeira coisa, do meu ponto de vista, seria retomar o diálogo amigável”, diz.





Cláudio Rocha admite estar inseguro quanto a reabrir o restaurante, devido ao fato de que terá de investir  para atender protocolos sanitários definidos às pressas, diante da possibilidade de prejuízo futuro. “Hoje, diria que, mesmo que me dessem a oportunidade de colocar mesas na Praça Duque de Caxias, eu não sei se faria isso. Eu teria que contratar mais pessoas para trabalhar comigo, no mínimo. E a gordura que eu tinha para queimar já foi queimada”, afirma. Outra questão, segundo o comerciante, é a necessidade de se planejar para garantir a segurança dos clientes.

O discurso da Associação Brasileira de Bares e Restaurante do Santa Tereza (Abrest) segue no mesmo tom. De acordo com o presidente da Entidade, Elias Bastos, entre os cerca de 40 bares e restaurantes instalados no bairro, o sentimento geral é de cautela. “A situação está dificílima para nós, eu não vou negar. É uma crise sem precedentes. Por outro lado, a pandemia também é um fato novo. A gente não sabe ainda como é que dá para funcionar nesse contexto. E eu acredito muito na ciência. A COVID-19 não é brincadeira.”

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